Era o terceiro andar, escada abaixo. A cada degrau o sofá pesava mais nos meus braços. “Segura ele pra cima!” – minha mãe orientava. “Não consigo mais!” desabafei enquanto largava o peso morto, apoiando-o sobre o corrimão. Aquele conforto de couro, que já havia acolhido o meu cansaço tantas vezes, agora me fazia suar em meio à musculação que representa fazer a própria mudança. Mudança, essa palhaça desta constante que surge quando você achou que finalmente tinha colocado a casa em ordem. Quando você começa acreditar na existência da estabilidade, vem à mudança, sem hora marcada, dando risada dos planos que você fez e da ordem que conseguiu conquistar. Troca a musica, muda a dança. Chegou a mudança.
Eu nunca tinha me imaginado fazendo o caminho de volta pra casa da minha mãe. Possivelmente porque antes, a ideia de “retornar” tivesse um ar de retrocesso. Passos para trás. Talvez por isso uma parte de mim precisasse de um tempo para respirar antes de arrastar o meu sofá para sua nova posição, lá, embaixo do teto da minha mãe. Quer dizer, o sofá ainda era meu, mas eu não seria a única dona do pedaço. E para quem morou sozinha por mais de 10 anos, compartilhar um teto é uma tarefa – no mínimo – desafiadora. Fato é que a vida tinha nos jogado outra bola curva. Minha família, por razões tão diferentes, quanto parecidas, precisava ficar junta.
E “ficar junto” demanda esforço, como em qualquer outra família. Na minha casa, aquela que era só minha, o controle da TV também era só meu. Eu perambulava pela casa pelada, sem o menor compromisso. As tarefas diárias eram executadas conforme o meu humor, e a rotina da casa obedecia somente às minhas vontades. Neste novo e conhecido lar, não. A TV tem uma programação completa de “Masha e o Urso” e “Tom & Jerry”, alternando, em loop. Eu já não ando mais pelada pela casa, pois a divido com dois mocinhos. As tarefas diárias são compartilhadas em sintonia ritmada, e a rotina da casa obedece às necessidades da família – sem desatender ninguém.
A parte mais engraçada desta mudança, é que surpreendentemente, eu passei a ter mais prazer em voltar para casa depois de um dia puxado, do que quando eu era a única dona do campinho. É como se nesse gap de 10 anos morando sozinha, eu tivesse esquecido das delícias de viver estilo “A Grande Família”, onde tudo é de todo mundo, e todo mundo fala ao mesmo tempo. Adoro quando o meu irmão pula na minha cama, porque acordou com frio, às 6:37 de um sábado. Ou nas fofices que minha mãe faz para deixar meu quarto mais feminino. Ou sobre a arte de comermos juntos. Por que as famílias não comem mais juntas? Um universo familiar inteiro acontece entre o “passa o sal” e o “me alcança o milho, por favor”. É amor + purê de batata!
Fazer uma mudança, é também revisitar o acumulado. Não dá pra começar uma fase nova, sem uma faxina na vida que já foi. Embalando os meus pertences, revivi muitas memórias, cheirei antigas camisetas, abracei alguns amuletos. Assim como também joguei muito do passado fora. Roupas que eu insistia em guardar, mas que nunca mais irão me servir (graças a Deus, e não ao meu bom senso). Mágoas registradas em cartas de papel amarelado. Um quadro de fotos do ex – que não pode mais ser pendurado em nenhuma das minhas paredes.
Reciclei amizades que já não somam, e coloquei plástico bolha naqueles que nunca vou jogar fora. Voltei a Europa na coleção de postais que nunca saem do meu campo de visão, e joguei pela janela (metaforicamente) extratos bancários e exames médicos. Preenchi malas, mas tentei deixar minha bagagem emocional leve. Pratiquei o desapego, pensando no espaço que preciso abrir para os novos pertences – tangíveis e intangíveis – que quero reunir. Guardar. Dividir.
Acredito que essa é a grande magia da mudança. Ainda que não planejada, ela vem e te convida a recalcular a rota. E fazendo isso… andando por caminhos desconhecidos, ou mesmo revisitando aqueles tão comuns, a gente percebe a beleza da paisagem. Mesmo que a bagagem deixe as nossas costas cansadas. Mesmo que destino nos tire da nossa zona de conforto. A metamorfose é o único pedágio.
– Tá pronta, filha?
– disse minha mãe segurando a outra ponta do meu sofá.
– Tô sim, mãe. Vambora!
– e o sofá ficou mais leve.
Fim da sessão.
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