Dou-me conta de que eu sou adulta, na mesma proporção do tempo que fico exposta a crianças. Algumas horas com meus irmãos mais novos são inofensivas. Brincamos juntos e tudo é muito natural. Basta um final de semana inteiro passar, que me pego freneticamente corrigindo os dois a cada 5 minutos. “Vamos juntar esses brinquedos”. “Larga a camiseta do teu irmão.” “Murilo, dá pra parar de assobiar por 1 minuto?”. “Vai comer sim, ou tua bunda vai esquentar.” “Não aperta o cachorro.” “Murilo, que mania e essa de rebolar agora?” “Mateus, solta as tintas e vem já lavar as mãos.” “Sim, menino também pode fazer ballet, mas o papai prefere que vocês façam futebol.” “Parem de se estapear.” “Não, você não sabe tudo coisa nenhuma.” Afe! Que canseira. Eu não via a hora de chegar a segunda-feira. Eu parecia uma megera.
Cheguei segunda-feira para trabalhar do mesmo jeito de sempre – não parecendo, mas sendo uma megera. Espalhando simpatia (ironia aqui) e uivando por café. Às vezes penso que deveria existir uma lei que lhe assegurasse o direito de não conversar com ninguém antes da primeira xícara de café no primeiro dia da semana. Estava terminando de me servir quando o Carlos entra na sala, cumprimenta todo mundo e começa a rodear a minha mesa, como faz sempre que quer chamar a minha atenção. Eu o ignoro de proposito, pois como adulto que ele é, poderia muito bem conversar comigo sem aquele ritual infantil. Ele pergunta se pode falar comigo, e eu respondo que sim com a cabeça, ainda encarando a tela do meu computador. Ele chega mais próximo e pergunta – “Pode ser na sala ao lado?” Eu me irrito com a formalidade e viro para fulminá-lo com os olhos, apenas para ver que os seus estão vermelhos. O Carlos havia chorado.
Na sala ao lado, mal fechei a porta para ele jogar-se nos meus braços. 1,80m de homem debulhado em lágrimas. Ele anuncia o motivo, havia sido demitido e queria se despedir. “Queria te dar tchau, pois sei que tu sempre te preocupaste comigo. Orientou-me, pediu pra eu não brigar e não me expor tanto, mesmo não sendo a minha gestora. Aprendi a te respeitar, então…” – ele funga profundamente – “Só queria mesmo é agradecer e ….” e não consegue terminar a frase. Coloca a cabeça nos meus joelhos, e chora, pelo que imagino terem sido horas. O Carlos era apenas um dos nove que viriam a ser demitidos naquela segunda-feira. A crise havia encontrado nosso CNPJ e mandando lembranças. Assim como todas as empresas em território nacional, a nossa precisava reduzir para sobreviver. A situação por si só é horrível, para quem vai, e para quem fica. E isso para qualquer funcionário. Acontece que eu não sou qualquer funcionária. A empresa que agora fazia o Carlos chorar e indagar-se sobre o futuro, era a empresa do meu pai. E eu, aquela que eles chamam de a “filha do homi”.
Ser herdeira em tempos de prosperidade é uma coisa. Ser herdeira em tempos da maior crise econômica da história da minha carreira, é outra. Não existe MBA que te prepare para não sentir o gosto amargo de uma recessão como esta. E quando você sabe que não pode fazer muito para ajudar, é pior ainda. O sentimento de impotência é tão sufocante, que é impossível não fazer o mesmo que o Carlos – transbordar. Aproveitei que era horário do almoço, me escondi num canto do pátio onde ninguém podia me ver, enfiei os fones de ouvido e coloquei a musica mais triste que achei na minha playlist para então deixar as lágrimas rolarem. “Espero que quem fique na empresa, honre o seu lugar aqui dentro” – disse o Carlos ao se despedir minutos antes. E eu não consegui encará-lo para dizer que eu não queria estar ali. Eu não honrava o meu lugar. Eu queria que tivesse sido eu no lugar do Carlos. Mas herdeiras não assinam suas rescisões e saem pela porta da frente numa boa – isso eu aprendera há um ano, quando tentei, sem sucesso, seguir outro rumo que não dentro do meu “império”. E agora eu estava lá, dentro de um castelo de cartas, vendo uma a uma cair.
Eu nunca quis tanto voltar a ser criança como nesta semana. Eu queria sentar no colo do meu pai e falar sobre os meus medos, tendo a certeza que ele ia ter resposta pra tudo. Mas ele não tem. Talvez nunca tenha tido, mas agora eu sei e isso muda tudo. Eu não queria um diretor. Eu queria só meu pai. De fato o que eu precisava no momento era uma passagem só de ida para a Terra do Nunca, cuja economia não tem crise, porque lá não tem economia mesmo. Onde não há desemprego, taxa de juros, IR, ISSQN, ICMS, ih meu Deus do céu. Queria estar lá desviando de piratas, e não dos boleiros do mercado. Queria me preocupar com sereias, e não com o sindicato. Queria pó de asas de fada, e não um faturamento reduzido a pó. Eu trocava qualquer tucano, lula, raposa e traíra por um crocodilo. Por que ninguém disse que crescer ia ser tão complicado?
Como seria bom ser a Wendy e oferecer meu dedal/beijo ao Peter Pan, sem os joguinhos de sedução dos adultos. Queria que “Meninos Perdidos” fosse um grupo de crianças rebeldes que decidiu não crescer, ao invés de ler sobre meninos cuja infância foi perdida na página policial do jornal. Queria tocar flauta para as flores. Sentir a chuva, e não apenas ficar molhada. Ter pensamentos positivos que me fizessem voar por um mar de estrelas. Na verdade, nesta semana, somente os pensamentos positivos já estariam de bom tamanho. Será que a maturidade ficou tão cinza, que tiveram que inventar livro de colorir para adultos?
Eu sei que não querer crescer ou desejar voltar a infância pode ser considerado escapismo ou imoral. Mas essa semana eu queria voltar a minha infância. Eu queria mais tempo sem me preocupar com o tempo passar. Exatamente como as crianças fazem… exatamente como o Mateus e o Murilo fazem.
Então meninos, esqueçam tudo que a mana disse neste final de semana. Não guardem os brinquedos, brinquem! Não larga o teu irmão, nunca. Murilo assobia as canções que tu quiseres que a mana vai te escutar e cantar junto. Comam porque é bom. Apertem o cachorro porque no fundo é disso que ele gosta. Pode rebolar, a mana rebola com você. Mateus, não larga estas tintas, vamos colorir juntos. Sim, menino pode fazer ballet, piano, caratê, tricô, e o papai vai ter que entender. Parem de se estapear, se abracem. E claro, vocês sabem de tudo. Mais do que qualquer adulto que eu conheço, vocês sabem mais eu. Vocês sabem o segredo da felicidade plena, aquele que por vezes a gente esquece depois que cresce. E se vocês souberem o caminho da Terra do Nunca, não se esqueça de mim.
Eu vou junto num piscar de olhos e dois pensamentos positivos.
“A segunda estrela à direita e então direto, até amanhecer”.
Fim da sessão.
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