Há exatos 18 meses eu escrevi um texto que mudou a minha vida. Mal sabia eu, que o texto “É preciso ir embora” ia chacoalhar tanta gente, com aquilo que era apenas um desabafo. O texto viralizou de uma maneira que eu nunca esperava. Deu a volta ao mundo, e botou o meu pequeno divã, tão singelo e tímido, na boca do povo, nas páginas de jornais, nas ondas do rádio, e no coração de tanta gente que passei a conhecer. Desde então, não tem um dia sequer em que eu não receba histórias de outros inquietos, que encorajados pelo texto (e suas próprias vontades), saíram da sala, do emprego, da casa, do país. Todo dia recebo fotos, cartões postais, emails de novas aventuras, novas jornadas, novas histórias, tudo isso, segundo os meus queridos leitores, motivados pela minha coragem, de dizer em alto e bom tom, que a estrada, seja ela qual for, pode ser uma grande amiga no processo da mudança.
Aquele texto, o preferido de tanta gente, foi vomitado numa página branca de Word, em apenas 30 minutos. Não teve grandes planejamentos, ou revisões. Ele foi o texto mais visceral que já escrevi, porque nele cabiam as poucas verdades que eu conhecia da vida. A mais urgente delas, de que a vida segue, além das nossas decisões. As pessoas seguem vivendo além das despedidas, por mais doloridas que elas sejam. O mundo não pára porque você ousou mudar de rumo, partir, ou simplesmente botou um fim, para que houvesse um novo início. Essa é a dor e a delícia das histórias… elas precisam de fim, para que outros inícios tomem cena. E eu aprendi isso viajando – entretanto, essa lição não me salvou de ter dúvidas.
Pouca gente sabe a verdade por detrás do “É preciso ir embora”. Eu usava como metáfora a partida de uma amiga para Londres, quando na verdade eu sofria de minha própria vontade/medo de ir embora. Após um longo período tentando acertar os ponteiros com o meu pai dentro da empresa que foi por muitas vezes dita como minha, eu finalmente chegava à conclusão de que aquele não era o meu lugar. E como todas as pessoas corajosas, eu estava ponderando os meus passos na tentativa da superação do meu medo de mudar. Medo da instabilidade do mercado. Medo de fracassar sob minhas próprias pernas/termos/objetivos. Medo da cortina de fumaça que cobre o desconhecido. E acima de todos os meus medos, tão meus, eu estava apavorada com a ideia de magoar o meu pai. Não o meu diretor-pai. O meu pai, o cara que havia depositado em mim tantos sonhos.
O post “É preciso ir embora” era a minha carta de alforria. Era eu assustada, dizendo para o mundo (e tentando me convencer) de que ia ficar tudo bem. Que eu era importante, mas não tanto a ponto de paralisar as pessoas a minha volta. Eu não estava dando argumentos para engrandecer a coragem da minha amiga que ia viajar para Londres, eu estava tentando juntar forças para o meu próprio ato de coragem. Afinal, eu não iria apenas pedir demissão de um emprego, eu precisava encerrar um vínculo, pagar uma dívida velada com alguém que eu amo muito, e entregar de volta as chaves daquele que me convenceram que era o meu “império”. Como uma herdeira pede as contas? Como uma filha diz “não” para um pai, sem carregar junto a culpa da ingratidão? Essas eram algumas das dúvidas que pesavam a mochila da minha partida – nada diferente das muitas dúvidas enviadas pelos leitores do blog.
“Caso ou compro uma bicicleta?” “Fico com a família, vou embora com o namorado?” “Promoção de gerente ou barista na Austrália?” “Saio ou fico em casa?” Foram tantos os pontos de interrogação jogados neste divã por conta deste texto, que por muitas vezes me arrependi de ter soado tão confiante. Não porque eu não gostava de dividir as angústias destas pessoas, mas porque elas acreditavam que eu poderia saber melhor do que elas. Eu não sabia melhor do que ninguém. Eu só podia ceder meus ouvidos a cada dilema que me foi consultado, e torcer por cada plano que foi comigo dividido.
Na mesma data que celebro 1 ano e meio do capítulo que iniciei dizendo que ir embora era importante, eu inicio a última semana da minha jornada na empresa familiar. Então veja que enfiar o pé na porta não foi um movimento rápido de uma coragem súbita. Eu tive que dividir com o mundo as minhas certezas, para com ele revisar todas as minhas inseguranças.
O que eu nunca discuti no famoso texto, era a importância e complexidade do timing de ir embora. Hoje eu sei, não existe calendário fixo para debandar. Desde o meu grito de liberdade lá em fevereiro de 2015, a programação da minha partida teve incontáveis revisões, e eu respeitei todas elas. A minha família mudou. Meus planos mudaram. As prioridades foram invertidas, revisadas, trocadas. Frida Kahlo ensina que “onde não puderes amar, não te demores”, mas hoje sei que sua frase é incompleta. Na minha humilde interpretação da vida, uma melhor versão da mesma seria “onde não puderes amar, não te demores, mas também não te apresses”, porque ir embora, não é, nem nunca foi fácil.
Na semana passada eu caí febril na cama por dois dias. O corpo tremia no calor de 25°C, e eu suava a ponto de molhar os lençóis. Não era doença alguma o que me abatia, dias depois eu concluí. Era medo. Medo de ter escolhido um caminho errado. Era medo de ir embora. Ao me dar conta da razão do meu estado debilitado, sacolejei a febre, e me pus de pé para encarar o meu futuro. Blindada de planejamento, benzida pela fé e com doses extras de coragem na mala para a nova jornada. Jornada esta não inclui cruzar oceanos, mas todas as fronteiras da minha própria convicção e autonomia.
Em uma conversa planejando o encerramento das minhas atividades na empresa de meu pai, ele questionou os meus olhos mareados e o meu semblante preocupado.
– Estás preocupada que teus novos planos não deem certo?
– Sim. – assumi sem meias-palavras.
– Então por que tu precisa ir embora?
– Porque só tem uma coisa que me assusta mais que a mudança. É ser paralisada pelo medo e não tentar.
E todo sonho e toda conquista começam com a decisão de tentar.
“As desculpas e preocupações sempre vão existir. Basta você decidir encarar as mesmas como elas realmente são – do tamanho de formigas.”
Fim da sessão
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