Incompleta
Acordei mais uma manhã sentindo a tua falta. Abri os olhos querendo te ver, mas você não estava lá. Em dias como estes me pego pensando quanto tempo ainda precisa passar para sufocar essa saudade. Não basta a distancia? Ou nossas fotos nunca mais serem revisitadas? Por que você nunca mais saiu de mim?
Às vezes fico pensando se de fato você foi o meu único grande amor. Eu não me recordo de ter caído de cabeça de forma tão sublime em outra história além da nossa. Lembro-me da primeira vez que te vi com outros olhos. Um vento gelado arrepiava a minha pele e deixava o meu rosto vermelho. Você sorriu pra mim como quem diz “eu vou cuidar de ti por todo inverno”. E assim o fez, como também fez durante o verão, onde bebericamos cidra em nossos parques preferidos, sorrindo para cada raio de sol que iluminava o nosso amor. Acho que me apaixonei ainda mais por ti sob a luz do sol. E houve quem dissesse que a gente não duraria uma estação. Você me fez ver graça na brancura do frio, admirar as cores do outono, respirar a primavera e corar na estação mais quente. Você combinava com cada metamorfose.
Do teu lado eu aprendi a ser mais forte. Você me incentivou a perseverar e me levantar sozinha de todos os tropeços. Mostrou-me beleza na diversidade, me fez tolerante, gentil com as diferenças e curiosa com cada novidade. Forçou-me disciplina goela abaixo. Foi dureza. Contigo nunca teve essa coisa de “dar um jeitinho”. Tive que aprender na marra a severidade das regras, tuas regras! Eu sempre odiei acatar as regras dos outros. Em troca, você me entregou consistência, reciprocidade, aceitação. Tive todo outro entendimento de economia e finanças contigo. Entendi finalmente a diferença entre preço e valor. Assim como compreendi que tudo é temporário e transitório – tal como foi a nossa história. Então por que você nunca mais saiu de mim?
Passou o tempo, e eu te vi com outros amores. Aliás, o que não faltou foi gente para se atirar nos teus braços. Eu padeci com uma mistura de ciúmes, inveja e ódio a cada novo relacionamento teu. Algumas amigas diziam, “adivinha quem vou visitar…” com um sorriso provocador, e eu sabia que falavam de ti sem o menor pudor com meu coração machucado. Eu queria poder ficar feliz por elas ou mesmo por ti. Mas a gente não escolhe como e quando encerra um grande amor, escolhe?
Talvez nosso caso seja tão mal resolvido, porque a nossa separação aconteceu enquanto ainda te amava. Cada rua ao teu lado era uma passarela para o paraíso. Cada ponte, o cruzar de um delírio. Todo café, cada bar, cada ônibus, trem, estação, supermercado, igreja, e o sofá lá de casa, guarda um suspiro nosso. De que forma eu silencio os suspiros enclausurados nas nossas memórias?
Você me separou da minha família e eu resisti. Você testou minha resistência e eu perdurei. Você me prometeu o mundo e eu aceitei. Mas quando a coisa ficou séria… eu hesitei. Naquele momento em que tive que escolher entre você e todo resto… eu não consegui. Eu vi que nem tudo precisava ser temporário ou transitório, e por não estar pronta, eu fui embora. Fui pra bem longe de ti, com o coração sangrando sem nunca ter te esquecido. Eu confesso que tive outros amores depois de você. Nenhum igual, nenhum melhor. Às vezes, alguém me pega contemplando o horizonte, e pergunta se eu já te esqueci. E toda vez que encaro esta santa inquisição, me pergunto se irá passar um dia em que eu não vou sentir tua falta. Não vou desejar tuas cores, teu cheiro, teu sotaque e o teu jeito almofadinha e hardcore, tudo junto e ao mesmo tempo. De como tu me deixava excitada e protegida, e do jeito que você virava a minha cabeça. Será que um dia você irá deixar de reinar os meus sonhos?
Muitos te dizem esnobe, de coração frio e cinza. Pra mim, Londres, você é e sempre será o maior amor que tive. Eu sei, você poderia ser Barcelona, Florença, Berlin, Mikonos, Austrália ou Nova Zelândia. Você poderia ser muitos outros, mas eu escolhi você. Você que me deu tanto carinho, atenção e perspectiva. Que maturou minha personalidade com aromas novos e me impregnou com sinceros desejos de continuar a cruzar fronteiras enquanto eu ainda respirar. Injetou-me inquietude, viciando-me em transição, transcendência.
Talvez seja justamente por ter me dado tanto, que para você seja justo tomar posse de uma parte de mim. Sendo assim, já entendi que meu pensamento vai estar insistentemente entre cá e lá, num eterno tormento. Meus pés sofrerão a infinita angustia entre ficar e partir. E estarei para toda vida fadada a ter o coração que pulsa divido por um oceano. Juntos ou separados, meu amor, já aceitei que eu nunca mais serei completa e para sempre incompleta. E talvez seja essa a beleza desse nosso romance mal resolvido.
Se valeu a pena?
Há que diga que só existe uma coisa pior do que amar e perder, que é o vazio de nunca ter amado. Graças a você, deste mal eu não sofro mais. Já a saudade, bem, essa segue acordando comigo.
Fim da sessão.
Shirlei dos Santos
Como conheço essa saudade, no meu caso do que ainda não vivi, um amor platônico… Portugal…
Dulce
Londres que eu esnobava, que nunca quis conhecer… Londres que entrou em minha vida, me transformou, me completou. Como você também me apaixonei pra sempre e vivo dividida por quilômetros. Como vc, Antonia, fugi quando tive que escolher. E, voltei… Voltei sabendo que nunca mais vou esquecer você, seu cheiro, seus Parques, o vento, o frio, sua janelas onde eternamente Wendy espera por Peter Pan…
Hayla Menares
Nossa, tirando Londres, esse texto é exatamente um amor que tive, humano! Amei e você escreve divinamente! Me dá rir e emocionar a cada novo post! Parabéns!
Fernanda Neves
Você é DEMAIS! Que leitura gostosa!!!!!! Sou fã! ?
tulio henrique
voce escreve muito bem
Verônica
Simplesmente perfeito! Não saquei em nenhum momento que você estaria falando de um lugar e não de uma pessoa. É lindo demais esse amor que somos capazes de sentir por coisas, lugares, momentos. Que seu reencontro com Londres esteja próximo! Bjus