Efemérides

Frango frito

em
18 de agosto de 2015

Tem lições que seus pais vão ensinar da forma menos óbvia, e que você só vai entender a importância na maturidade. Meu pai já foi caminhoneiro. E hoje, apesar de ser empresário, e sentar na cadeira de diretor dele, vejo que sempre teve e sempre terá a simplicidade de um caminhoneiro – ainda que ele tente disfarçar. Subia a serra gaúcha para uma reunião de negócios, quando no caminho ele sugeriu que parássemos na beira da estrada para tomar café da manhã – “aqui tem um ótimo!” indicou animado.

Desci os escarpins naquele posto de gasolina e me sentei ao balcão, junto a tantos outros amantes de estrada como meu pai. A garçonete me serviu um café preto já adoçado, um pão novinho e me alcançou uma bandeja de frangos fritos para que eu escolhesse o meu pedaço – todos no balcão comiam aquela iguaria. Naquele momento recordei de todos os postos de gasolina que havia frequentado com meu pai. “Os caminhões na estrada são os melhores termômetros da economia nacional, minha filha, indo e vindo levando bens de consumo, movimentando o país. Repare agora, o Brasil tá parado! Não tem caminhão nas estradas. Além disso, caminhoneiro é que sabe onde tem comida boa!” – disse sorrindo enquanto degustava o café da manhã dos campeões. Foi quando voltei à atenção ao meu frango frito com pão.

Fato é que nunca me faltou nada na vida. Eu sempre tive lápis Faber-Castell, mas era a caixa de 12 unidades, no máximo 24. Sempre passei as férias em Santa Catarina, mas de barraca ou trailer e em camping, na beira da praia, claro, com a vista que nenhum hotel tinha. Na praia, a gente sempre frequentava a casa dos pescadores locais, que tinham as melhores histórias e as tainhas mais deliciosas que eu já experimentei. Tive aulas de inglês e dança durante toda a adolescência, e dei aula como voluntária numa escola municipal por incentivo da minha mãe, que como professora sempre apoiou a educação para todos, e a multiplicação do conhecimento. Quando cresci, fui estudar business na Europa, e como já falei por aqui, aprendi mesmo servindo (e ouvindo) pessoas em um café.

Ao longo do tempo percebi que mesmo sem querer eu nunca quis hotel cinco estrelas, eu sempre desejei mais dias na praia. Eu nunca almejei luxo, mas sempre prezei a riqueza de não deixar ninguém pra trás – “Vamos junto! Tu me paga na semana que vem!”. Eu acabei virando fã de uma sarjeta, já que aprendi que lá mora um tipo genial de alegria simplista, mas não simplória. E me vi fazendo prancha de surfe de garrafa PET para os pequenos surfistas lá de casa, porque também me ensinaram desde cedo que nada na vida substitui a criatividade e a imaginação. Com o passar dos anos eu entendi que a moeda de troca mais valorizada era a experiência compartilhada – o resto, não passava de vil metal.

Minha mãe, de origem menos afortunada, e meu pai que optou pela simplicidade como estilo de vida, me deram um nome pomposo “do latim, de valor inestimável”, sim, daquilo que não se mede o valor. O valor que pregavam, entretanto, não se referia ao meu berço – jamais – mas a valor das coisas simples que realmente importam. O que hoje entendo que me foi ensinado com pequenas sutilezas, é que a beleza da vida não está no pote de ouro no final do arco-íris, mas sim no majestoso colorido do seu arco cruzando o céu.

– “É bem bom, né?!”, pergunta meu pai sobre o pão com frango frito, me tirando dos meus devaneios.

– “É ótimo, pai. Simples e ótimo! Muito obrigada”.


Fim da sessão.

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11 Comments
  1. Responder

    Rubia

    24 de maio de 2018

    Sabe quando a gente precisa ouvir alguém falando o que a gente pensa? Pra saber que tá no “caminho certo”?
    E olha que esse texto é de 2015, e é tão atual. Está sendo tão precioso pro meu momento.Obrigada pelo seu divã, Antônia <3

  2. Responder

    viviane

    21 de agosto de 2015

    tb tenho acompanhado tuas histórias, adorei essa…na simplicidade a gente encontra a felicidade…até rimou…bjos guria

    • Responder

      Antônia no Divã

      24 de agosto de 2015

      Oi Viviane! Espero que voltes sempre. Beijocas

  3. Responder

    sonia pimenta

    20 de agosto de 2015

    gosto de suas histórias, onde sinto que você sabe como ver o lado bom e ao mesmo tempo ironizando e colorindo o cotidiano.

    • Responder

      Antônia no Divã

      24 de agosto de 2015

      Oi Sônia! Que bom que gostas! Essa vida merece uma pimentinha de vez em quando, né? beijocas

  4. Responder

    Anônimo

    19 de agosto de 2015

    Adorei

    • Responder

      Antônia no Divã

      19 de agosto de 2015

      <3

  5. Responder

    Evandro

    18 de agosto de 2015

    Estou dizendo. É linda mesmo.
    Simplicidade e viver tudo na medida certa, é o melhor mesmo.
    Beijo.

    • Responder

      Antônia no Divã

      19 de agosto de 2015

      Evandro, meu querido. Assim você me deixa tímida – só que não. hahah. Tava com saudades. Beijocas

  6. Responder

    Ju

    18 de agosto de 2015

    Antônia, faz algum tempo que tenho acompanhado suas sessões e preciso dizer q essa história foi fantástica! Amo muito ler os seus textos e me vejo muito claramente em diversos deles. Beijos Ju

    • Responder

      Antônia no Divã

      19 de agosto de 2015

      Ju, querida. Obrigada! Volta sempre, tá? beijocas

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Aline Mazzocchi
No divã e pelo mundo

De batismo, sim, Aline. Mas eu precisei do codinome Antônia - do latim "de valor inestimável" - para dividir minhas sessões públicas de escrita-terapia. O que divido aqui é o melhor e o pior de mim, tudo que aprendi no divã e botando o pé na estrada. Não para que dizer como você deve ver a vida. Mas para que essa eterna busca pelo auto-conhecimento, não seja uma jornada solitária, ainda que pessoal e intransferível. Então fique a vontade pra dividir o divã e algumas boas histórias comigo. contato@antonianodiva.com.br

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