Efemérides

O porquê das histórias…

em
17 de abril de 2020

Sempre que eu penso como comecei a contar histórias, eu lembro da minha mãe. Talvez porque desde sempre ela me mostrou que, contando histórias, a gente era capaz de viajar, aprender e compartilhar com o mundo aquilo que era nos era importante. Se eu fechar os olhos hoje, volto 30 anos atrás, no chão no meu quarto, recortando de uma cartolina amarela uma galinha e seus dois pintinhos. A minha mãe então me ajudou a escrever a história daquela família, registrando o que hoje eu lembro como o meu primeiro best-seller. Uma classe inteira de crianças adorou a criatividade do meu conto, e pronto, eu estava fisgada! E assim também, estava fadada a querer contar histórias para o resto da minha vida. 

Eu escrevi cartas a vida toda. Escrevia-as primeiramente para uma amiga que havia se mudado para o Canadá, levando com ela parte do meu coração e uma enorme saudade. Eu tinha 7 anos, e nas cartas contava sobre a simplicidade do meu dia-a-dia na segunda série e a complexidade dos meus sentimentos. Eu nunca antes tinha sofrido uma separação significativa, então através da minha escrita torta, eu tentava explicar a amiga o vazio do meu peito infantil, entendendo pela primeira vez que minhas palavras tinham o poder de ir para longe abraçar alguém. Anos depois passei a escrever cartas para amigos mais próximos, porque afinal, na época ferramentas como e-mail, chats online e Whatsapp não existiam. Ainda assim, eu precisava registrar as minhas palavras, e por isso enfiava a escrita como forma de representação do que eu pensava a qualquer oportunidade. 

Com 25 anos, eu tive uma epifania. Comemorava meu aniversário em Amsterdã regado a pouco juízo, álcool e um bolo de ingredientes suspeitos, quando eu me dei conta do risco de perder aquele momento na minha memória afetada por alucinógenos. Foi neste dia, que há 10 anos, me comprometi a registrar as minhas vivências de uma forma ou outra. E tudo começou pelo medo que eu tinha (e tenho!) de que em algum momento na minha velhice, eu viesse a esquecer as memórias afetivas que acumulava – e eu acumulo muitas! Eu queria poder me lembrar da sapequice do meu coração viajante, queria ter certeza que me recordaria de pessoas que conheci, das experiências que tive. E acima de tudo, queria congelar o tempo, nem que fosse uma pequena amostra dele, de algo ou alguém que me fez sentir viva. Feliz, triste, surpresa, apaixonada.

Com frio na barriga, ou o coração na boca. Ou seja, intensamente viva. 

Quando os meus irmãos gêmeos nasceram, eu passei a registrar as histórias deles. As descobertas e pontos de vista tão peculiares que ganhei com esses dois sopros de alegria e genialidade deles. Quando o Leonardo faleceu, eu me dei conta de que tudo que havia ficado dele eram as nossas histórias. Nossa aliança de anos de parceira. E mais uma vez, a escrita foi fundamental para eu registrar sentimentos tão importantes e curar, nem que fosse um pouquinho, a saudade visceral que ele deixou. Me agarrar essas histórias foi a forma que que encontrei de sentir ele perto, mesmo que distante. Presente, mesmo na ausência. 

São as histórias que me motivaram a tomar as iniciativas que mais me deram orgulho, e foi através das histórias que eu consegui engajar muita gente nos meus inúmeros planos de mudar o mundo. Para cada estranho na rua, eu imagino histórias. É através delas que eu me conecto com quem quer que seja. Em cada mesa de bar onde conto e coleciono narrativas. Vendendo, ensinando, persuadindo, procrastinando – lá estão elas, as histórias, pensadas para cada audiência e cada propósito. Do meu Querido Diário, a tese de dissertação, ao Antônia no Divã, o poder inquestionável de uma boa história se renova pra mim a cada parágrafo. Porque no final de tudo, quando o resto de mim virar pó, lá estarão elas, de novo, me fazendo justiça. “Lembra daquela vez que a maluca da Antônia fez isso?” “E aquele texto dela que viajou o mundo, como era mesmo o nome dele?”.

É assim que eu quero ser lembrada. Esse é o meu legado. Hoje falando com um amigo/mentor/parceiro de crime sobre o Clube de Escrita que quero criar, eu chorei explicando a importância do tema pra mim. E me dei conta que chorava porque o meu objetivo de vida é provar o valor que cada história tem. A minha, a sua. Seja registrando um momento marcante, seja aprendendo com uma dor indiscritível, ou escrevendo uma carta difícil para alguém que ama. Isso porque eu acredito que tudo nessa vida é passageiro. As histórias não, as histórias são eternas. 

Fim da sessão

Palavras-Chave
SESSÕES RELACIONADAS
4 Comments
  1. Responder

    Cínthia

    19 de abril de 2020

    Seus textos são leves e sinto a carga de emoção em cada linha.
    Obrigada por dividir tua jornada conosco, é sempre bom ler tuas histórias. A gente ri, se emociona e às vezes dá uma franzida na testa. Intensa como manda o figurino.
    Tem todo meu apoio para o Clube da escrita e certamente quero participar!
    Deus te abençoe!

  2. Responder

    Lucy

    18 de abril de 2020

    Continuando.
    Não me recordo como cheguei até o seu blog.
    O primeiro texto que li foi sobre a morte do seu irmão.
    Me tocou de tal forma que parecia que era também minha a sua dor.
    E hoje dou risadas, choro, me emociono, reflito e viajo com suas estórias.
    Um dos últimos textos, sobre a quarentena, adorei!!!
    Siga sempre com suas estórias!
    Tenha certeza que elas emocionam a muitos!

  3. Responder

    Lucy

    18 de abril de 2020

    Sou fã das suas estórias!
    Não me recordo como cheguei até se
    O primeiro texto seu que li foi

  4. Responder

    Dulce

    18 de abril de 2020

    Sempre gostei de contar estórias, escritas e faladas…só uma contadora de estórias e, através delas, Rio, choro, canto e acredito que faço alguém mais feliz! E isso, desde pequena quando conheci o mundo encantado das palavras que se juntavam para formar um livro! E, aí, não teve mais ninguém que me segurasse…
    Parabéns pelo texto, sempre tão gostoso de ler!

DEIXE UM COMENTÁRIO

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Aline Mazzocchi
No divã e pelo mundo

De batismo, sim, Aline. Mas eu precisei do codinome Antônia - do latim "de valor inestimável" - para dividir minhas sessões públicas de escrita-terapia. O que divido aqui é o melhor e o pior de mim, tudo que aprendi no divã e botando o pé na estrada. Não para que dizer como você deve ver a vida. Mas para que essa eterna busca pelo auto-conhecimento, não seja uma jornada solitária, ainda que pessoal e intransferível. Então fique a vontade pra dividir o divã e algumas boas histórias comigo. contato@antonianodiva.com.br

PESQUISE AQUI