Efemérides

Alerta de felicidade

Existem poucas coisas no mundo que despertam mais o espirito humano como a busca pela felicidade. A gente a procura a felicidade em corpos perfeitos, em paisagens paradisíacas. Olha para a grama do vizinho buscando pistas dela. Procura a felicidade na pessoa que segura a nossa mão, nos copos de cachaça, no picolé de uva, na rua, na chuva, na fazenda, ou numa casinha de sapê.

Felicidade é um bichinho ardiloso. Sabe como se esconder em lugares imprevistos, ou se disfarçar de acaso. Talvez seja quando ela mais goste de dar as caras. Quando nos esquecemos de se preocupar com elas, e assim, distraídos, a encontramos.

A felicidade é tão reluzente que por vezes nos cega. Não é difícil ver isso em casais. Quando um decide pular fora sem o menor aviso, porque a outra parte não notou que estava sendo feliz sozinha. Felicidade faz isso. Acompanha a gente e ocupa espaço. Não é raro ficar cego de felicidade, e fazer um diagnóstico míope de uma real situação. Quem nunca deixou de prever um tropeção, porque estava feliz, saltitando?

Talvez a gente esteja tão acostumada com a busca, com a procura, com a caçada, que mal se dá conta que felicidade pode vir disfarçado de outros sentimentos. Disfarçada de plenitude, de tranquilidade, de paixão, de carinho, de ansiedade por bons projetos/planos/sonhos. Ora, dizem que felicidade é o caminho, e não o destino, então por que será que focamos tanto no mapa da estrada? Nas coordenadas exatas do GPS que inclui métricas irreais de sucesso e aspirações terceirizadas para a nossa vida? Para a NOSSA felicidade?

Esse final de semana que passou era Dia das Mães, e graças ao destino, passei ele com a minha família na lagoa, onde sinal de celular nenhum é bem vindo. Eu finalmente terminei o livro que há tempos queria ver o desfecho. Fiz uma caminhada com a minha mãe pelos eucaliptos que conheço desde pequeninha trocando com ela os meus sentimentos mais secretos. Durante a noite, quando um dos meus irmãozinhos fez xixi na cama, ele aceitou o meu colo como consolo – o que é muito difícil de competir, quando se tem o colo da mãe por perto. Eu tomei meu tempo sentindo o cheiro da cabeça suada do meu outro irmão, e achei graça que agora ele pisca com um olho só quando quer agradar ou fez alguma estripulia.

Neste curto período que dediquei a ser e estar, eu vi o sol pousar deitada na grama. E no dia seguinte dormi com o sol no rosto, no balanço que nós recém instalamos “para as crianças”.  Comi bergamota até doer a barriga. Dediquei tempo em frente ao fogão a lenha. Comi pinhão na chapa. E eu fiquei tão intoxicada de carinho e atenção, que me esqueci de abrir a garrafa de vinho que havia comprado para o final de semana. Eu dormi cedo, junto com as crianças, porque não havia Netflix para me distrair ou me extrair do berço infantil que criamos com colchões no chão, como se fazem nos acampamentos de verdade.

Despertei-me para um domingo de borboletas coloridas por toda parte. Num dia com grama mais verde que já vi, e com o abraço da minha mãe que segue sendo o melhor do mundo. No caminho de volta para casa, estava tão distraída com a beleza da estrada que me esqueci de botar gasolina no carro. Chorei de nervosa na beira da autoestrada, e no meio do meu pânico, logo chegaram dois amigos com duas garrafas pet cheias de gasolina, e dois sorrisos cheios de combustível.

Então veja. A vida vai seguir jogando bolas curvas. A gente ainda vai sofrer, e chorar. Vai perder gente que ama. Vai se machucar, errar, tentar, e errar de novo. Mas quem sabe se estivermos alertas às sutilezas da ardilosa felicidade, vamos então, perceber suas tramoias . Na bergamota recém-tirada do pé, no cheirinho de cabecinha suada dos irmãozinhos ou nas conversas significativas deles sobre peidos. Porque talvez, a felicidade seja apenas merecida por quem se entrega ao aqui e agora, em todos os seus pequenos detalhes.

Na verdade, talvez a felicidade não seja um estado de espírito, mas sim, um estado de alerta.


Fim da sessão.

Antônia no Divã

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Antônia no Divã

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