Categorias: Crônicas

Mãe, deixa-me cuidar de você

Mãe, deita aqui no meu colo, nós precisamos conversar. Sabe, mãe, eu já estou bem grandinha agora. Eu não sou mais a menina que chorava com medo do escuro do meu quarto. De fato eu ainda tenho medo, tenho medo do lado escuro do ser humano, tenho medo do lado escuro do meu coração. Mas graças a você, mãe, eu também tenho coragem. E tendo coragem quero te pedir um favor: mãe, deixa-me cuidar de você.

Mãe, deixa-me cuidar de você porque meus ombros carregam fardos menores. Veja, esses meus ombros não tem o peso do mundo que as mães costumam carregar. Deixa-me pegar um pouco desta bagagem que tu carregas, pelo menos por um pedaço do caminho. Eu sou mais jovem, mãe. Meus passos podem não ser tão certeiros como os teus, mas deixa-me tentar aliviar o teu cansaço. Sei que tua jornada é difícil, e por isso quero fazê-la do teu lado, pois se pudesse a faria por ti. Joga tua carga em mim, pois é pra ti que tenho as paletas largas. Aposta tua fadiga em mim, mãe.

Mãe, deixa-me cuidar de você porque meus olhos ainda não choraram tuas lágrimas. E lágrimas de mãe são as mais salgadas, mais doloridas. Lágrimas de tristeza que deveriam ser tão raras, já que seus olhos mereciam ser aguados apenas com lágrimas de alegria. Deixa-me ser tua visão, e enxergar, não apenas ver. Deixa-me olhar por ti, guardar teu sono, encontrar o caminho por você. Ainda que meus olhos não sejam perspicazes como os teus, prometo tentar olhar o mundo com a doçura que tu olhas pros meus irmãos, pros teus amores, pra mim. Deixa vai, mãe.

Mãe, por favor, me deixa cuida de ti. Deixa que o meu coração acalente o teu, porque o meu nunca sofreu angústias e preocupações como as tuas. Só alguém que cria amor dentro do próprio umbigo sabe o nervosismo de ter o coração palpitando fora do peito e correndo pelo mundo. Eu sei, você diz que filho se cria pra vida, mas eu vejo no teu olho como queria que jamais saíssemos debaixo das tuas asas. Mãe, deixa meu coração cuidar do teu, pois o meu ainda é inexperiente e por isso é destemido. Sei que nele não cabe tanta gente como coração de mãe, mas cabe você, mesmo com tua grandiosidade.

Mãe, me deixa te escutar. Meus ouvidos não são tão reconfortantes quantos os teus, mas prometo minha atenção exclusiva. Deixa-me ouvir teus lamentos, como tantas vezes tu ouviste os meus. Deixa que eu ouça os ruídos do mundo e os transforme em canções de ninar só para ti. Deixe que eu lide com o barulho que perturba e aquele silêncio que desespera. Deixa-me ouvir por ti e suspirar na tua orelha desejos de dias melhores, sempre.

Mãe, deixa-me lutar tuas batalhas. Deixa-me absorver teus medos. Deixa-me segurar tua mão e passar a minha na tua cabeça. Mãe, já chegou a hora da gente trocar de lugar um pouquinho. E eu não tenho pretensão nenhuma de ser tão boa quanto você, mas me deixa tentar fazer deste mundo um lugar melhor para te merecer. Como você sempre fez por mim. Deixa-me te dizer que vai ficar tudo bem – ainda que eu não tenha certeza, mas prometo simular aquela tua cara de quem não tem dúvidas. Um dia talvez eu faça o mesmo pelos meus filhos. Mas hoje, deita aqui no meu colo e deixa-me cuidar de você.


Fim da sessão.

Jorge e Mateus – Ciclo

Antônia no Divã

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Antônia no Divã
Tags: mãe

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