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A maldita calcinha suja

Era o final de semana que antecedia o início do verão. E se você já passou um inverno chuvoso em Londres, vai entender que a data era motivo para celebração. A noite incluía a pista animada do Mother Bar em Shoreditch, doses intermináveis de Jager Bomb e o meu casal de amigos preferido, o Pablo e a Patrícia. A noite acabou num piscar de olhos e duas músicas do The Killers. Pulamos os três num taxi a caminho da casa do casal, como costumávamos fazer sempre que investíamos em uma late-night-out. O sofá deles era praticamente minha cama nos finais de semana. A estratégia garantia mais gente pra rachar o taxi de sábado e sempre rendia um almoço preguiçoso no domingo.

Acordei com a cara grudada no sofá sentido a pele toda transpirando Jager Bombs. Patrícia falava irritada ao celular com o que imagino era o landlord dela, algo sobre estarem sem água. Pablo me alcança um café e as minhas calças que estavam no chão.

Ela desliga furiosa. “Não temos água! Tem banho pra ninguém!”. Sorrio, e relevo a situação por dois motivos: o primeiro e o mais egoísta deles era porque eu podia ir pra minha casa tomar banho, o segundo era por conhecer a capacidade da Patrícia de ser dramática. “Deixa de ser fresca! O que são umas horinhas sem banho?”, mexo com ela. O Pablo ri, e ela bufa.

Comecei a me organizar pra ir embora, quando o telefone toca novamente. Com sorte era o landlord acabando com o drama deles. Mas não. Patrícia fica muito animada pra ser o landlord ou mesmo a água. Ao desligar, ela informa que fomos todos convidados para um churrasco de alguns amigos que brindavam a chegada do verão. Ela se empolga e agita Pablo e eu para nos arrumarmos. “Mas vamos assim, sem banho?” – pergunto. “O que são umas horinhas sem banho, hein fresca?” ela retruca.

O churrasco era tudo que o verão pedia, e tudo que eu sentia falta do Brasil. Caipirinha em jarra, churrasco feito com espeto, e a churrasqueira adaptada de um carrinho de supermercado. Ahhh os brasileiros, tão inventivos. Horas de risadas, entre jarras e jarras de caipirinha, me peguei conversando longamente com o churrasqueiro, que tinha os braços do tamanho das minhas coxas. Ele, recém-chegado, admirava-se com minhas histórias e experiências de Londres. E eu sempre-chegada num gatinho, admirava-me com os olhos verdes dele.

Na minha vigésima ida ao banheiro, daqueles banheiros de casa compartilhada, cuja tranca está sempre quebrada, fui surpreendida. Enquanto lavava as mãos, sem bater na porta,  alguém entra no banheiro: – “Ei! Tem gent…” e me viro pra dar de cara com os olhos verdes do churrasqueiro. “Eu sei que tem gente”, disse ele. “Se importa se eu usar o banheiro com você aqui?”.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele liga o chuveiro (este COM água). Antes que pudesse sair correndo, ele tira a camisa. E as calças. E a cueca. Escondo-me como uma menina com a testa na porta e as mãos nos olhos. “Você pode olhar se quiser… eu não me importo”, disse ele com um sorriso assanhado debaixo d’água passando a esponja ensaboada pelo corpo…  Penso comigo “Seria essa a minha chance de um banho?”. Nesta hora Patrícia tenta entrar no banheiro, subitamente trocando meus pensamentos sensuais por um ataque de pânico “TEM GENTE PORRA!!!!”, grito histérica. “Antônia, a gente tá indo embora, vamos?”  – “Ela vai ficar!”, ele responde de dentro do banheiro antes que eu pudesse dizer qualquer coisa. “Nã… péra, eu, na verdad…” tento balbuciar algo enquanto raciocino. Patrícia cai na gargalhada do outro lado da porta, “Ok, Antônia. Já entendi. Me liga amanhã. Pabloooooo, vambora!”.

Quando eu me viro furiosa pra perguntar quem aquele metido achava que era, lá estava ele parado atrás de mim, enrolando-se numa toalha. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele joga o seu peitoral pesado contra o meu, me empurra contra a porta e me beija a boca. Queria resistir e fazer um charminho. Mas o calor daquela pele e o cheiro de shampoo eram inebriantes. Eu estava entregue.

7h00. O meu despertador grita estressado. Saio da cama num pulo, tentando achar sentido naquele quarto estranho. Reviro os moveis recolhendo brincos, pulseiras, blusa, sutiã, calça… péra, cadê a minha calcinha? Levanto travesseiros, levanto as cobertas, embaixo delas somente aquele corpo pelado cheio de testosterona, cheio de delícias, e de músculos, e… Não, Antônia! Foco: cadê a minha maldita calcinha! O celular desperta de novo lembrando-me de que eu tinha que estar em Soho em 20 minutos. “Já vai embora, linda?”, sussurra ele se revirando todo sonolento na cama… “Sim, sim.. só estou tentando juntar minhas coisas”. “Conseguiu achar tudo?”  Hmmmm… Encarei os olhos verdes mais uma vez, e sorri sem graça. “Sim, tudo!”. Não consegui reunir forças pra dizer que não achava a calcinha que vergonhosamente usara dois dias seguidos.

No trem, mal me importei com outros passageiros admirados com o meu estado caótico de 2 dias sem banho, e o cheiro de Jager Bomb, caipira e sexo que exalava de mim. Estava escrito “walk of shame” na minha testa e eu nem me importava. Eu só conseguia pensar na maldita calcinha suja que deixara pra trás.

Foram necessários 7 dias inteiros e 8 banhos para que eu tomasse coragem de ligar pro churrasqueiro de olhos verdes e acessar o estrago…

– “Oi, tudo bem? Aqui é a Antônia…”

– “Oi linda! Saiu daqui apressada aquele dia. Nem me deu um beijo…”

– “Ah, pois é, estavas dormindo, e eu com pressa… por falar em pressa… naquele dia eu esqueci no teu quarto a minha… a minha… o meu ANEL. Eu esqueci o meu ANEL. Por acaso você não achou?”

– “Não, linda. Mas achei a sua calcinha. Pode vir buscar a qualquer hora…”

– … (Rio nervosamente do outro lado).

– “Ah, e fica tranquila. Eu lavei ela tá?”

Desligo o telefone imediatamente.


Fim da sessão.

Antônia no Divã

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