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Onde a felicidade mora

em
26 de janeiro de 2020

Recomeçar a escrever depois de meses de auto-análise, foi tão desafiador quando recomeçar a vida em outro canto do mundo. E talvez por isso esse hiato sem deitar aqui neste divã publico. Eu me entreguei aos tropeços, dores e alegrias de me reinventar e para isso eu precisei de espaço. Quando eu decidi ficar um tempo fora de casa, onde quer que “casa” seja, afinal de contas, lembro de me dar conta do quanto estava sendo sensata, ainda que insegura. Sabe, às vezes quando as nossas asas ficam fechadas por algum tempo, o peso delas em nossas as costas, faz o medo de voar simplesmente desaparecer. 

Então lá em setembro eu estava frente a oportunidade de voltar a Londres, cidade que forjou alguns dos traços mais lindos da minha liberdade. Mas a verdade é que a cidade tão pouco era aquela que me recebia há 10 anos. Ora, como julgar, afinal eu também já não era mais a mesma. A maior ironia desta transição, eu posso dizer, é que sempre que eu peço pra Deus/vida/destino, me conceder algum tipo de qualidade, seja ela paciência, compaixão, coragem, Deus/ vida/destino jogam na minha frente 1 milhão de oportunidades para exercitar os aprendizados daquilo que pedi. Talvez o nome disse seja karma. 

Assim, eu saí do país pensando em dar um tempo no cenário político brasileiro que tanto me assombrava, para dar de cara com o BREXIT da Inglaterra, esse, que efetivamente podia interferir nos meus planos de curto a longo prazo. Eu literalmente adentrei novas fronteiras tendo o medo de não poder ficar, exercitando muita paciência, comprometida a entender um sistema político-burocrático conservador que eu não concordava, mas do qual eu dependia. Ironia não é mesmo?

Quando cheguei nesta cidade, há poucos meses, eu ainda carregava vestígios de um coração machucado por noivado desfeito e uma rejeição sem precedentes. E qual não foi a minha surpresa que eu precisei a aprender a ser rejeitada diariamente também por aqui, sem a chance de perder a perseverança. O processo de alugar quarto exigia que eu fizesse entrevista atrás de entrevista com moradores de casa, para impressioná-los em 15 min, ouvir incontáveis “nãos” até o primeiro “sim”. E depois do primeiro sim, dividir o mesmo teto com alguém que adora a cultura de dois pesos e duas medidas e muda as regras conforme lhe convém. Uma ótima (e pentelha) oportunidade que a vida me jogava, para diferentemente da última vez que dividi um teto,  me forçar a falar as minhas verdades, ou invés me acomodar no egoísmo alheio. 

No trabalho eu tinha decidido que ia fazer tudo diferente por aqui. Lembro-me de que eu queria vir pra cá também para aprender, ganhar mais, e trabalhar menos. Entretanto quando tive a oportunidade, não quis abrir mão de nada. Eu ganhei mais, sim. Já aprendi pra caralho. Mas não diminui, e cheguei a trabalhei 7 dias por semana durante meses, porque eu passei ter um relacionamento sério com as minhas responsabilidades, sonhos e paz de espírito. Porque eu entendo cada vez mais que trabalhar é a ferramenta de como a gente contrói os nossos planos. Eu quero poder pagar meus boletos, a matrícula dos meus irmãos, quero ajudar a minha mãe, colaborar com a empresa do meu pai, atender meus clientes, e ainda assim, beber vinho da Escócia. E estas coisas exigem transpiração, mais do que inspiração. Não tem atalho.

E por falar em inspiração, a minha família, que foram as primeiras pessoas a serem consultadas sobre meu novo plano, os primeiros a me apoiarem, também se mostraram um desafio. Isso porque neste pouco tempo distante, a cada notícia ruim que eles dividiam, eu tive vontade de jogar tudo pro alto e de chamar um Uber para me levar direto para perto deles. Felizmente eu me obriguei a confiar que eles saberiam como conduzir suas vidas sem minha presença física (e que a Uber não faz esse tipo de viagem). Também entendi que são estes momentos que testam o quanto a gente pode ficar junto, mesmo separado. 

Nos últimos tempos, eu estive desperta para cada novo aprendizado, naquela intensidade que me é tão natural. Entretanto agora, diferente dos 25 anos que marcaram minha primeira vinda, nesta quinta-feira eu comemoro os meu 35 anos de vida em Londres, tendo muito mais compaixão comigo e com essa oportunidade. Hoje eu tenho a tranquilidade de que as decisões não precisam ser definitivas, mas precisam ser vividas no momento presente. Sei também que o mundo é pequeno para quem tem saudade. Que tenho uma porção de gente protegendo meu caminho. E que dá pra recalcular a rota e bater asas sempre que ficar pesado. 

Eu não tenho certeza dos planos, do tempo, ou do propósito que eu estou construindo. Apenas aquele meu velho compromisso de ser a versão mais genuína de mim mesma. Em qualquer lugar do mundo. 

Meu pai dia desses me perguntou pelo telefone como eu sei que a minha felicidade está em Londres, e eu respondi que não sabia. Que nunca soubera se ela estava em Londres, na Italia, na Austrália, ou na cidadizinha que cresci no sul do Brasil. E o fato de não saber me ajudava a tomar uma decisão simples. Por não saber onde a felicidade mora, é que eu carrego ela sempre comigo. 

Beijos de Londres. Por hora. 

Fim da sessão

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10 Comments
  1. Responder

    Nathalia Rodrigues

    6 de fevereiro de 2020

    Que bom que você voltou a escrever. Você dá vida aos meus sentimentos…

  2. Responder

    Cristina

    2 de fevereiro de 2020

    Adoro seus textos!
    É Preciso ir Embora foi o que me tocou profundamente. Acho que a todos que tiveram o prazer de ler.
    Queria ter sua coragem, ir para lugares novos, novas pessoas, experiências. Eu sempre disse que quando nada mais me segurasse na minha cidade do interior de SP, seria a hora a de partir. Tirando o fato de não querer ficar longe de minha mãe e sei que ela sabe muito bem se cuidar sem a filha. Quando perdemos um pouco a identidade ou todos os planos bão por água abaixo, é tão bom recomeçar de um novo modo, lugar, pessoas, costumes e com propósitos mais ousados!
    Parabéns pelos textos e pela coragem.

  3. Responder

    Thaa Di Caldarelli

    31 de janeiro de 2020

    Que bom que você voltou!
    Seus textos são terapias para minha alma!
    Obrigada!
    ❤️😘

  4. Responder

    Albaneide Jane de Queiroz

    29 de janeiro de 2020

    Antonia, amo suas sessões, fico sempre no aguardo, suas palavras reforça minha luta pela a vida.
    beijos

  5. Responder

    Andrea

    29 de janeiro de 2020

    Saudades que estava de seus textos …Não pare, eles fazem bem tanto a você quanto a todos os seus leitores. Força e fé sempre. Beijos

  6. Responder

    Dulce

    26 de janeiro de 2020

    Obrigada Antônia por ter voltado! Ler seus textos, aprender com eles, é sempre uma Aventura fascinante! Muitas saudades de você! Me perguntava por onde você andava, por que não escrevia e me sentia frustada, sem resposta, sem textos seus!
    Você voltou!!! Mesmo ainda estando em Londres! Beijos!

  7. Responder

    Fabio

    26 de janeiro de 2020

    Que legal que voltou a escrever, melhor notícia do domingo!

    Perdi a conta nos últimos tempos do número de vezes que abri o blog e não tinha textos novos. Mas sabe, foi uma ótima oportunidade pra ler os antigos, fuçar e descobrir tantas pérolas espalhadas em cada texto.

    Tenho uma ligação com Londres também, embora quando fui pra lá no verão passado achei BEMMMM diferente de quando fui a primeira vez também. Como dizia a Lilia Cabral no filme “Divã” … “o começo sempre é bom… se não estava mais bom, é pq não era o começo, era o fim…” … acho que perdi o encantamento do início, o que me permitiu abrir os olhos para belezas mais sutis e até pra alguma identificação com a vida aqui no Brasil.

    Por vezes (especialmente depois dos 30 quando manter ou fazer novas amizades fica tão mais difícil) dá uma sensação de que o mundo inteiro está vivendo, fazendo acontecer, se divertindo e você não. Nessas horas o mantra que uso é “a vida está onde eu estou.” O que bate com a conclusão do seu texto.

    Carregar a felicidade na mochila. Estar alerta pra ela.

    Ótima estadia aí, que tudo faça sentido… e quando não fizer mais, que tenha asas pra voar, coragem pra mudar, paciência pra recomeçar e coração para o brilho nos olhos nunca se apagar.

    Obrigado pelos textos e pelo blog, abração

    Fabio
    São Paulo

    • Responder

      Antônia no Divã

      26 de janeiro de 2020

      Fábio, teu comentário foi como uma abraço no meu coração. Beijo enorme

  8. Responder

    EMILIA ESTEFANIA VILLALBA MORINIGO

    26 de janeiro de 2020

    Fiquei com um nó na garganta. Queria ter essa coragem toda para minha vida. Muita força Antônia… seu esforço dará frutos!!!

    • Responder

      Antônia no Divã

      26 de janeiro de 2020

      Obrigada, querida! De coração!

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Aline Mazzocchi
No divã e pelo mundo

De batismo, sim, Aline. Mas eu precisei do codinome Antônia - do latim "de valor inestimável" - para dividir minhas sessões públicas de escrita-terapia. O que divido aqui é o melhor e o pior de mim, tudo que aprendi no divã e botando o pé na estrada. Não para que dizer como você deve ver a vida. Mas para que essa eterna busca pelo auto-conhecimento, não seja uma jornada solitária, ainda que pessoal e intransferível. Então fique a vontade pra dividir o divã e algumas boas histórias comigo. contato@antonianodiva.com.br

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