Em novembro do ano passado houve o maior rebuliço porque a diva Letícia Sabatella, depois de uma noitada com os amigos, rolou no chão de tanto rir em alguma sarjeta de Brasília. A mídia massivamente criticou o comportamento “indigno” da atriz. Ela, por sua vez, tirou de letra o “mimimi” rebatendo categoricamente com a frase “Que auê por causa de uma noitada de cantoria e pisco sauer com os amigos! Deitar no chão de tanto rir, beber do céu as estrelas. Me recuso a sentir vergonha”. A crítica, entretanto tinha um viés de preconceito quanto ao cenário do pileque. Talvez se o porre de Letícia tivesse sido em um requintado camarote de uma luxuosa casa noturna, o fato não teria chamado tanta atenção. O problema é que Letícia estava na sarjeta, e a sarjeta – injustamente – estava em baixa.
Por influencia do post musical pré-feriado ou por puro destino, eu também tive um momento “deitaço Sabatella” na sarjeta neste feriado. Assim como Letícia, me peguei chorando de rir com as amigas em um ambiente menos requintado, o que resultou em uma noite na tão democrática e recepctiva sarjeta. Óbvio que o plano não era este. Ninguém sai de casa dizendo “vamos passar rímel e ir curtir a noite bebendo com estranhos sentados na calçada”. Não. A ideia, como sempre, era sair no local mais pop do bairro mais badalado do destino mais cobiçado daquele feriado. A Larissa, nossa anfitriã, orientou “nós vamos num lugar mais top, mais arrumadinho, então invistam no look” – ela falou enquanto eu investia era num shortinhos e numa rasteirinha.
Depois de algumas horas na balada pica das galáxias com doses de vodka a R$ 17,00, recolhemos a nossa alegria da pista e nos encaminhamos pra saída sob a orientação de seguranças carrancudos. Ao contrário de nossa energia, a festa tinha acabado. A Larissa então, por conta da nossa evidente frustração – sugere uma última cerveja no posto da esquina. No posto, pegamos nossas cervejas geladas de R$ 3,75, e sentamos na rua mesmo.
O que aconteceu em seguida é algo que só consigo descrever como mágico. Pouco a pouco, pessoas juntam-se a nós com o único objetivo de dividir aquele modus operandi – cerveja gelada + sarjeta. Minutos depois apareceu um violão, logo mais um pandeiro, daqui a pouco dois pandeiros, e muito em breve uma madrinha de bateria – a Luciana, e no caso a mais sofisticada das minhas amigas. Ali, com toda a sua loirice de duquesa sambando como quem segura um standart imaginário em meio a uma comunidade carnavalesca.
Peguei-me instintivamente analisando a cena. Sentados na mesma sarjeta estavam patricinhas gaúchas, playboys paulistas, garçons de folga, artistas de rua, músicos de ocasião. Éramos todos um grande e heterogêneo grupo, mas ali sem qualquer distinção de berço, sobrenome, cor, idade, educação ou status social. Na sarjeta, não tinha pulseirinha VIP. Ali na sarjeta, o banheiro era o bequinho com vista pra praia, vigiado por um amigo para alguma segurança e privacidade.
Ali na sarjeta, o malandro ensinava um novo cumprimento para o mauricinho, e contava o sonho de fazer engenharia. Ali na sarjeta, um viajante da Australia sentia saudade das sete crianças que adotou na terra dos cangurus. Na sarjeta, o sambista que me ensinava passos novos tinha diamantes maiores que os meus nas orelhas. Nas duas orelhas. Ali, minha amiga Caren tocava pandeiro, ela que teve aulas de violino quando pequena com um instrumento vindo da Rússia – enquanto um moreno alto com a cara do Seu Jorge puxava mais uma no violão. Ali na sarjeta, como diria Martinho da Vila, se “tem alguém cantando todo mundo canta, todo mundo dança, todo mundo samba, e ninguém se cansa”. É democracia e sintonia na mais pura essência.
Não pude evitar em repassar na minha cabeça todas as listas que já havia pedido para incluir meu nome. Em quantos esquemas de camarote eu já havia entrado. Quantos backstage, onstage, frontstage, motherfucker stage, eu tivera que usar todo o meu latim pra provar ser digna. Festas de gente que não enxerga ninguém além do próprio reflexo na tela do celular. Eventos que ninguém conversa, mas todo mundo se “curte/like”. Ali na sarjeta eu não era filha de empresário. Eu era filha do samba. Ali na sarjeta eu não tinha MBA de “business in London”. Eu era ph.D em standup comedy e “blogueira” por paixão. Ali na sarjeta ninguém me olhava de cima ou se importava com meu sobrenome. Todo mundo me olhava no olho e sabia o meu nome.
Peguei o caminho de casa quando o sol raiou com o cotovelo esfolado da minha tentativa de andar de skate e uma tatuagem de canetinha feita por um artista de rua no meu braço. No bolso R$20,00 amassados, uma rosa feita de guardanapo e a indicação de um contador que vai fazer fazer meu imposto de renda “na faixa”. Eu tinha dado tanta risada que havia ficado afônica. Eu me sentia rica de alegria. Antes de dormir fiz uma prece sincera para nunca me esquecer da simplicidade daquela noite. Entendi que talvez fosse quando eu paro querer estar no topo do mundo com a cabeça nos ares, que eu encontre conforto com os pés bem no chão. Ali na sarjeta mesmo, onde Letícia Sabatella, eu, todo mundo é bamba. “Onde todo mundo bebe, todo mundo samba”.
Fim da sessão
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