Eu pensei que ia demorar mais para eu levar um baile dos meus irmãos. lembro deles ainda tão pequeninhos. Eu nunca imaginei que com 7 anos de idade, a gente trocaria de lugar entre mestre e aprendiz, mas isso aconteceu. Eu devia estar ocupada no meu celular ou pagando boletos enquanto eles criaram senso crítico e uma forte opinião.
Deve ser justiça divina. Eu quando criança sempre fui uma menina muito opinativa, e agora entendi como isso pode ser difícil. Crianças tem um senso de justiça extremamente acurado e questionam frequentemente o status quo. É difícil para nós adultos explicarmos que esse mundo é meio injusto mesmo, e que às vezes nem a gente entende direito porque as coisas são como são.
Na semana passada os meninos trocaram de faixa no jiu-jitsu. O esporte não foi ideia deles, foi minha. Como meu irmão Leonardo lutou a vida toda contra a obesidade, e eu sigo lutando contra a preguiça, entendi que era minha função como irmã mais velha, garantir o incentivo a uma atividade que promovia movimento e disciplina. Nem sempre foi fácil. Mas a gente vendia a ideia de que se eles trabalhassem duro, eles seriam graduados a faixa cinza, aquela que vem depois da branca iniciante. E que isso seria muito gratificante.
O dia da troca de faixa chegou. Mas por uma escolha da escola, os meninos foram graduados juntamente com os alunos que haviam entrado faziam 6 meses. O Mateus e o Murilo aguardaram 2 anos de treinos até a esperada troca de faixa. O Mateus não poupou pulmão para apontar a injustiça. “Tu acha justo, mana? Acha? Eu ralar 2 anos e receber a faixa junto com o fulano que começou o jiu-jítsu esse ano? Tu acha justo, mana?”, ele me encarava do tatame frustrado e ofendido. E eu me vi obrigada a concordar: “Não, Mateus, eu não acho justo, mas nem sempre a vida é justa, e a gente tem que seguir lutando (melhor metáfora)”. “Viu fulano, a minha irmã também não acha justo que tu ganhou a faixa!”, ele seguia gritando enquanto eu o agarrava no colo e tentava fugir da sala antes que a mãe do fulano o pudesse ouvir (e me encarar com olhos de onça que só as mães têm).
Perceba que fica cada vez mais difícil vender idealismo para estes dois. Porque mesmo com menos de uma década de vida, os manos já entenderam que nossa idealização do comportamento deles é pura propaganda.
Dias depois do incidente da troca de faixa, o Murilo me contava durante o almoço que no ensaio da quadrilha da escola o Joaquim, um menino com síndrome de down, ficava furando a fila e que a professora deixava. Na escola dos guris, eles estão trabalhando as diferença, além disso, o Mateus e o Murilo têm uma grande amiga que também tem down, então me fiz valer das exceções que a gente às vezes abre. “Sabe Murilo, talvez a professora entenda que o Joaquim precise de mais tempo para entender as regras, não acha?”
O Murilo me encarou por aquilo que lembro ter sido uma eternidade e disparou: “Bom, você não acha que era ela justamente que tinha que incentivar essa atitude do Joaquim, e explicar que ele não pode furar a fila como todo mundo? Ele não é igual a todo mundo, mana?”. Pronto! Era o segundo cruzado no queixo que eu tomava na semana, e eles nem tem altura pra alcançar meu queixo.
E assim eu sigo tentando e falhando. O Murilo me explica que “já saiu da fase da mentira” quando questiono a índole dele. O Mateus me avisa que ele dar risada quando apronta é porque ele fica nervoso, e “não porque está desafiando minha autoridade”. Aliás, autoridade essa que sabe Deus até quando eu vou sustentar. Porque autoridade é baseada em poder ou respeito. E eu ando levando uma sova nos dois critérios.
Desta forma eu decidi desistir de ter razão, e compensar na compreensão e no carinho. Vou ter menos receio de dizer que eu não sei as coisas, e que eu não tenho todas as respostas, até porque já ficou claro que eu não as tenho. Talvez tenha chegado a hora de explicar que seja eles com 7 ou eu com 33, a gente ainda tá aprendendo. E vai seguir assim talvez pra sempre.
Então quando o Murilo me disse que gostava de alguém da escola e que tava doendo eu disse que o tempo transformava as coisas, e que ele ainda ia mudar muito de ideia. E quando o Mateus me falou que não se sentia pronto para a vida adulta, referindo-se ao aniversário de 8 anos no mês que vem, eu o abracei e fui sincera: ninguém está pronto, Mateus. Ninguém está.
Fim da sessão.
ps: Cuidado. O tempo voa.
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