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As curvas do meu corpo

Quanto eu tinha uns 5 anos, eu era uma doce bonequinha que chamava atenção. Lembro-me das pessoas dando parabéns para a minha mãe por ela ter feito uma menina linda . A minha mãe então sorria orgulhosa. Lembro também que com o passar do tempo, aquilo foi tomando conta de mim, então quando os adultos me perguntavam “você sabia que você é linda?!” eu respondia, “Sim! Todo mundo me diz isso.” Então o sorriso da minha mãe passava a ser amarelo, e não mais de orgulho. “Você não pode dizer pros outros que você sabe que é linda. É feio ser exibida.” ela me explicou. Recordo que na época eu fiquei muito confusa. Os outros podiam me achar bonita. Eu não. Estranho né?

Fato é que cresci aprendendo a me validar através dos outros. Aliás, a sociedade caminhou meio torta naquilo que diz respeito à autoafirmação. O mundo é dos bonitos. Mas não dos convencidos, viu?!  A parcela feminina desta sociedade então, carregou a cruz de ser bonita e modesta até os tempos atuais – presente esse nosso em que dizem que o padrão de beleza tornou-se mais democrático.

Será mesmo?

Tempo atrás a Massafera ganhou enorme atenção da mídia porque estava com a “depilação vencida” (sendo “vencida” apenas a discussão vazia sobre as axilas da moça). A Meghan Trainor ganhou paradas do mundo todo por liberar as “corpo de violão” de suas amarras – afinal is All about that bass, that bass – no treble.  O famoso calendário da Pirelli em 2015 virou polêmica porque colocou em seu cast uma “plus size”. No mesmo ano a Victoria Secrets lançou uma campanha intitulada “O Corpo Perfeito” estrelada por modelos que pesam menos de 45kg. Criaram a Barbie “normal”, com medidas normais – que eu achei horrível, possivelmente porque brinquei muito tempo com a Barbie magérrima durante a minha infância. Em resumo: um mundo de complexos padrões ora a serem atendidos, ora a serem questionados.

E você acha que isso não afeta você. Mas afeta. E muito.

Não faz muito tempo que tive uma pequena reviravolta dentro de mim. Era a primeira vez que recebia na minha casa um gatinho que já ficava fazia um tempinho, alguém que eu gostava muito e que tinha a habilidade de fazer minhas pernas tremerem. Preparei o filme, o jantar, as luzes, e deixei meu quarto impecável, torcendo que tudo terminasse lá, dada a evolução da nossa intimidade. Mas não. Nada aconteceu. Beijos quentes, mas sem evolução. Amassos gostosos, e só. Parava aí. Minhas roupas intactas, e nenhum movimento malicioso por parte dele de jogá-las ao chão. Eu quis morrer.

Tive certeza que o problema era comigo. Liguei “prazamigas”, e fiz como toda mulher insegura faz. Psicopatiei no assunto até me desgastar. Aquilo era muito cansativo. Fiquei dias imaginando o que em mim não tinha atraído ele.  O meu gatinho não podia simplesmente estar tomando o seu tempo, levando as coisas na elegância, entre outros inúmeros motivos que podiam ter a ver unicamente com ele. Não. Ele era homem, logo deveria querer transar comigo. Eu era mulher, logo, psicopatiava que a culpa era minha.

Evoluí na minha psicose. “Olá, meu nome é Antônia, e eu sofro de psicose!” – “Olá, Antônia”, outras mulheres inseguras respondem em uníssono. Investi num WHEY PROTEIN, troquei o treino da academia, li sobre colágeno, pesquisei sobre o remédio de veneno de cobra que vendem na Polishop, enfim – tudo que estava ao meu alcance para eliminar as minhas “falhas” (e fomentar minha psicose). Afe! Mais alguns encontros e nada. Meu sutiã sempre no mesmo lugar. Merda! Eu estava me sentindo péssima.

No próximo encontro estava disposta a largar de mão. Vesti meu shortinho branco surrado e minha blusinha preferida. Nada apertando as curvas do meu corpo pra dentro. Usei as argolas velhas que mais gosto, base, um pouquinho de rímel e protetor solar sem cor da boca. Bebi cerveja, e eu não me preocupei com a barriga estufada. Suei todo o meu cabelo – que obviamente encrespou – com ele me rodopiando pelo salão ao som de um samba-rock. Agora era um encontro comigo, versão eu mesma.

Horas mais tarde meu shortinho estava no chão. E eu suava por outro motivo. Luz apagada, é claro, também não vamos exagerar.

Manhã do dia seguinte. Sou acordada por inúmeros “bips” do meu whatsapp. Num grupo só de mulheres, cada qual derrama seu dramas em um muro das lamentações. Uma porque perdeu a aula de kangoo e ia ficar gorda. A outra estava na Encol fazendo funcional sob o sol de 40°C, e uma terceira perguntando quem já havia experimentando o tal remédio de veneno de cobra da Polishop. Me dou conta que tenho que ir pra academia. Olho para o lado, e lá estava ele. Curvas perfeitas. Todo despojado e a vontade, como se a cama fosse dele. Noto que também estou pelada.

Visto rapidamente meu hobby de cetim preto, que foi escolhido por emagrecer minha cintura, tapar tudo que eu não gosto, e estrategicamente mostrar as minhas coxas, que, em tese, são os  meus atributos mais fortes. Saio da cama de fininho planejando uma ida ao banheiro para arrumar a minha cara. Antes que pudesse fazer isso, o telefone toca. “Antônia, oi! É a Fernanda. Partiu academia?”. “Oi, Fê. Hoje não vai dar, tô com visita.”“olha, essa bunda não vai diminuir sozinha viu?” brinca maldosamente e desliga. Saco! Será que eu acordo ele?

– “Antônia, você não vai voltar pra cama?!” dizem sussurros vindos do meu quarto. Fui descoberta! “Sim, claro.”

Deito-me ao lado dele. De bruços, pra esconder minha barriga de cerveja da luz da manhã (por que diabos eu havia tomado cerveja!!?). Ele pula em cima de mim, puxa a fita de cetim que amarra o hobby e o retira, descobrindo o meu corpo. Tudo acontecendo na malquista claridade daquela manhã de sábado. Encolho-me toda. Ele então começa devagarinho uma sessão interminável de beijinhos no meu corpo.  Começa pela nuca, desliza pelas linhas dos meus ombros, lado a lado. Desce pelo meio das minhas costas. Mordisca a minha cintura. Vai descendo pelas minhas nádegas, dando uma atenção especial pra uma pequena cicatriz que tenho na bochecha esquerda.  Beija demoradamente as curvas entre a bunda e coxa. Não resisto. Arrepio-me e relaxo. E assim ele vai descendo, centímetro a centímetro…  panturrilhas, tornozelos, dedos dos pés.

Quando ele começa a fazer o caminho inverso, me pego pensando: por que mesmo eu deixo uma pessoa beijar, acariciar e cuidar tão bem das curvas do meu corpo, quando eu mesma não as valorizo? E pensar que eu ia dispensar aquele carinho todo por causa da “minha bunda que não vai diminuir sozinha”.   Enfureço comigo mesma.

A questão ali não era ser exibida ou não. Atender aos padrões ou não. A questão ali era me gostar, ora bolas! E tudo bem, que às vezes a gente precisa levar uma encarada pra ver que mandou bem no look. Tudo bem que vez que outra a gente vai pegar emprestada a admiração do outro. Talvez seja através dos lábios certos que a gente entenda que todas as curvas estão onde deveriam estar. Mas acima de tudo, era preciso convencer a mim mesma daquilo.

Decidi que aquele era o momento.  Sem hobby, sem coberta, sem desculpas. A luz do dia. Me dei conta que somente gostando de vestir a própria pele,  perderia a vergonha de parecer exibida, e me permitiria ser simplesmente feliz sentindo-me linda.

Neste momento sou retirada da minha autoanálise com arrepios produzidos por beijos no meu pescoço. “Sabia que você é linda?”, ele pergunta na minha orelha.

– “Sabia.”

Me viro e beijo a boca que beijava as curvas do meu corpo.


 

Fim da sessão.

Antônia no Divã

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Antônia no Divã

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