Acordei inquieta. Não sabia o motivo. Abri gavetas procurando contas para pagar que estivessem vencidas. Procurei na minha cartela alguma pílula que tivesse esquecido. Revisei emails e mensagens que poderia não ter respondido. Nada. Sentei na minha ilha de escritório, aquela tão isolada do que eu realmente gostaria de estar fazendo, e decidi tocar meu dia apesar da sensação de consumição. Olhei para o calendário, e lá estava a pulga atrás da minha orelha. Sem nenhum lembrete a caneta, estava aquele aniversário marcado com memórias profundas. Quem precisa de caneta quando se tem memórias profundas?
Hoje é o aniversário do meu amor platônico. Aquele que eu não tive, mas vivi. Vivi sozinha, ok, mas não quer dizer que ele não deixou suas marcas, suas memórias. O fato de não ter sido reconhecido ou compartilhado por outro alguém não impede esse amor de ter provocado os meus suspiros, e o volume do Rio Tâmisa em lágrimas. Hoje lembrei a banoffee pie que fiz para ele em algum aniversário passado, e das velinhas que acendi. Lembro-me do abraço que ganhei, apertado e sufocante, e nem por isso, suficiente. Hoje me lembrei da falta que faz o meu amor platônico, ainda que platônico, porque a pior de todas as saudades, é aquela do amor que não foi.
E por causa do meu amor platônico, me lembrei de outra saudade. Tenho saudade de uma amiga que já não vejo mais. Alguém com que meu coração pulava ao simples estalar de dedos ou plano mirabolante. Tenho saudade de como eu não achava a minha maluquice, tão maluca perto dela. Ou comparada com a dela. Tenho saudade de como eu gostava de me colar nos planos dela, e incluí-la em todos os meus. Ela mudou, eu mudei, e a gente mudou. Mudamos para um lugar mais distante uma da outra, que não é físico. A gente segue nas mesmas coordenadas geográficas, mas em posições bem diferentes. Ainda que não seja GPS o nosso problema, tenho impressão que as duas seguem perdidas, com um desejo bem íntimo e velado de voltar para aquele lugar comum que ocupávamos juntas. A gente não sabe bem como voltar, e isso dói. Dói porque a pior das saudades é aquela de uma amizade que erramos em não florescer.
E olhando para essa saudade da minha amiga, me vi encarando a saudade do meu irmão, aquela saudade que vocês aqui conhecem bem. Saudade do meu melhor amigo, e aquele que entre idas e vindas da vida, nunca mudou de lugar. Saudade da exclusividade que eu sentia com ele. O meu irmão era a única família que era só minha, pois meus pais já tinham outras famílias que eram só deles. Saudade de me sentir destemida do lado dele. Ele possivelmente estaria ao meu lado em todas as dificuldades que eu vou enfrentar na minha velhice, tal como fez na minha juventude. Sabe, não consigo entender pessoas que não se dão com seus irmãos. Será que não consideram colossal a oportunidade de vir ao mundo com alguém por quem a gente daria e ganharia a vida, se pudesse? Eu daria a vida pelo meu irmão, ainda que isso fosse revoltá-lo, já que ele faria o mesmo por mim. E não podendo mais dar a minha vida por ele, terei de dar a vida por mim mesma para que o nosso acordo siga atendido. Mesmo que isso implique em sentir saudades dele pelo resto dos meus dias. E essa é a pior saudade, porque é aquela saudade que é eterna.
Aí foi pensando na saudade eterna do meu irmão, que eu tive uma epifania. Entendi que eu sofro com a saudade de tudo que não é eterno, como por exemplo, a pessoa que eu já fui. Eu tenho saudade da garota de 15 anos que eu era. Com aquela sensação de plenitude, que eu imaginava que seria eterna. Tenho saudade da mulher de 24 anos que eu fui, em seu primeiro voo solo na vida “lá fora”, afinal, “é preciso ir embora”. Tenho saudade da liberdade a toda prova que eu pregava, e que hoje é tão mais cara (e não estou falando do dólar). Tenho saudades dos velhos medos que eu sentia. Os de hoje me parecem tão mais cabulosos. Tenho saudade de mim, porque a pior saudade é aquela que não pode ser revisitada, pois não existe maneira de voltar atrás.
Certa vez comentei com a minha mãe sobre a angustia de ter sentido e, por vezes, sofrido de saudade a minha vida inteira. De tudo e de todos. E sobre o meu medo de que essa saudade fosse um sintoma de eu jamais tinha vivido por completo as fases e as pessoas da minha vida. Ela (sempre tão sábia), disse-me que a relação funcionava justamente ao contrário. Que a minha saudade era proporcional ao quanto eu tinha vivido cada momento.
Hoje quando me pego inquieta frente à saudade, sabendo que uma é sempre pior que a outra, e nenhuma é igual, me lembro do que a minha mãe me ensinou. Talvez o único conforto para a saudade que sinto, é a ideia de ter vivido cada personagem e capítulo da minha história com toda a plenitude do meu coração e entrega completa da minha alma. E entender que a saudade vai sempre me acompanhar. Ora como um amor, uma amiga, um irmão, ora como eu mesma. É a saudade que me lembra que tudo valeu a pena.
Fim da sessão.
“How I wish
How I wish you were here
We’re just two lost souls
Swimming in a fish bowl
Year after year
Running over the same old ground
What have we found?
The same old fears
Wish you were here”Wish you were here – Pink Floyd
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