Carimbo

Casar ou comprar uma bicicleta?

Eu nunca entendi bem o velho ditado que contrapõe o casamento e a bicicleta. Aliás, eu não entendia até algum tempo atrás, quando ao telefone com o meu pai, eu contava da aquisição de duas rodas, e ele me interrompeu: “mas se tu comprou uma bicicleta isso quer dizer que tu não vai mais voltar pra casa?”. Perceba que eu vou completar UM ano (!!) de mudança de país, mas foi a bicicleta que tornou tudo real. 

Foi então me caiu a ficha sobre o ditado em questão. A bicicleta está no contraponto da estabilidade. Do ponto fixo. E aqui não digo que casais não possam bicicletear juntos, conheço vários que o fazem, inclusive. Não é isso. Mas quando a escolha é dicotômica, em que nada pode pertencer simultaneamente a ambas as partes, a bicicleta simboliza a mobilidade, a individualidade, a impermanência. Do lado oposto está o casamento, o estável, o coletivo, a permanência. Isso no meu caso, é claro, somado ao fato de que a bicicleta não cabe na mala, para voltar para “a velha casa” com a agilidade que se esperava. A bicicleta, deste lado do oceano, simbolizava agora, a permanência da minha impermanência. 

O conceito entre a bicicleta, o casamento e a mudança me inquietou durante dias, eu confesso. E me fez analisar bastante a minha decisão. Não foi nenhuma surpresa nessa auto-análise, resgatar que a minha volta para Londres, aconteceu 1 ano depois do fim dos meus planos de casamento. Não foi surpresa, eu digo, porque lembro de que naquele contexto eu estava tentando ser uma pessoa que eu não era, planejando morar num lugar que nunca almejei, tentando me amarrar em falsas promessas e nenhuma estrutura. “afinal, o amor supera tudo”. Mentira. Porque assim como casais tem bicicleta juntos, alguns não tem permanência, a tal da estabilidade. Provando que entre o “casar ou comprar uma bicicleta” é também um conceito transitório, pra quem fica, pra quem vai, pra quem casa, pra quem separa. Tá aí a beleza dos ditados e das metáforas. 

E talvez tenha sido justamente aprendendo que é bem difícil achar a própria estabilidade no outro, que eu decidi renovar a minha fé na busca do equilíbrio que a gente conquista sozinha. Ralando os joelhos, mas desta vez, usando capacete. Na cidade que sempre amei, e que nunca me decepciona. E aqui eu decidi fazer morada, sendo a parte mais dolorida de admitir – e também o porquê do meu silêncio de meses neste divã – é que não foi difícil ir embora. Porque pra trás ficou a ilusão de que estabilidade se contrói a dois. Ficou uma amargura de não me identificar mais com esse lugar chamado Brasil. Ficaram os enroscos que não são meus, e que viviam emaranhando meus pés. Ficou o que tava me atravancando. Não foi difícil partir, porque por vezes “é preciso ir embora“, lembram? 

O que não quer dizer que vim de mãos abanando, não! Na mala botei a saudade de quem eu amo, e essa claro, deu excesso de bagagem. Entretanto eu já aprendi que o mundo é um ovo, e quando o vírus passar, os meus abraços preferidos estão apenas a um embarque de distância.

Aqui de cima da bicicleta, eu ganhei as ruas. O vento na cara. A contemplação alerta que me é tão natural. Hoje eu me pego pedalando cada vez mais rápido, mais forte, mais atenta ao caminho, e às vezes meio idiota, secando as lágrimas bobas de alegria e gratidão pela escolha consciente que fiz entre o casar e comprar a bicicleta. Pelo menos até eu mudar de ideia, claro. 

Jean-Paul Sartre em 1943 disse “quando, alguma vez, a liberdade irrompe numa alma humana, os deuses deixam de poder seja o que for contra esse homem”. E ele errou por pouco.

Essa frase certamente é sobre uma mulher. 

A liberdade, essa sim – de fato – é o maior poder que ela pode ter.

Fim da Sessão (tava com saudades de dizer isso!)

Antônia no Divã

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Antônia no Divã

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