Categorias: Crônicas

A ditadura da prole perfeita – uma ode às mães

Há mais ou menos quatro anos atrás, um dos grandes motivos que me fez retornar das longínquas terras da Rainha para o Brasil foi a notícia de que minha mãe ia virar mãe. De novo. E de dois. Eu, que não concebia a ideia de acompanhar a vida dos gêmeos pelo Skype, não pensei duas vezes em tomar o rumo de casa para ocupar meu lugar de irmã mais velha. De novo. De dois.

A diferença do meu primeiro irmão para estes dois, é que o par distanciava-se em ¼ de século de mim. Mais do que isso, a balzaquiana que sou, já tinha relógio biológico fazendo tic-tac, e as novas aquisições da família despertavam em mim não apenas o amor fraterno, mas também davam margem para o materno, este desconhecido até então. E foi mais ou menos assim  que lá em casa iniciei semestres intensos do meu novo MBA – Motherhood Business Administration.

Calma, mães de plantão. Eu sei, as minhas experiências como irmã não se comparam a tirar um filho de dentro do umbigo e acalentá-lo até a maturidade (ou depois dela, como é o caso da minha mãe). É lindo, é intenso, e é divino, ao que eu consigo entender. Entretanto o que ninguém conta é que a maternidade é também um antídoto pra qualquer nível de lucidez de uma pessoa. Talvez ninguém conte exatamente por isso, os úteros poderiam entrar em greve.

Antes de jogarem as pedras, eu explico. No final de semana passado fui convidada e incumbida de praticar a maternidade, intensa e sem breaks por 48h, cuidando dos irmãozinhos para que minha mãe pudesse atender a um compromisso. Planejei tudo na minha cabeça milhares de vezes, e uma ida ao camping que eles tanto amam era uma estratégia a prova de falhas. Ledo engano.

Aproveitei o sono deles da viagem de ida para descarregar rapidamente o carro, o que foi tempo suficiente para o Mateus ter o corpo inteiro picado por um enxame de mosquitos. Na chegada nenhum aparelho eletrônico ligava: TVs, tablets, iPhone, nada – nem um led de esperança. Nem Pepa pra ajudar. Só o barulho do vento, enfatizando a ausência da mãe (aquela de verdade). Dá-se então a primeira crise de choro – deles pela boca, minha por dentro. Mil artimanhas de distração, todos os argumentos do mundo, nada. Estava quase pegando o caminho de volta quando a TV ligou. Ufa! Pepa eu te amo. Agora é mamázinho e longas horas de sono. Foi o que eu pensei, mas o Murilo tinha planos de esticar até as 2h00, e assim o fizemos. Quem mesmo precisava dormir?

7h08, é um sábado chuvoso, e pelo que fui informada aos pulos, era hora de acordar. 1º desafio do dia: café da manhã. Banana com canela em forma de estrela: não! Sanduíche de pão de queijo: não! Mamázinho: não. “Por Deus, mas o que você quer?” “Eu quero a minha mãe!”  Claro – eu também, penso comigo. “OK, vamos poooor faaaavor comer um pouquinho e ir pra praia??”. 2º desafio do dia: evitar que eles se afoguem (mar ou esgoto). Na praia equipados com galochas e uma curiosidade monstra, pensei comigo, mínimo de duas horas sentada na cadeira vendo-os brincar. Ai como eu me engano. Murilo consegue enfiar o mar inteiro dentro das galochas, e o Mateus administra cair de cara na areia espumada, aquela entre as ondas e o esgoto. 23min. Os dois molhados. 16ºC. Recolho acampamento – todos os 42 brinquedos e as 3 cadeiras.

De volta ao camping, mais duas aquisições. Outros 2 amiguinhos também de quatro aninhos resolvem aparecer para brincar e duelar sob supervisão desta amadora. Quatro crianças. De quatro anos. Por quatro horas. E eu de quatro implorando por ajuda. Uma mãe aparece, e convida os gêmeos para passear – “SIM! CLARO! Leve-os. Não precisa devolver até o jantar!” Mas não. Não. O Mateus já tinha definido que a mana ia participar de tudo naquele final de semana, e eu não tinha como fugir. A brincadeira e os socos continuam. Quando era soco do amiguinho, queria cortar-lhe a cabeça. Quando era soco de um dos meus, queria enfiar a minha num buraco. Tudo isso entre um sorriso amarelo e outro, ora meu, ora da outra mãe.

Banho em dois. Seca um. O outro sai molhado do chuveiro. Corre e seca o outro. “Vamos fazer pizza pro jantar!” – sugiro. Mostro como espalhar o atum na massa. Viro as costas pra busca o queijo. Tiro as mangas dos dois de dentro do óleo do atum, dobro as mangas do pijama, ah azar! Não tem outro. Coloco e tiro a pizza do forno. “Mana, não quero pizza.” “O que você quer?” “Eu quero a minha mãe.” Ai, por que mesmo eu pergunto? Ok, cama! “E hoje não tem TV até as 2h00, Murilo!” Fecho um olho. Um só. O outro fica aberto.

O que tava fechado abre as 7h08 quando começa tudo de novo. Os amiguinhos vieram brincar, olha que legal. O Murilo está com tosse, “porque ficamos molhados da praia, mana”, o Mateus dá a minha sentença como se pudesse ler a minha mente. Banho de novo. 4 camadas de roupa em cada um. “Mateus, Murilo, parem de rolar na grama molhada! Se tiver que falar isso pela 13ª vez, a bunda de vocês vai esquentar!” – pro cacete a Xuxa e a lei da palmada, me enfureço. Hora do almoço. “Massinha verdinha?” –“Não!” “Carninha picadinha na boquinha?” “Não!” “Mas o que você qu…sim, a sua mãe, ok, toma essa Trakinas”. “Mana embala a gente no balanço da pracinha?” Claro que sim. “Mana, porque você ainda não tirou o pijama?” Ai, merda, esqueci de trocar de roupa.

Hora de embora. Tá quase. Eu vou conseguir entregar eles inteiros. Vou sim, torço por mim.  Na volta vou lembrando todas as coisas geniais que fizemos juntos. A praia, as brincadeiras, todas as bananas em formato de estrela que não foram comidas, a pizza, as risadas, enquanto a dupla concorda animada. “Vocês se divertiraaaaam?” – pergunto a eles. “Siiiim”, eles respondem em coro. “Querem fazer de novo?” – eu me empolgo. “Não. Eu prefiro a minha mãe”. Claro, de novo, por que mesmo eu pergunto?

E aí chega domingo e eu percebo que fiquei louca. Que gritei mais do que gostaria, que na hora não entendi que era só o sono, saudade, fome, e tudo que justifica aquela prole perfeita de atormentar. Reviso as conversas, acho que a banana devia ter sido em forma de lua e não estrela e penso como farei melhor no próximo final de semana que ficar com eles. Analiso que estou mesmo é contando os minutos pra virar mais uma louca destas desvairadas que se esquece de escovar os cabelos e que acha aquele ranhento a coisa mais linda deste mundo.

Aí deitada no divã ouço todas aquelas teorias do espertalhão do Freud que sempre dá um jeito de sugerir a você levar sua mãe para o tribunal. Muito provavelmente porque o melhor e também o pior de você é culpa da sua mãe. Sim, ou porque te amou demais, ou porque te amou de menos. Ora porque te deu muita atenção, ora porque algo passou despercebido por ela. Admita, por melhor que sua mãe seja ela tá sempre na berlinda. Por pior que você seja, você sempre será a prole perfeita dela. É ditadura das mais antigas. E também a mais sincera.

O que concluo por tudo que vivi e aprendi até agora, é que sempre que penso no céu, ou no paraíso, penso que o lugar é dividido em dois grupos de pessoas: as mães e o resto dos dignos. O que me pergunto hoje, entretanto, é qual o critério de avaliação do resto dos dignos, ora bolas!

Uma singela homenagem às mães-loucas espalhadas pelo mundo e em especial, é claro, a melhor delas: a minha!


Fim da sessão.

 

Antônia no Divã

Compartilhe
Publicado por
Antônia no Divã

Posts Recentes

Quebre a cara

Se tudo é potencial, por que diabos a gente tem tanta vergonha e medo de…

% dias atrás

Casa é onde o coração sorri. E chora.

Vocês já me conhecem o suficiente pra saber que meu estilo de vida é meio…

% dias atrás

A vida não tá nem aí pro seu planejamento

Oi. Tudo bem? Quanto tempo né? A última vez que apareci por aqui era um…

% dias atrás

Todo mundo virou um avatar

A minha amiga Amanda é conhecida e reconhecida por uma pinta que ela tem em…

% dias atrás

Todo mundo precisa de um terapeuta

Eu tenho uma raiva de todas vezes em que comentei com alguém que fiz terapia…

% dias atrás

Muito disponível

Eu acho que realmente aprendi o real significado de estar muito disponível com os meus…

% dias atrás