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Quebre a cara

Eu por muitas vezes me esqueço que meus erros são meus melhores amigos. E quando isso acontece, é quando eu me afasto das minhas verdades. 

Todo mundo tem a tendência de fingir até conquistar. “Fake it, until you make it”, o mundo diz. Os filtros estão aí pra disfarçar toda insônia e sintomas de ansiedade. A gente segue respondendo “tô ótima” ou “tudo bem” mesmo quando não tá. Eu sei, eu sou igual a você, equilibrando pratos pra dizer que dou conta, enquanto escondo uma crise existencial com um delineado perfeito nos olhos. Quem me vê dando pose no meu Instagram balançando uma taça de champagne em Malta, não sabe quantas horas em posição fetal eu já passei questionando cada uma das minhas escolhas. 

Os erros, as incertezas, as angústias, estes não são dignos de publicidade. Será?

Pois foi nesta inquietude dos últimos tempos, que me deparei com um livro chamado “Failed it!” (Falhe!), de Erik Kessels. O título gritou na minha cara porque eu – como todo ser humano em algum momento – ando me sentindo um fracasso. Entretanto a obra também me chamou a atenção, porque tem capa e contracapa invertidas, e eu achei a ideia simplesmente fantástica. Note que das centenas de opções disponíveis na livraria, nenhum outro despertou o meu interesse, reforçando a sua mensagem principal. De que erros têm o poder de destacar indivíduos da mesmice que almejamos – ora, que ironia – no objetivo de nos sentirmos um sucesso. Os erros nos desviam de termos os mesmos corpos, casamentos, carreiras, carros, o mesmo Lulu da Pomerânia que todo mundo quer ter. E o autor do livro justamente destaca como uma sucessão de erros épicos, podem ser na verdade, pavimento para grandes ideias e jornadas extraordinariamente únicas. 

Então se tudo é potencial, por que diabos a gente tem tanta vergonha e medo de falhar? Que fascínio é esse que a gente tem com essa prisão chamada perfeição?

Pensa comigo, desde criança a gente aprende que tudo na vida merece um rascunho. Uma ensaiada. Um tombo e um tropeção. “Levanta e vai de novo”, nossos pais diziam. E que é precisamente nestas fases onde nos assumimos mais errante, que coisas maravilhosas acontecem, porque o segredo está no processo, livre e imperfeito. Mas aí então a gente cresce, se ocupa da opinião pública, e prefere ser arrogante ao invés de aprendiz. Ou pior. Uma falsa versão de si mesmo, que precisa provar que tá tudo certo a tempo inteiro. Talvez por isso que de perto ninguém tá bem. A gente não se permite mais estar exausta, puta dos cornos, confusa. A produtividade virou um carrasco.  

Não vamos longe. Eu mesma deixei de escrever aqui porque no meio do pandemônio e pandemia, eu quiz dizer a coisa certa um milhão de vezes, e veja só, acabei não dizendo porra nenhuma. Por meses. Esqueci-me que, sim eu adoro o engajamento de vocês, mas que eu escrevo fundamentalmente para mim mesma. Para a minha saúde mental. Arejar as minhocas da cabeça, lembrar que tô no caminho, me pensando, sentindo, perdoando. E com medo de errar, meu divã virou o pedestal do meu ego. Não acomodando mais minhas falhas, e traindo seu propósito original que é ser uma ferramenta de auto-reflexão. 

Eu errei. 

Mas eu me orgulho disso, porque são estes momentos que edificam minhas guinadas. Tá provado que só não erra quem não faz nada. Não se arrisca, nem se expõe.  

Afinal a vida nada mais é uma sucessível sequência de erros que a maioria de nós se ocupa em disfarçar para manter parâmetros insustentáveis de felicidade plena. Como se felicidade fosse uma coisa estática que a gente bota na estante, pela qual vendeu alma pra admirar do sofá da sala, protegido por camadas de medo de arriscar fazer diferente. Vale a pena fingir plenitude? Ou não seria melhor assumir que às vezes relacionamentos implodem, aquele emprego não era pra ser seu, seu desempenho foi fraco, você perdeu a hora e que o bolo batumou? 

Olha o mundo de oportunidades que uma boa quebrada de cara promove. 

Então quebre o molde. Quebre os conceitos de sucesso, quebre as amarras da perfeição. Quebre o raio da cara. A gente tem que lembrar que entre as rachaduras, há beleza no mosaico que somos.

Fim da sessão.

PS: Essa sessão pode ser um grande erro, mas deu uma pausa no nosso jejum, o que pra mim, é melhor do que um sucesso.

Antônia no Divã

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Antônia no Divã

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