Em um áudio de whatsapp qualquer, duas amigas atualizavam-se sobre as novidades de suas vidas, vidas essas separadas pela distância geográfica – uma no Brasil enquanto a outra morava em Barcelona. De um lado eu convencia a minha amiga que estava lidando relativamente bem (se é que isso é possível) com a perda recente do meu irmão, que neste mês completava quatro meses de saudade. Do outro ela me contava como estava superando a separação com o ex-namorado, este já em outro relacionamento. Silenciamos a conversa por alguns instantes analisando uma a condição da outra, e aquelas nossas verdades tão presunçosas.
Do lado de lá, ouvi de minha amiga que talvez não estivesse ficando bem porque aprendera a conviver com a saudade do meu irmão, mas sim porque a minha ficha não tinha caído (ou talvez jamais caísse), e que eu havia criado uma “ilusão consciente” de que ele estava apenas ausente ou até mesmo viajando, e que logo retornaria de onde estivesse para perto de mim. Aquilo me fez completo sentido. Do lado de cá sugeri que talvez a minha amiga precisasse de mais tempo para superar o ex, e para isso deveria abrir mão da vontade dos outros de vê-la bem resolvida logo. Agradecemos uma a outra a nossa sinceridade mútua, e nos despedimos, cada uma com seu fuso horário e seus botões. De alguma forma muito diferente, ambas começaram aquela conversa mentindo. Ironicamente: para nós mesmas.
Ok, talvez a verdade não fosse mesmo bem-vinda. Quem sabe por hora, ao imaginar que meu irmão estivesse viajando e que em breve ele retornaria com souvenires, fosse o único jeito de eu seguir a minha vida e de erguer um sorriso de vez em quando. Da mesma forma como para a minha amiga talvez fosse importante declarar que ela já estava com o coração curado, ao invés de admitir que pudesse ainda estar sofrendo. Talvez ambas esperassem que através da repetição de um milhão de vezes daquelas mentiras, elas se transformariam em verdades. Penso que às vezes a gente opta pela mentira pelo simples fato de não ter paciência com o tempo, ao passo que ainda tem fé no desgraçado. É como se estivéssemos fazendo um empréstimo da verdade futura – “não estou bem hoje, mas no futuro vou ficar, então vou antecipar essa condição, nem que seja no discurso”. Já me peguei dizendo em voz alta (mais vezes do que consigo contar) a frase “está tudo bem, Antônia”, numa tentativa de me convencer de algo que não tenho bem certeza. Eu minto para eu mesma acreditar e sossegar.
E se hoje eu minto para acalmar uma dor, antes disso eu sempre menti para sossegar um conflito interno. “Segunda-feira eu começo a academia/dieta/carboxi”. Quem nunca se revoltou com a própria autoestima, fez juras de morte à gordura trans e prometeu mudar de vida no dia seguinte? Ou no seguinte? Ou no dia depois dele? “Eu nunca mais vou beber”. Nunca? Jogue a primeira pedra quem nunca regurgitou tal frase entre uma gorfada no banheiro, e uma aspirina no quarto. “Eu não me preocupo em casar/ter filhos/ comprar uma casa/ (encaixe sua pressão da sociedade aqui)”. Aponte o dedo quem nunca deu de ombros numa conversa sobre expectativas para afastar o assunto do público, para tão somente remoer a questão interna e exaustivamente? (Aliás, essa é a mentira que eu profiro de forma mais convincente – interpretação digna de roubar o Oscar do Leonardo di Caprio.) Quem não engoliu calada a saudade de um amor que não deu certo, dizendo “oi” ao invés de “eu ainda te amo”? Ou respondeu “estou bem” quando não estava? Prometeu não gastar tanto, enquanto se encaminhava para uma liquidação no outlet preferido? “Semana que vem eu largo a bosta deste meu emprego”. Não? Nenhuma delas? Pois eu já. Todas estas mentiras estão ou já estiveram na minha lista.
E nesse redemoinho de mentiras próprias, me peguei estudando as razões pelas quais eu minto pra mim mesma. Concluí, depois de muito bater cabeça no áudio da minha amiga de Barcelona, que as verdades que inventamos para nós mesmos, são como as histórias que gostaríamos viver. Isso porque dentro deste imaginário tem-se toda a estrutura necessária: existe tempo adequado, força de vontade, lá existem soluções rápidas para problemas complexos, não existe dor, saudade ou perdas. A verdade, essa boba tão digna e tão sublime, essa sim tem despedidas eternas, tem conta pra pagar, tem ex-namorado coexistindo, tem o preço de bancar a sua existência.
A mentira é um pequeno escape, um pulinho em um mundo mais idealizado onde dá pra dar uma relaxada da dureza de assumir os próprios passos, sortes e infortúnios. E é um “pulinho” uma vez que ninguém sustenta morar na mentira por muito tempo. De fato prefiro dizer que a mentira contada para si mesmo é uma projeção (um sonho?). É, isso mesmo, uma projeção. Um ensaio de uma nova verdade, para testar a sua convicção ao dizê-la em voz alta. Um teste para examinar se realmente aguenta superar o fim do romance. Ou talvez não. Se vai abrir mão do sorvete e pegar nos alteres. Ou talvez não. É avaliar a nova condição nos lábios, para depois assumi-la de corpo e alma. E se para atingir a nova verdade perseguida, for necessário mentir para si mesmo por um tempo… bom, paciência. Vou assumir para o meu consciente despreparado, que enquanto eu não estiver pronta, por favor, me engana que eu gosto.
Irmãozinho, me traz um imã de geladeira quando tu voltares.
Fim da sessão.
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