Sim. A gente nunca passou por isso. Ficar parado não é da nossa geração. Nos ensinaram que não existiam fronteiras, que o mundo era nosso. Eu fecho os olhos e eu me vejo caminhando pelas ruas do meu bairro, com a mesma familiaridade como andei pelas de Buenos Aires, assim, como se fossem minhas, apenas porque cantarolava Fito Paez. Ora, afinal, somos vizinhos, é como se os limites regionais, os vinhos e os churrascos nos fizessem irmãos.
Ano passado, num feriado qualquer eu peguei o carro, e chamei a minha melhor amiga e disse “vamos nos perder até chegar em Montevidéu? Ou talvez a gente erre/acerte uma curva e vá parar em Colônia de Sacramento, mas não sem antes experimentar todos os queijos daqui até lá?” De certeza apenas a curiosidade, o vento no rosto, riso solto, som alto e pôr do sol.
Como a gente minimizava as idas e vindas. Por menor que fossem. Nos preocupávamos com o câmbio do dólar, quando tudo que precisávamos era o câmbio de perspectiva. Alguém me pedindo um beijo com uma língua diferente – idioma, também. Que delícia foi ser filha do mundo. Colecionar carimbos, ou na pior das hipóteses, gastar o nosso suor de segunda a sexta, de reunião em reunião, e depois gozar de um final de semana tomando sol na Praia do Rosa, e bebendo água de coco no domingo pra lidar com o tanto sábado a noite que se viveu.
A gente foi mal acostumado.
A pior e a melhor das lições eu aprendi assim, com a liberdade. E se voce é cigano como eu, sabe o valor de acumular quilômetros, mais do que crédito imobiliário. Eu nunca quis ser diferente. Eu sempre achei lindo ter raizes, estrutura, eu sempre quis voltar pra minha casa, minha familia, mas nunca me vi assentando escolhas a ponto de não poder voar as tranças.
Por que? Porque a estranheza me fez tão confortável? Por que andar na garupa de uma moto em Bali me fez sempre mais sentido que trocar de carro? Por que eu insisto em colaborar com meu colesterol de pincho em pincho de ramón em Barcelona? Eu me estraguei com esse imenso pequeno mundo. Eu penso em cada australiano que eu quis dançar, cada turco que prometeu casamento por causa das minhas sobrancelhas. Caso pedaço de mim que espalhei por aí.
Eu sou uma despatriada, e isso não me faz menos fiel ao país que me forjou, e que me dá cada dia mais saudade, e ao mesmo tempo, vontade de ir embora, só pra depois voltar. Porque é de porto em porto que eu me multiplico, me transformo, me expando. Como conter tudo isso numa quarentena? Olhar Londres da janela, tão perto, mas tão longe?
Talvez essas amarras venham mesmo para ensinar. Eu nunca menosprezei minha liberdade, mas penso hoje que nunca valorizei com toda justiça que ela merecia, o quanto que estamos todos conectados. Que o mundo é uma ervilha, e como a dor da Itália dói em mim, que a China será um mar de preocupação e superação. Será que antes eu havia aprendido o que tinha que aprender com os tsunamis e terremotos de lugares que nunca visitei? Ou será que estava apenas preocupada com os meus roteiros?
A nossa liberdade nos estragou, e talvez por isso ela nos deva ser tirada neste momento. É lindo andar por aqui e ali, mas como é importante saber a hora de se recolher, revisar, proteger e perseverar. Eu vejo hoje que ir e vir é sim, um privilégio. Não importa onde você vá. Se a Paris ou no supermercado.
Quando tudo isso passar – e vai passar – quero de novo sentir os cabelos soprados por um vento maral em um lugar desconhecido, ou a beira na lagoa onde me criei. E eu prometo nunca mais minimizar a minha jornada, por menor que ela seja.
Se a liberdade é uma das coisas mais lindas que já vivi, eu vou fazer de tudo para a gente se abraçar de novo. Até lá, eu sigo olhando da janela, morrendo de saudades da nossa vida juntas.
Em breve a gente se encontra, liberdade. Até lá, eu mais uma vez, aprendo. Agora com a tua distância. Mas não vai longe, tá?
Fim da sessão
PS: E que fique registrado que esse é um desabafo do alto dos meus 14 dias de confinamento, e que sei de coração, que de longe é pauta importante frente a tudo que nos cerca.
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