Muito disponível
Eu acho que realmente aprendi o real significado de estar muito disponível com os meus irmãos. Quando os gêmeos eram pequenos, eu vivia rodeando eles. Era eu a irmã que levava para a pracinha, para o jiu-jitsu, pro zoológico, ou cuidava deles quando seus pais tinham um compromisso. E ainda que a solidez da minha presença contribuísse para o fortalecimento do meu vínculo com os pequenos, todo meu status de irmã querida caia por terra quando o meu irmão aparecia. Como o Leonardo era bem menos disponível do que eu, a reação que ele recebia dos pimpolhos ao finalmente dar as caras, era digna de dar inveja.
Se comigo eventualmente eu precisava mendigar uns beijinhos e carinhos das crianças, o irmão sumido era afogado em abraços apertados cheios de saudade. A escassez provocada pelas visitas mais esporádicas, fazia dele um super-herói, alguém que eventualmente aparecia apenas para salvar o dia, e fazer daquela rotina enfadonha, algo fantástico. Eu era a rotina enfadonha, ainda que tentasse o contrário. Era eu que muitas vezes buscava-os na escola, quando a expectativa deles era o reencontro com a mãe. Se meu irmão aparecia para buscá-los, entretanto, os meninos apontavam para o irmão mais velho com orgulho, mostrando-o para os coleguinhas como uma carta-Pokemón muito rara. Eu era a bala Sete Belos amassada e esquecida no fundo da mochila.
Essa relação de demanda e procura é explorada pelo marketing desde sempre, mercado no qual eu atuo há anos. Se o produto ou serviço é escasso, e existe interesse do mercado, o valor empregado a estes itens de acesso limitado, aumentam. Se valorizam. (Tipo álcool-gel). Se fossem comuns e abundantes, desvalorizam. (Tipo cloroquina). Eu aprendi isso na faculdade, e usei e abusei da teoria no pós-gradução que fiz em negócios. Mas foram os meus irmãos de 4 anos de idade que me ensinaram que a lei da demanda e da procura, causavam flutuações também nas nossas relações.
Pode perceber. Pessoas muito disponíveis sofrem com as consequências do excesso de sua atenção. Não importa se você oferece seu tempo e dedicação com a melhor das intenções. Se o faz para apoiar alguém, ou simplesmente pelo desejo estar na presença de quem ama. É justamente a abundância que, justa ou injustamente, faz com que as pessoas desvalorizarem a oferta. Porque quem recebe a fartura, analisa que pode consumir aquilo em qualquer momento. Ou porque pensa que a fonte é infinita. Ou até porque dá aquela subestimada porque o que se oferece é acessível/fácil/prático. E não importa se o mercado é a sua família, os seu amigos, o seu relacionamento.
A lei da oferta e da procura possivelmente opera sob todas as suas relações, com a mesma verdade e intensidade que a lei da gravidade nos mantém deitados neste divã refletindo sobre isso.
O mais engraçado é perceber que, quando este conhecimento bate em nós, dói um bocado. A gente se sente meio cachorro que caiu da mudança. Mas o mesmo aprendizado pode ser libertador. Veja comigo que, ao mesmo tempo que me dei conta – com alguma amargura – de que meus irmãozinhos festejam mais a aparição escassa do meu irmão, eu também senti a doçura de entender que eles me amariam apesar de qualquer distância. Apesar da ação do tempo. E isso me deu tranquilidade para estar presente, sim, mas também para não sofrer tanto quando eu não estivesse – como é o caso dos dias de hoje. Aliás, decisão esta que, há um ano atrás, também me fazia pensar sobre a minha disponibilidade enquanto eu fazias as malas de mudança para Londres. Era um domingo, e eu me dei conta que ninguém da minha família havia me chamado pra almoçar, no intuito de aproveitar as minhas últimas horas antes da despedida. Todos estavam ocupados com suas vidas e suas relações, e lá estava eu, ironicamente, me preocupando com a minha falta de disponibilidade nos meses que viriam.
Naquele domingo eu também entendi que ninguém me chamou para almoçar não porque não me amavam, ou não sentiriam a minha falta. Mas simplesmente porque se acostumaram com a minha disponibilidade, possivelmente pensando “ah domingo que vem a gente combina”, sem lembrar da passagem que agora, eu tinha meu nome em uma passagem de ida para o outro lado do oceano. Não ser lembrada naquele domingo me deu clareza que ia ficar todo mundo bem se eu me ausentasse por um tempo. Inclusive eu ficaria bem. ( O que claro, eu concluí tudo às lágrimas, mas depois passou, heheh).
O que quero trazer com essa reflexão é que muitas vezes as pessoas que são muito disponíveis, por vezes se cobram de dedicar tempo a quem amam, sem entender que ausência não significa desamor ou descaso. E deixam de perceber que estar muito disponível, não faz bem a ninguém – nem para as suas amizades, que passam a ser levadas com leviandade, nem para a sua relação afetiva, que não deveria te consumir por inteiro, nem para o seu trabalho, que se deve ser apenas uma parte da sua vida, nem para a sua família, que não deveria afetar todas as suas decisões. A gente precisa aprender que deve estar muito disponível pra si mesmo, com o que nos faz bem dentro de todas estas esferas. E entender que a relação entre a disponibilidade e a reciprocidade, não é apenas um ato de amor próprio, mas arrisco a dizer que tem o poder de ser última amarra a ser desfeita no caminho da sua liberdade.
Fim da sessão.
ps: e que fique claro que todo mundo merece um montinho de saudades:
Patrick
Aline, que lindo o vídeo do final! Sobre a sessão, ainda estou digerindo. Parabéns pelo poder de síntese. Te acompanho sempre.
Antônia no Divã
Oi Patrick. Fiquei muito feliz com a tua mensagem. Receba meu carinho! Beijos, A.