Efemérides

Você chegou e eu mudei

em
15 de março de 2016

Você chegou finalmente. Nossa foi um alvoroço desde o dia que descobriram que você viria. Mamãe anunciava que um menininho chegaria. Pensei “ui, que nojo. Odeio meninos!”, no auge dos meus quatro anos de idade. Papai dizia que eu ia ganhar um irmãozinho, mas o que eu pedi foi uma bicicleta da Turma da Mônica. “Aí tem treta!”, desconfiei. E acho que não fui só eu que fiquei nervosa com a novidade, pois mamãe ficou com um barrigão de tanto comer, devia estar angustiada. Não sei pra que tanta euforia – um menino, oras! Eles choram, brigam e fedem. Eu juro que eu preferia a tal da bicicleta.

Lembro-me do nosso primeiro encontro. Antes de entrar naquele enorme prédio branco com cheiro de limpeza, papai me explicou que eu tinha que ser cuidadosa ao te pegar. “Mas eu nem quero esse moleque!”, pensei no meu apogeu de princesinha da casa. Entrei no quarto esperando te ver, mas só estava a mamãe. Nossa! Ela deve ter feito uma dieta muito boa, pois o barrigão dela sumiu. Ela me recebeu com o seu melhor abraço, alisou meus cabelos negros e me beijou a ponta do nariz. Disse que estava com saudades e que tinha alguém que queria me apresentar. “O menino?” (ugh! Que nojo). “Sim, o seu irmãozinho. O nome dele é Leonardo!”. Naquela hora uma moça de branco entregou um pacotinho para a mamãe. “Ai meu Deus, o pacotinho tem mãozinhas!!!” – exclamei. O pacotinho era você.

Você não era nada como os moleques que eu conhecia. Não fedia e nem brigava. Mas chorar sim, isso você sabia fazer bem feito. Tinha a cara amassada e um ar de bronquinha. Papai te botou no meu colo, comigo sentada no sofá do quarto da mamãe. Segurei-te com meus pequenos braços morrendo de medo de te machucar. Como alguém podia ser tão pequenininho e frágil? – pensei. Você chorou e esperneou, enquanto papai e mamãe tentavam não parecer preocupados com um possível primeiro tombo. Então beijei a ponta do teu nariz e te disse “não precisa chorar, tua irmãzinha tá aqui”. Você parou de chorar. Deu uma resmungada de leve e dormiu. Aí quem chorou foi o papai e a mamãe – “mas que família mais chorona”, disparei.

Você chegou e eu mudei. Mudei para algo que não sabia definir. Eu me sentia responsável por ti como a mamãe, mas diferente. Você virou meu amiguinho, mas diferente. Era também como um brinquedo –uma boneca, mas diferente. De repente me vi generosa com minhas guloseimas e joguinhos. Aprendi a ter força pra carregar a tua gordice fofa. Vi-me policiando teu sono, vigiando teus primeiros passos cambaleantes, e disfarçando o resultado das tuas travessuras, como a vez em que tu enfiaste a gata Juma na bacia de roupas da mamãe. Expliquei-te que gatinhas não gostavam de água, muito menos de Quiboa. Você sorriu o sorriso de olhinhos japoneses e lambeu a minha bochecha. Acho que era para ser um beijo, mas precisava de mais prática.

Você saiu das fraldas e cresceu em duas piscadas de olhos. E eu não preguei mais o olho direito, desde que você ganhou o mundo. Não cabia mais na proteção do meu colo, mas sempre voltava pra segurança do meu abraço. Continuou com a cara de pidão sempre que queria algo meu, e eu desaprendi a pedi-las de volta. Não te dava mais minhas guloseimas, mas a minha energia, e o meu tempo. Ser irmãzinha me parecia uma tarefa árdua, cansativa, eterna e intransferível. Mas se alguém tentasse ocupar o meu lugar, arrancar-lhe-ia os olhos com minhas próprias mãos.

Você chegou e eu mudei. Mudei para melhor porque entendi o que era companheirismo. Compaixão e responsabilidade. Fui ensinada na marra o que era tolerância, paciência e perdão. Você chegou e eu mudei, porque aprendi a dividir, compartilhar e consensar.  Você chegou e eu mudei porque passei a valorizar cada gesto de carinho, abraço, beijinho e lambida. Você chegou e eu passei a ter orgulho da tua trajetória, desde a criança ranhenta, até o ser humano adulto que me inspirava tanto quanto buscava inspiração. Você chegou e eu mudei, para nunca mais ser a mesma. Você chegou e fez de mim, hoje e para toda a vida: irmã.

Fim da sessão.


Não foi só o Leonardo que nasceu no dia 15 de março. Eu nasci irmã, junto com a data. E hoje, além de uma saudade imensa, sinto uma eterna alegria de ter me transformado na irmã que ele quis, pediu e mereceu. Feliz aniversário, meu irmão. Aniversário da vida linda que eu pude compartilhar. E feliz aniversário para mim, que desde a tua chegada, tenho a mais estimada das honras, que é ser irmã.

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7 Comments
  1. Responder

    dulday

    26 de abril de 2016

    Lindas palavras…confuso aqui, acontece que ele parece ser mais velho que vc!! Ainda bem né!! <3

    • Responder

      Antônia no Divã

      26 de abril de 2016

      Ele sempre se comportou como mais velho também 😉 heheh

  2. Responder

    Carla

    18 de março de 2016

    Que lindo conseguir expressar com as mais lindas palavras todo seu sentimento!! Com certeza o Dr. Leo está cada dia mais orgulhoso da Mana.

  3. Responder

    Caroline Araújo

    18 de março de 2016

    Emocionante td vez..

  4. Responder

    Ana Teté

    16 de março de 2016

    De tão falante… me calei! Parabéns pelo aniversário da mais pura e leal irmandade.
    Beijos ❤️?

    • Responder

      Antônia no Divã

      16 de março de 2016

      <3

  5. Responder

    Nanny

    15 de março de 2016

    #Emocionante
    #SemPalavras
    Lindo por demais ❤

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Aline Mazzocchi
No divã e pelo mundo

De batismo, sim, Aline. Mas eu precisei do codinome Antônia - do latim "de valor inestimável" - para dividir minhas sessões públicas de escrita-terapia. O que divido aqui é o melhor e o pior de mim, tudo que aprendi no divã e botando o pé na estrada. Não para que dizer como você deve ver a vida. Mas para que essa eterna busca pelo auto-conhecimento, não seja uma jornada solitária, ainda que pessoal e intransferível. Então fique a vontade pra dividir o divã e algumas boas histórias comigo. contato@antonianodiva.com.br

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