Suspiros

Entressafra

em
7 de julho de 2015

Aí você optou pelo “antes só vinho, do que meio acompanhada”. Seja porque ele simplesmente não estava mesmo afim de você, seja porque você acreditou que merecia mais do que o que estava ganhando. Fato é que ninguém estava errado,  vocês só estavam com cronômetros desalinhados ou queriam coisas diferentes. Ok. Agora é cada um seguir o seu caminho, e chamar a próxima ficha, certo? Foi o que você pensou? Pois pense de novo.

Acredito fielmente na dura realidade de que, uma vez que você deixa alguém entrar na sua história, retirá-la não é tarefa tão simples. Isso porque sempre que alguém vai, leva consigo um pouquinho da gente, e acaba deixando um tanto de si. É muito escambo.

Claro que quando eu falo em “alguém”, não estou falando do carinha que você pegou na ultima balada, quando estava mucho loca. Estou falando da pessoa pra quem você se permitiu mostrar um pouquinho mais. O cara que você deixou te ver doente, com cólica ou sem rímel. Que presenciou uma crise de fúria sem sentido e sem entender com quem mesmo você estava brigando. Aquele alguém que você quis apresentar para as amigas, que planejou idas a praia. Alguém que você curtiu, que dividiu bons momentos, boas conversas e cosquinhas, além das boas transas. Não era o cara da sua vida, mas não foi qualquer cara. Ele.

O que acontece é que depois do fim, você irá apagar o telefone dele (e adicionar de novo, e apagar mais uma vez), mas ainda há de lembrar da voz do outro lado da linha. Vai agradecer porque a tampa do seu vaso finalmente vai ficar abaixada, e na contrapartida terá dificuldade entrar no banheiro sem lembrar de tudo que o chuveiro já testemunhou. Por algum tempo ainda irá escrever textos homéricos no whatsapp nas madrugadas de insônia, apenas para mastigá-los sem nunca apertar “enviar”. Talvez vá estranhar a própria cama, pois já não sabe de qual lado dela você deveria ficar. Ou ainda, irá fechar os olhos, e do nada – no meio de uma reunião qualquer – lembrar-se de como ele pegava na sua mão do meio do sexo, e do frisson que este movimento produzia. Acontece. Não é porque você fez uma escolha prática e racional de seguir adiante, que vai livrar-se da irracionalidade da saudade. Essa cretina.

Saudade, esta baita inconveniente, palavrinha que só existe na safada da língua portuguesa, pra te lembrar de que o fato de ter um fim, não quer dizer que irás aniquilar todas as sensações imediatamente. Onde fica o botão ‘’OFF’’ da saudade? Então veja, esse período subsequente a uma separação, por menor que ela seja, não chega a ser um luto, ou mesmo um coração partido. É uma melancolia suave “a la Adele” do tipo “We could’ve it all”, mas #sóquenão. É a contemplação do vazio deixado pelas borboletas, essas malditas, que foram voar em estômagos de outrem que não o meu. Às vezes fico me convencendo de maneira infantil que o que eu tenho é fome. Mas não, esse vazio, eu sei bem, é o que eu chamo de entressafra.

Entressafra, substantivo feminino (que ironia), que se refere ao período intermédio entre uma safra e outra, subsequente, de um fruto/colheita. As entressafras podem ser de três tipos:

consequência das condições climáticas – alguns frutos são frutos de estação, não amadurecem no verão, apenas no inverno – assim como algumas relações. Quão frutífero é o amor no carnaval, hã? Junho é outra história, não é? Pois veja, uma questão de natureza do ambiente e de condições, ora muito, ora pouco favoráveis pro amadurecimento.

uma estratégia de mercado – ou seja, recessos planejados para reduzir a oferta, e aumentar a procura por determinado período, valorizando, desta forma, algum produto, e alternativamente, o seu tempo/coração;

ou ainda;

uma necessidade natural – a mais orgânica das entressafras é aquela que se dá em respeito à natureza da plantação. Você plantou, regou, cuidou, colheu. Não importa o que fez com a colheita, mas enfim, usou o terreno. Tirou dele todos os nutrientes que precisou para apostar na boa agricultura. E agora, respeitosamente, precisa dar um tempo para a natureza se recompor. Não adianta sair distribuindo semente em cima de terreno cansado, com vestígios da plantação passada. Já tentou comer laranja de entressafra? Já tomou vinho de entressafra?

A entressafra, no seu equivalente masculino, também pode ser reconhecida como “entre séries”, ou seja, período flat entre uma sessão e outra de boas ondas. É como o terreno esperando. Você ainda está no mar, você ainda acredita do swell, mas não vai sair dropando qualquer marola. Vai ficar ali, curtindo o balanço do mar pra pegar fôlego para a entrada de uma próxima série.  E em tempos de crise, meus amigos, na economia ou no amor, não dá pra ficar desperdiçando semente ou braçada por causa da saudade. Se jogando em qualquer abraço pra ocupar as mãos. Não. Há de se respeitar a entressafra e a entre séries.

Então veja, mais uma vez estamos aqui discutindo o tempo e a naturalidade do amadurecimento, que na nossa afobação constante, são subjugados. Acredito que o que não dá é pra se nutrir de despeito, semear orgulho e regar com álcool o terreninho do coração, pois boa coisa não vai florescer. Eu aprendi, nesta longa estrada dos afetos e desafetos, que é necessário respeitar o período de entressafras. Ou então sua escolha de “antes só vinho, do que meio acompanhada”, que fora tão prática e racional, terá gosto de vinagre. Ou pior, você corre o risco de acabar com uma laranja podre nas mãos.

Entressafra, meus queridos. Plantem lá na frente que as borboletas voltam, elas sempre voltam. Essas malditas.


Fim da sessão.

https://www.youtube.com/watch?v=jHWvRB-p2RI

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27 Comments
  1. Responder

    FABIANA

    21 de outubro de 2015

    Fiquei encantada com a sua forma de escrever, não te perco nunca mais!!! Beijos

  2. Responder

    Cris Bias

    11 de agosto de 2015

    Acabei de descobrir o blog e tô encantada.. Parece que fala o que penso e sinto! Principalmente este post!
    Beijos, adorei!

    • Responder

      Antônia no Divã

      24 de agosto de 2015

      Oi Cris! Então volta sempre que o divã também é teu, tá? Beijocas

  3. Responder

    Bia

    15 de julho de 2015

    Sempre me segurei para comentar no texto certo. Acompanho o blog há séculos mas esperei para que o melhor texto chegasse para vir dizer que: simplesmente sensacional.

    Obrigada Antônia! =)

    • Responder

      Antônia no Divã

      15 de julho de 2015

      Bia, sua linda. Não se reprima, pode escrever sempre que eu adoro! hahah. Obrigada por tua colaboração, beijocas!

  4. Responder

    Rita

    9 de julho de 2015

    Sou grata pelo seu texto Antonia, para uma recém separada como eu estou vivendo esse momento e sinto que estou no caminho certo! Bjs e depois dos 10 vem o 11….rsrsrs

    • Responder

      Antônia no Divã

      9 de julho de 2015

      Rita, somos todas metamorfoses ambulantes. Tenha fé. Beijocas e que venha o 11, 12, 13 … hahah

  5. Responder

    Gracilene

    9 de julho de 2015

    Ah, desisto de tentar não me encontrar nos teus textos Antônia! rsrs.. O que é isso? consegues ver a alma da gente? Maravilhoso(como sempre)! beijos!

    • Responder

      Antônia no Divã

      9 de julho de 2015

      Desiste. Graci, e te joga! 😉 hahahah Reciprocidade é a linguagem das almas, sintonia é a nossa música! beijocas

  6. Responder

    Fefa

    9 de julho de 2015

    Antônia, você é Sensacional!!!!!!
    Tive um pseudo-romance entre indas e vindas foram 6 anos…RS!
    Nesse momento estou na entressafra, mas já fazem 8 meses. Em certos momentos, estou bem, mas ainda penso nele.
    Pq é tão difícil, não?! Rs…
    Beijo, Linda!
    Ah, queria te achar no face, qual é?!!!!

  7. Responder

    Nanda Andrade

    8 de julho de 2015

    Amo o jeito que você escreve, você brinca com as palavras e elas nos emocionam. Não estou em um período de entressafra de amores, mas sim de amizades. Também tenho um blog para colocar para fora alguns sentimentos emaranhados, isso me faz tão bem. Abraços apertados.

    • Responder

      Antônia no Divã

      9 de julho de 2015

      Oi Nanda. Entressafras de amigos é bem mais profunda. Achei lindo o blog. Siga escrevendo, assim os sentimentos desemaranham. 😉 beijocas

  8. Responder

    Ana Teté

    8 de julho de 2015

    Ahhh Antônia, sempre Antônia! ahahah… Como minhas entressafras teriam sido melhores aproveitadas se eu te conhecesse, deixe me ver, uns 9 anos atrás rsrsrs.
    Maravilhoso o texto (é claaaro), tentei tantas vezes dizer isso as minhas amigas, mas na época, faltavam-me estas palavras.
    Beijooos.

    • Responder

      Antônia no Divã

      9 de julho de 2015

      Ahhh, Ana.. esses aprendizados não se encurtam né? só vivendo mesmo. 😉 Obrigada por sempre estar por aqui. beijocas

  9. Responder

    carlapj14

    8 de julho de 2015

    Antônia, Parabéns… Seus textos sempre leves, agradáveis e proporciona uma ótima reflexão. Grande abraço e Muitíssimo Obrigada.

    • Responder

      Antônia no Divã

      9 de julho de 2015

      Obrigada, Carla. Volta sempre! Beijocas

  10. Responder

    Kelly

    7 de julho de 2015

    Antônia, não sei se o que vc escreve é compatível com sua realidade, mas sempre com a minha. Qd escreveu “Intolerante a borboletas” fiz um comentário para vc e disse que parecia que eu que tinha escrito aquele texto.
    Agora este novamente é o que eu estava precisando ler agora, neste exato momento. Minhas borboletas já não me incomodam mais, quero sair muito loka na balada, mas sei que é preciso viver esse período, mesmo que seja chato, mesmo que a saudade nos cause náuseas.
    Adoro seus textos, me identifico muito com vc! Nunca deixe de escrever! Bjoes

    • Responder

      Antônia no Divã

      9 de julho de 2015

      Kelly, seguimos com saudades nauseantes juntas! Eu seguro teus cabelos e tu os meus. hahah. Beijocas

  11. Responder

    Anônimo

    7 de julho de 2015

    Ah Antônia, estou exatamente nesse período de entressafra.
    Foi muito bom ler tudo isso, falou muito do que estou sentindo e que não tenho coragem de admitir.
    Obrigada!

    • Responder

      Antônia no Divã

      9 de julho de 2015

      <3 Eu admito por nós duas - ou dois - Anônimo é difícil saber se é menina ou menino! Beijocas

  12. Responder

    Dulce

    7 de julho de 2015

    Lindo Antonia e é exatamente o que acontece no final de um relacionamento,,, mas, ainda, bem que “as borboletas sempre voltam” e ai, começamos um novo ciclo torcendo, dessa vez, para que tenhamos plantado bem e a colheita seja boa! Beijos e continue a nos encantar e ensinar.

    • Responder

      Antônia no Divã

      9 de julho de 2015

      Elas sempre voltam – essas malditas! hahaha. beijos, Dulce.

  13. Responder

    Lah

    7 de julho de 2015

    Antonia, tudo q eu precisava ouvir/ler encontrei aqui .. Terminei um “relacionamento” (bastante complicado) ontem e hj leio tudo isso.. Obrigada por seus textos maravilhosos, sempre se encaixam perfeitamente.. Te adimiro mt viu, um dia ainda vou ser tao segura assim! Bjsss

    • Responder

      Antônia no Divã

      9 de julho de 2015

      Lah, eu sou tão segura quanto a música da Clarisse… “Só pra você saber, Eu esqueci você. E se um dia eu te ligar de madrugada em desespero é engano (ou não!)”. Quem nunca? hahaha. Relacionamento são todos complicados, e saber seguir a diante é parte do aprendizado. Somos todos aprendizes. <3 Beijocas

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Aline Mazzocchi
No divã e pelo mundo

De batismo, sim, Aline. Mas eu precisei do codinome Antônia - do latim "de valor inestimável" - para dividir minhas sessões públicas de escrita-terapia. O que divido aqui é o melhor e o pior de mim, tudo que aprendi no divã e botando o pé na estrada. Não para que dizer como você deve ver a vida. Mas para que essa eterna busca pelo auto-conhecimento, não seja uma jornada solitária, ainda que pessoal e intransferível. Então fique a vontade pra dividir o divã e algumas boas histórias comigo. contato@antonianodiva.com.br

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