A minha amiga Amanda é conhecida e reconhecida por uma pinta que ela tem em cima da boca. Sempre que alguém vai falar dela, e por algum motivo esquece o nome, refere-se ao sinal tão particular que ela tem: “aquela tua amiga linda da pinta na boca”. Não tem como errar. A pinta é uma das coisas lindas da Amanda, que, diga-se de passagem, é toda linda. Uma dia, conversando com o ex namorado dela, o elemento sugeriu ela emagrecesse, submetendo-se a uma cirurgia. Eu fiquei tão possuída com o comentário, que me peguei gritando com a Amanda, para que ela jamais voltasse a abrir espaço para alguém tão desconectado da beleza dela.
Não é nenhuma novidade aqui neste divã, as minhas ressalvas sobre auto-imagem. Já comentei aqui que Não sou geração Pugliesi, já falei sobre as curvas do meu corpo, e em vezes mais doloridas, discuti de forma chorada que O meu irmão gordo não cabia neste mundo. Esse assunto é sempre difícil, não apenas sobre o meu corpo, mas também porque parte da despedida do meu irmão tem a ver com a dor de estar fora dos padrões estéticos. Aliás uma dificuldade dele, minha, e talvez também sua. A gente fala tanto de saúde mental, que por vezes esquece o quanto a pressão do corpo, muitas vezes fode com a nossa cabeça. Com as nossas relações profissionais, sexuais e a forma como nos apresentamos para o mundo.
E eu sempre me pergunto, qual é o preço certo a se pagar para pertencer ao padrãozinho?
Nesta semana, durante o meu trabalho com conteúdo de redes sociais, tive que fazer vários ajustes em perfis de medicina veterinária, em razão de uma normativa que pauta a ética da propaganda, no compartilhamento de procedimentos cirúrgicos em animais. E a tarefa me fez pensar. Isso porque diariamente no meu Instagram, médicos e profissionais da saúde compartilham os novos procedimentos da moda para os humanos, assim, sem nenhuma cerimônia. Um preenchimento de lábios aqui, uma aplicação de botox ali. Litros de silicone pra dentro e de gordura pra fora na ponta de um bisturi. E enquanto eu me ocupava com a ética do Conselho de Medicina Veterinária, eu me perguntava: onde andava o mesmo pulso firme na publicidade da medicina humana?
Eu percebi então que a diferença é hoje, fazer um “antes e depois” de um câncer de mana em uma cadelinha para o #OutubroRosaPet, está mais na berlinda, do que o “antes e depois” do aumento de seios de uma gatona.
Mas afinal, saúde e medicina se vende?
Sim, se vende.
Certa vez conversava em um bar com uma cadeirante tetraplégica sobre células tronco (eu sou dessas que discute de tudo em um bar), e ela me contava que muito da medicina humana não evoluir nesta área de pesquisa, era porque ela não era tão lucrativa quando a medicina estética. Claro, gente. Ninguém aqui sobrevive de amor. No mundo capitalista, boleto se paga com dinheiro, e não mudando a vida das pessoas. Basta pensar que enquanto 4% do mundo (percentagem meramente ilustrativa) precisa regenerar uma coluna, possivelmente metade dele quer um silicone mais durável e durinho. No final é tudo dinheiro. A demanda é quem manda.
Mas por que desta conversa hoje? Por que eu sou contra o silicone e a cirurgia? Claro que não! Entretanto precisamos admitir que parte da ditadura da imagem é celebrada por cada um de nós, todos os dias, com atitudes bem menos dramáticas do que entrar na faca. Seja nos filtros do Instagram, seja com os apps de “correção de fotos”, seja no desejo de “harmonizar” o que Deus nos deu, destacando a mandíbula, ajustando o nariz, construindo uma sociedade onde estamos ficando cada vez mais parecidos. Não é a toa que a gente adora um avatar. É um sentimento bom pertencer a tendência de mercado. Estar na moda. Todo mundo quer se sentir lindo, curtido e compartilhado.
A pergunta sempre é: a que preço?
Eu também quero perder uns 20 quilos da minha carcaça. Eu nem sempre gosto da papada que fico nas fotos. Mas ao mesmo tempo o meu nariz é a coisa mais perfeita que meus pais já fizeram, e eu não troco as taturanas que tenho acima dos olhos por nenhuma reconstrução de sobrancelha. Ou seja, talvez antes de planejar mudanças – onde cada um tem o direito de fazer o que bem entende com a própria cara e corpo – a gente devesse tirar um tempinho para celebrar as nossas individualidades. Tipo a pinta linda da Amanda. Harmonizar não quer dizer virar linha de produção de um bisturi. Harmonizar quer dizer “entrar em harmonia”. Porque daqui a pouco, a gente já não se reconhece mais. Vai ser tipo Henry Ford dizendo – “você pode escolher qualquer modelo, desde que seja preto”. “Você poder ser quem quiser, contanto que magro, branco, lisa, peituda, bunda na nuca, maxilar definido” – porque seguimos perpetuando a ideia de que apenas isso é bonito.
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