Pegação ou não pegação, eis a questão.
Durante a Copa do Mundo tive o deleite, e por horas, o desprazer de aproveitar o maior evento esportivo do ano no sul do país. Copa do Mundo em terra de macho. Ora mas que diferença do restante do país isso tem?! A repercussão da diversão das “gurias”.
“Grupo de gaúchos assediam suíças durante a ‘Copa da Pegação’”.
Vocês não viram essa matéria? Não? Nem a foto de gaúchos machos “pegando geral” na capa de alguns dos principais sites de “notícias”? Não viram? E sabe por quê? É porque estas matérias nunca foram escritas. Não é pauta importante dado o fato de que a azaração masculina é socialmente tolerável e esperada.
Agora pinte um cenário diferente. Coloque mulheres nas ruas, fazendo, sim, algum esforço para conhecer e interagir com nossos visitantes. Pronto! O assunto vira capa de jornal. Comentários como “papa-gringo”, “Maria-Passaporte”, ou “não se dão valor” começam a pipocar nas timelines mais afetadas do Facebook. Fala sério!
Confesso e desabafo. É muito tupiniquismo da nossa parte criticar a mulherada que está na rua investindo em conhecer gente nova, num grande evento que trás o mundo pro nosso quintal, quanto é completamente aceitável que eles façam o mesmo. Não, lamento, mesmo não, não me lembro de ter visto nenhuma menina passar a mão na bunda ou agarrar as bolas de alguém. E eu tenho que ler “jornalistas respeitáveis” ou conhecidos “esclarecidos” derramar suas limitadas percepções de como devemos ou não devemos nos comportar? Não. Nem se vocês pagassem os meus boletos. Quanto menos não pagando.
Mas o tema ganhou minha atenção principalmente pela falta de percepção de mundo que as críticas carregavam. Viajei uma parcela razoável da minha juventude pra dizer que em qualquer lugar do mundo, uma viagem é motivo de diversão, azaração e sim, interagir, beijar, curtir, afofar pessoas de outras nacionalidades. Isso não é mérito (ou demérito) das gaúchas. Não, prezados, e se os críticos forem além das fronteiras de Quintão poderão ver que isso acontece em qualquer alta temporada de qualquer destino de férias do Ocidente ao Oriente.
Mas esqueçamos do resto do mundo, vamos focar em Pequenópolis, o assunto é o assédio feminino das gaúchas. Oh meu Deus, segurem essas malucas. Sério? Vou dizer o que vi. Vi muitas meninas puxando assunto com os chamados gringos. Sim, tomando iniciativa, e daí?! Praticavam o inglês, alemão e juro que vi o francês quase rolando. Explicavam a situação política do país entre uma cerveja e outra. Cerveja que elas mesmas bancavam para si. Apresentavam outras amigas e amigos, mostrando quem podia falar inglês para potencializar a diversão. Ensinavam o nosso samba. Sugeriam bares e restaurantes imperdíveis da capital. Horas e horas de conversa antes de um possível, mas nem por isso obrigatório, romance temporário. Claro, também vi as afobadas, afoitas e entusiastas. Mas elas não eram maioria.
Meu lado investigativo me deixou inquieta. Não satisfeita apenas com o meu ponto de vista e com medo de minhas amigas não aguentarem mais a minha revolta com o tema, achei que era hora de pesquisar o assunto com o objeto “abusado”. Dediquei algumas horas, entrevistando voluntários em uma providencial mesa de bar de um hostel. Perguntei da forma mais neutra que encontrei sobre suas percepções e sentimentos quanto ao assédio feminino. Pouca ou quase nenhuma reclamação. Dois dos entrevistados que apareceram pedindo para dividir a mesa conosco eram tudo o que eu queria para testar minha teoria, espécimes de incontestável beleza e dignos de arrancar suspiros de uma torcida inteira, e nem os seus chamativos 1,90m de loirisse australiana e alemã reclamaram. Amigáveis, solícitas, simpáticas, confiantes, sim. Abusadas, não. Quando disse que o assunto tinha atingido a mídia, todos se espantavam “a Copa do Mundo é aqui, e o assunto são as pessoas se beijando?”. Ah pois é, tem beijo na boca que deve incomodar muita gente. Suspeito que principalmente aqueles que não conseguem um, mas que mereciam beijinho bem dado, no ombro, pro recalque passar longe, já diria a grande filosofa.
O que levo desta experiência vai muito da disputa entre certo e errado, mas sim um estudo sobre a importância do timing. Se nós somos afobadas, entendam que isso vem de origens mais profundas do que a pressa de aproveitar tudo que a Copa do Mundo tem a oferecer. Vem também da pressa com a qual nós nos relacionamos neste pedaço de chão, e como acontece a grande maioria dos assédios que sofremos. “Oi! Prazer! Vamos ficar?”. Calma. Eu falei maioria, não totalidade. E é o timing, meu caros, que está sendo o principal motivo do interesse das gaúchas (não posso falar da totalidade do Brasil) naqueles que vem de fora. Eles têm timing ponderado. Ninguém tá com pressa de sair beijando, ninguém pega na sua mão ou puxa seu cabelo, te chama de gostosa ou grita “êhhh lá em casa!”. Somado ao timing do abordagem, as interações que presenciei tiveram também um timing de pós-venda bem inteligente. Não se esperou quatro dias (ou uma vida) pra fazer contato de novo. Mesmo com a grande possibilidade de este contato ser pra sempre à distância.
Então, Copa do Mundo: Pegação ou não Pegação, eis a questão. Na visão desta árbitra, Porto Alegre apresentou uma seleção digna de ir pra final. Com mulheres de inglês afiado, educadas e surpreendendo os visitantes quanto à desenvoltura e colocação no mercado de trabalho. E se mesmo apresentando uma tática inteligente de jogada, com equilíbrio entre ataque e defesa, vai ter gente na torcida vaiando dentro do nosso estádio, ou esculhambando o time todo porque um atacante afobadinho cometeu uma entrada dura no time visitante, não desanime.
Lembre-se que só faz história quem tá em campo pra jogar. E a gente já ficou tempo demais achando que futebol era diversão só pra homem.
Fim da sessão.