Foi no consultório do nefrologista, que eu percebi que meu status tinha mudado. A secretária preenchia meu cadastro, quando fez a pergunta: “status social?”. Eu nunca fui casada, embora tivesse me sentido casada nos últimos 2 anos, mas lá estava eu, nem casada, nem me sentindo solteira. Eu queria dizer “cansada”, mas possivelmente não haveria essa caixinha para a pobre secretária marcar em seu formulário, e eu achei que ela não merecia fazer parte da minha auto-análise.
“Solteira, graças a Deus”, respondi em tom de brincadeira. Ela riu, um riso de canto de boca, possivelmente entendendo meu sentimento. Do meu lado, um senhor bem velhinho, me olha curioso. “Vai ficar pra titia?”, ele me pergunta. Eu quero entender a intervenção. Sei que ele nasceu em outros tempos, respeito os conceitos de felicidade dele. E não vou discutir os meus enquanto me preocupo com meu rim numa sala de espera. Gostaria de dizer “seria melhor dizer viúva, meu senhor?”. “Divorciada é mais aceitável, na sua opinião?”. Mas não, não consegui dizer nada disso, afinal o discutido ali não era o “solteira”, era o “solteira- graças a Deus”. Abro meu sorriso compreensivo para o senhor, e respondo de forma conciliar “não, não vou ficar pra titia, eu quero apenas curtir a vida”. Neste momento o senhor sorri de volta, meio constrangido com minha resposta, e diz: “você tá certa, tem muita tranqueira por aí.”
O médico me chama. Olha os exames do meu rim de 70 anos (e muitas pedras no caminho), enquanto eu penso sobre meu coração, que aos 34 de idade, tem 20 anos respondendo meu status social. “E os namoradinhos?”, eu já ouvia aos 14. Status social é aquele conceito, uma categoria abstrata, que indica a posição de um individuo na estratificação social de uma determinada sociedade. É o que te determina perante às expectativas dos outros. E quando me vi respondendo positivamente a estas perguntas, começando a me relacionar com garotos lá na minha adolescência, lembro que minha mãe e meu pai tentaram me explicar que eu era muito nova para namorar. Mas eu, como toda jovem idiota (me desculpem, mas todo adolescente é um idiota), achava que sabia tudo e de lá pra cá, já acumulo 2 décadas de relacionamentos. E reafirmo: meus pais estavam certos.
20 anos de acordos e desacordos, de brigas, ciúmes, de amores arrebatadores. De vasculhar o celular alheio, de esconder bilhetes, imaginar o inimaginável. De me sentir nas nuvens com a existência de outro ser vivo, e de querer que essa pessoa desapareça quando o amor também se vai. Duas décadas inteiras de deixar alguém entrar na minha vida, opinar sobre minhas atitudes, e dividir em alto e bom tom as minhas próprias convicções. Anos de melhorar e também de piorar estando ao lado de alguém. De dividir domingos felizes, sábados embebidos em álcool e alguma DRs. As quarta-feiras de futebol. De beijos intermináveis, abraços quentinhos, pés na bunda doloridos, traições amargas. De buscar conexões e forçar desconexões.
Eu não faço nada há tanto tempo interrupto, como aprender a me relacionar com o sexo oposto. Nem estudar. Nem escrever. Nem trabalhar. Aprender sobre relacionamento é a tarefa mais longa da minha vida. Então, entenda, não é difícil estar cansada. Fácil seria desistir de tudo, mas nem é isso ao que me proponho aqui.
Hoje meu status social é cansada, porque é a soma de tudo que deu certo e deu errado, e porque antes de novos começos é preciso mesmo descansar. Eu já falei tanto de amor, e foi ótimo. Já dissequei as minhas separações e também foi útil. Hoje eu contemplo esse sentimento de exaustão porque é um status tão genuíno quanto qualquer outro. Eu tenho 20 anos de amores muito bons, mas também de desculpas mal-elaboradas. De mentiras pouco criativas. De sonhos divididos, e planos inacabados. Então eu me acolho aqui ao decidir que por hora, e momentaneamente, basta de tudo isso. Pelo menos até a próxima página desta minha jornada, onde de novo vou deixar alguém entrar, e terei que mais uma vez decidir o lado da cama que cada um dorme. Até lá eu reuno forças, e faço o que devia ter feito quando meus pais me orientaram, aprendo a amar a mim mesma, me ouvir mais, e me ocupar em ser uma pessoa completa, antes de sair em buscar da felicidade compartilhada.
“Solteira, Graças a Deus?”, me pergunta o médico nefrologista me tirando dos meus devaneios. “A secretária anotou aqui, ‘solteira-graças a Deus’. Tem algo a ver com a sua religião?”, ele pergunta intrigado. “Sim, doutor, – respondo rindo – estou de quarentena até que o amor ressuscite outra vez”. Ambos demos risada, e deixamos meu coração de 20 anos de lado, e voltamos a falar do meu rim de 70, esse sim, sem o qual eu não posso viver.
Fim da sessão.
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