Eu fico muito impactada com a capacidade que temos em criar tabu sobre coisas naturais. Há uns cinco anos atrás, me saiu uma hemorroida. Sim, aquela veinha inchada que dá no reto e no ânus. O vulgo cu. Meu ex namorado – que era mais desavisado que eu – na época, quando viu, me acusou exaustivamente de traição, porque pra ele aquilo era uma doença venérea. Ou seja, eu já estava tomando no cu, antes mesmo de saber o que ele tinha.
Psicopatiei no Google tentando achar informações para –pordeusnossosenhor – não ter que falar sobre o assunto com ninguém. E eu levei dias para, cheia de vergonha, ir ao médico. O proctologista era indicação do meu pai, o que não ajudava em nada na minha neurose. Ficava imaginando o médico perguntando sobre como estava meu pai, enquanto olhava um abscesso no meu cu. Cu, sabe. Aquele lugarzinho que normalmente não é exposto à luz do sol. E que a gente não mostra pra ninguém.
“Você está com uma hemorroida.”
“O QUEEEEE????” Surtei. Na minha santa ignorância, hemorroida era coisa de gente idosa ou grávida. E lá estava eu, com 20 e poucos anos, e um cu problemático.
Fui submetida a impopular colonoscopia. Aquele exame cujo pré-operatório te faz cagar compulsoriamente. E depois eles enfiam uma câmera pelos teus tubinhos, com entrada pelo bumbum. Descobri que meu reto e intestinos eram lindos, e a hemorroida era apenas externa. Então o caso era mesmo cortar a hemorroida fora. Simples né?
Simples nada.
Fiz aquilo que muita gente faz com os problemas da vida. Os ignorei. Não imaginava alguém dando pontos no meu buraquinho. Não podia pensar no pós-operatório. Mas NADA, NADA, era pior do que a vergonha em tratar do assunto. Por conta disso eu me submeti à experiência de conviver com a minha hemorroida durante longos cinco anos.
Cinco anos que só me sinto limpa tomando banho. Cinco anos de vergonha, toda vez que tenho qualquer intimidade com alguém. “Sexo anal? TU TÁ MALUCO???”, como se fosse uma ameaça de vida. Cinco anos que levo as minhas calcinhas para o banho com medo de qualquer vestígio. Cinco anos que tomo mijada da minha ginecologista. Que eventualmente preciso tomar remédio para infecções na perereca. Cinco anos de uma coisa que podia ser tão simples, mas que virou algo tão sensível e embaraçoso que eu não vi em condições de resolver. Era como se meu cu, tivesse saído do escurinho da minha bunda, e fosse parar direto na minha cara.
Então ano passado eu fiquei muito doente, fiz 3 cirurgias de rim, e passei a levar minha saúde a sério. Encarei o check-up, os diagnósticos. E obviamente, depois da revisão geral, chegamos a desagradável veia que tanto me incomoda a cabeça, mais que o reto, propriamente dito.
Voltei no proctologista. E depois de informa-lo sobre como estava meu pai, eu deixei ele me examinar de novo. E dar o mesmo diagnóstico. “Vamos ter que cortar teu cu”. Tá, ele falou mais bonitinho, ética e tecnicamente mais aceitável, mas em tese foi isso. E me sugeriu uma data em duas semanas. E eu aceitei. Era hora de encarar o cu de frente.
Faz duas semanas que eu só falo do raio do meu cu. Juro. Porque eu precisava tirar esse tabu da minha cabeça, antes mesmo de resolver ele. Então cada vez que as pessoas me perguntavam sobre a minha agenda, ou meus compromissos, eu enfiava o procedimento nos comentários. “Vou jantar com a fulana no domingo, tenho uma reunião na segunda, e terça, terça eu vou cortar meu cu.”
A reação das pessoas era um misto de pânico, vergonha alheia e riso. Eu percebi que o cu não era coisa que devia andar na boca do povo. Ora, se eu falasse que iria tirar uma pinta, ou realizar uma lipo, talvez ninguém achasse não absurdo eu contar do meu procedimento íntimo, não é mesmo? Mas cu não. De cu não se podia falar. Cu tem que andar escondido. Velado.
Mas como eu não sou obrigada a nada, me vi com mais vontade de falar do assunto com naturalidade. Cu. Cu. Cu. CUUUUUUUUUUUUUUU.
Chegado a dia do procedimento estava na sala do pré-operatório, onde os pacientes desconhecidos conversam sobre seus procedimentos. A moça do meu lado pergunta o que vou fazer, e eu prontamente falei do cu. Ela riu. Pergunto pra ela qual o procedimento dela. Ela me informa que vai tirar um cisto do peito. E que não sabia se era benigno ou maligno. A moça do outro lado me fala que fará uma curetagem do aborto espontâneo que sofreu.
Entende como o cu, numa simples troca de contexto, passou a ser o menor dos problemas daquela sala?
E foi nessa que mais uma vez, da forma mais improvável, eu aprendi. Aprendi que às vezes, por vergonha, a gente não lida com probleminhas, que podem virar problemões. Que com saúde não se brinca. É por isso que quis fazer uma sessão sobre cu. Para todo mundo que tenha ou venha a ter esse mesmo problema, possa se sentir abraçado e compreendido.
E pra que entendemos que sempre tem alguém com problemas maiores e mais complicados, do que a gente assumir, pra gente mesmo, que o cu faz parte da vida.
Fim da sessão.
ps: meu cu passa bem, obrigada.
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