Suspiros

O pé na bunda

Eu nunca tive licença poética para falar de pé na bunda. É claro que para alguns amigos meus, tava mais do que na hora de levar o meu primeiro. Depois dos trinta. Pós-réveillon, no mês do aniversário. Ora, por que não e quem nunca? Claro, eu já tive relações que acabaram com a outra parte perdendo interesse, ou encerrando tudo com um sumiço. Mas sempre foram casos destinados a não serem mais do que casos. Desta forma, eu nunca tinha terminado um relacionamento significativo que não fosse nos meus termos. Bem, isso até acontecer.

É importante entender que quando uma parte vai embora, ainda que dando sinais, é sempre um susto. Um tombo. E confesso que essa experiência me tornou mais empática. Talvez se eu soubesse antes como é estar do outro lado, eu tivesse sido mais gentil quando eu mesma terminei outros relacionamentos. Ou talvez se eu soubesse das regras do jogo antes, eu tivesse mudado a estratégia antes do acontecido. Eu achei que se estivesse vestindo a camisa do casal, disposta e dedicada com tudo, o resto seria consequência. Não foi. Não é. Relacionamentos são complicados, e ainda que você acredite que merecesse muito mais, eventualmente acontece que mesmo entregando tudo de si, ainda assim, não resolve nada.

Então me peguei nessa nova aventura de me ver amando alguém que não me amava mais. Sim, porque o certo seria a pessoa te devolver tua cafeteira e com ela o amor que existia. Mas não é bem assim. Os primeiros dias são eternos, e a gente passa ruminando de raiva. Culpa dessa utopia de pensar que amor deveria prevalecer até quando as duas pessoas divergem. Às vezes o amor é mais frágil do que a nossa vontade. Acontece. E é aí que raiva surge. E raiva, é talvez um dos piores sentimentos que existe. Raiva no contraponto do amor então, é um pandemônio. Nos faz irracionais. Maquiavélicos. Dá azia. É horrível.

E quando a raiva passa, e você acha que tudo vai melhorar, bom, daí vem a tristeza. Nesta fase você revisita cada momento de alegria, se agarrando a memória de algo que não é mais teu. Acredito que a pior parte desta etapa é a realização da impotência de que outra pessoa levou consigo também a tua escolha. Uma parte de ti. Sim, porque alguém escolher não estar mais ao nosso lado, não muda o fato de que você a queria ali. E assim acordou no meu peito aquela ausência da paz de espírito que eu sentia por finalmente ter encontrado a minha pessoa no mundo. Imperfeita, sim, muito. Mas era a pessoa que eu havia escolhido amar e tolerar mesmo quando as coisas ficassem difíceis. Cujo sorriso não seria mais o seu momento favorito do dia. Que soco no estômago é um “eu não te amo mais”, não é mesmo?

Nesta fase da tristeza me peguei escutando músicas meticulosamente elaboradas para embalar minhas lágrimas. Entendi que todo sertanejo foi feito pra minha dor de cotovelo, e que Jesus do Céu, Marília Mendonça me entende pra caralho (amiga, me leva pro teu boteco!). Eu abracei por dias todas as evidências físicas do amor que não era mais meu. Até porque eu sou daquelas duronas por fora, e sensíveis por dentro, que guarda o ingresso da festa do primeiro beijo, sabe? Uma desgraça. Uma tragédia grega.

E então … a ficha começa a cair.

Amiga, coração partido se cola com porra!”, disse uma amiga poeta. “Foca em tudo que te machucou”, disse uma outra. “Não era pra ser teu”, vinha um outro conselho jogado na minha direção. Me perguntei por dias qual caminho levava alguém pra “fora de um fora”.

Foi então que na terceira e final fase eu comecei a trabalhar a aceitação. Que poderia incluir baladas homéricas, o retorno ao Tinder, e o abuso de álcool, mas confesso que ando muito velha para este combo a longo prazo. E já que meus excessos poderiam conduzir àqueles erros tão clichês, como escrever bêbada para o ex (caralho, eu falei ex!) no meio da madrugada, eu apostei em um viés mais produtivo (com doses menores de bagunça). Na maior parte desta fase me cerquei de pessoas de amor e preocupação genuína. Canalizei a energia e recursos antes depositados em outro alguém, e dediquei-a totalmente para a minha alegria. Fiz uma faxina no quarto e nas redes sociais. Comprei uma mesa nova e colorida pro escritório. Fiz as unhas. Me dei flores. Pintei o cabelo. Planejei uma viagem com uma amiga, me inscrevi no italiano, enfiei a cara no trabalho, e me comprometi com o projeto do meu livro.

Eu confesso, eu queria gozar de longas horas chorando no chão do banheiro, mas não queria a dor nas costas somada a do coração. Pensei também quantas vezes gostaria de ter cedido a tentação de uma recaída, mas a maturidade sabe nos blindar de erros que poderíamos cometer. Eu esperava mais drama. Encontros sexuais furtivos cheios de despedidas choradas e arrependimentos. Um ou outro desabafo do amor que ficou. Não. Nada. É triste ver uma relação se resumir em farpas, o fechamento de uma conta conjunta e a devolução de objetos pessoais (cuja horta, cheia de adubo caro com esterco elaborado, eu nem pude levar comigo). Uma merda. Literal.

Fato é que mesmo sendo o primeiro pé na bunda, chega uma hora que nossa experiência emocional só exige praticidade mesmo. Ao passo que sinto que o fardo é menor quando a entrega foi completa. É tipo perder o jogo, mas saber que você entrou em campo com tudo. A derrota neste caso vem mais como um convite a revisar o time com quem você joga. Afinal, é impossível ganhar sozinho em um esporte de equipe, concorda?

Claro que houveram (e ainda haverão) momentos horríveis. Tipo o Netflix sugerir o filme “Como superar um fora” (algoritmo de sugestões, eu te odeio!) e a história ironicamente falar sobre uma publicitária com o sonho de escrever um livro, que leva um pé do namorado e tem que se reinventar. A vida é irônica quando a casa cai. Tudo e todo mundo vai fazer você pensar naquela pessoa. Nos sonhos que você plantou e regou e que foram jogados fora sem qualquer cerimônia. E aí você só tem uma escolha: decidir como quer se sentir. Porque esse sentimento passa a ser responsabilidade só sua. Então é escolher ter pena de si mesmo, ou usar isso para enxergar todas as outras possibilidades que tua história oferece.

É difícil ser otimista? Claro que é. Eu não sou nenhuma hipócrita. Eu chorei rios inteiros para lavar os sentimentos mais perversos que um coração partido guarda.  Mas aos poucos, eu percebi, que tinha que fazer a escolha de me salvar do mausoléu, e lembrar que sou a princesa, a dona do castelo, o príncipe, e se vacilar eu sou até o raio-do-cavalo-branco embaixo do príncipe. Eu sou tudo isso mesmo.  E que eu, e somente eu, deveria me salvar. E nada melhor do que este momento para me lembrar que eu preciso me tratar como prioridade, que devo avaliar melhor as minhas entregas e permissões, e por fim, que é fundamental reforçar a ideia de que sou digna de receber tudo que eu espero de um parceiro. (Ou parceira, porque a esta altura, convenhamos, não custa dar uma olhada na outra turma. Vai saber. Haha)

O que sei de verdade, é que eu não me amarguro mais com o amor. Eu sigo achando ele lindo. Eu agradeço por conseguir praticá-lo cada vez de forma mais sincera, comprometida e sensata. E agradeço também pela oportunidade de aprender (de novo, e de novo, e mais uma vez) a ser feliz comigo, coração desempregado ou não. A grande lição desta minha história, é de que mesmo saindo de um anel no meu dedo para um pé na bunda, até mesmo um pontapé te empurra pra frente.

Então pra frente, seguimos.

Fim da sessão.

Antônia no Divã

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Antônia no Divã

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