Depois de 26 anos de casados, o casal plim-plim William Bonner e Fátima Bernardes anunciaram ontem o fim de seu casamento. Para muitos, o rompimento indicava o declínio da família tradicional brasileira. Para outros, era o fim do amor. Se o casal mais sólido do país achava seu caminho em destinos diferentes, o que nós, pobres mortais, podíamos esperar desta instituição divina chamada casamento? Casos de separações como a de William e Fátima são daqueles que fomentam a desesperança, naquela premissa básica de que, bem, pra que tentar se tudo vai acabar em divórcio mesmo, não é? A gente busca o extraordinário e quando enxerga a normalidade, acredita que é mais fácil perder a fé, do que tentar e acabar se arrependendo.
Eu vivo muito isso. Fico mensurando provas de carinho e tropeções, tentando prever uma rota tranquila na estrada do amor, sob meus pés calejados e arrastando as minhas costas já cansadas da minha bagagem emocional. Ainda que o amor não obedeça o planejamento e idealismo de ninguém. O idealismo, esse sim, promove dramas e tramas dignas de novelas mexicanas. Tudo porque miramos no extraordinário. Alguém que nos faça levitar a cada beijo, e nunca esqueça de uma data importante. Um amor avassalador que vá tolerar todas as nossas neuroses, nunca terá crises de ciúmes, e atenderá a todos os nossos desejos. Ahhh …(suspiros). Queremos um amor que respeite a nossa liberdade, ao mesmo tempo que nos deixe seguros, e que tenha uma personalidade que fuja do ordinário, diferente de todas essas pessoas que andam por aí.
Mas quantos de nós conseguimos olhar no espelho e descrever a nós mesmos desta forma? Quantos de nós somos tão extraordinários ?
“O casamento não deu certo” acusavam alguns veículos de comunicação sobre William e Fátima. Ora, deu sim, deu certo por 26 anos. Eles têm três filhos e até o que se sabe, uma boa base para manter vivo o respeito, a amizade e o apoio. Talvez isso seja “dar certo”. De que quando o “juntos” não funcionar mais, que o “separados” não seja sinônimo de “opostos”. Decepcionamo-nos com a separação destes estranhos-conhecidos porque julgamos que eles estavam acima de todos nós, que não teriam DRs inconvenientes, e que o sexo era sempre maravilhoso. Ninguém tem relacionamentos extraordinários o tempo todo. A gente aprende a conviver além do bem, do mal, e do feio. O que acontece é que na busca de tolerância para a normalidade em um relacionamento funcional, a gente se ofusca com o extraordinário dos outros. Mas o extraordinário, às vezes, trapaceia o amor de verdade – aquele da vida real, cheio de tropeços e momentos de adaptação.
E não é só no amor que a gente busca fogos de artifício. A maioria de nós acha que vencer na vida é ganhar grandes cifras ou conquistar uma notoriedade incontestável. O caso que mais me intrigou nos últimos tempos, da ascensão ao tombo, foi a trajetória de Bel Pesce. Quando me recomendaram, anos atrás, ficar de olho na “Menina do Vale”, eu me encantei com seu brilho, seu desprendimento nos palcos, suas palestras, seus produtos, e a capacidade que ela tinha e vender-se muito bem. Até que em uma de suas palestras, um amigo próximo e dono de uma sagacidade incrível, me fez a pergunta: “O que essa garota vende? Qual é o produto das empresas dela?”. Na hora fiquei muda, sem saber responder uma pergunta tão óbvia. Por que, eu havia viajado para São Paulo para ouvir Bel Pesce falar? Era por conta de seu conteúdo de riqueza intelectual acima da média? Ou a purpurina depositada sobre sua imagem?
Durante muitas vezes eu me peguei me comparando com Bel Pesce. Ela tinha um curso em uma renomada universidade americana. Eu tinha numa britânica. Ela fez estágio em empresas mundialmente conhecidas. Eu tinha feito estágio em uma empresa mundialmente conhecida. Bel dava palestras. Eu também. Bel escrevia livros. Eu escrevia um blog (e se tudo der certo, um livro um dia ). A diferença entre Bel e eu, é que ela foi lá e fez, e vendeu o peixe dela. Eu fiquei buscando algo de extraordinário em mim, toda vez que de alguma forma, fui reconhecida pelos outros. Quando me convidavam para palestras, eu titubeava “o que eu tenho a dizer?”. Quando me recomendavam para editoras, eu pensava “mas por que alguém compraria um livro meu?”. Eu ficava buscando dentro da minha entrega algo extraordinário, de incomparável importância. E por não achar algo tão único e especial, eu me sabotava em todas as chances que podia. O brilho do extraordinário ofuscava a minha visão, e com isso, eu mal conseguia enxergar o meu valor – numa faísca que fosse.
Na semana passada todo mundo se pegou avaliando o desempenho da Menina do Vale. Após o que foi uma vergonhosa tentativa de crowdfunding da hamburgueria Zebeléo, o grande publico entendeu que no fundo, Bel Pesce também errava. E errava feio. Ainda assim, eu tenho certeza que ela vai lamber suas feridas, sacudir a poeira, nos explicar por A + B o seu propósito positivo e bem intencionado de financiamento coletivo. Ela vai pedir desculpas e seguir ganhando dinheiro com o que quer que ela venda (que eu ainda não entendi). O que aprendi com o incidente com Bel Pesce, é que o brilho do extraordinário – do negócio fácil e bilionário, das soluções simples de uma-meta-por-dia-rumo-ao-primeiro-milhão – esse mundo fantástico não se sustenta a longo prazo sem conteúdo, estrutura e vasto investimento de suor, sangue e lágrimas. Então veja que o extraordinário é trapaceiro com quem compra, como também com quem o vende.
Hoje eu fujo do extraordinário, porque a prática de desejar ser os outros, ou querer ter que os outros têm, tende a me desvirtuar do meu caminho. Tende a ofuscar o meu brilho. Hoje sei que quero sonhos mais modestos. Relacionamentos de carne e osso. Amores que me façam menos excludente, e mais convergente. Ensinem-me a pedir mais desculpas, e reconheça a importância das tréguas. Quero projetos mais pés no chão. Fazer entregas de conteúdo de maneira tranquila, não porque eu sei mais do que ninguém, mas porque a minha visão de mundo pode fazer sentido para outras pessoas. Talvez eu não escreva um best-seller, mas uma história que mexa com um público que vai ficar feliz por ter dividido seu tempo comigo. Talvez fazer sentido, seja melhor do que fazer sucesso. Amar do jeito e pelo tempo que dá, seja melhor que amar para sempre a qualquer custo. E com isso não digo que temos que nos contentar com pouco. Não é isso. O que não dá é levar a vida mirando no extraordinário, e acertando nas frustrações.
Balu, o urso amigo de Mogli, o menino-lobo, já tinha cantado a pedra:
“Necessário. Somente o necessário. O extraordinário é demais.”
E ainda que eu pudesse citar referências mais inteligentes que um urso ficcional da Disney, Balu me parece um cara sensato. E feliz.
Fim da sessão.
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