Sabe aqueles caras que quando olham pra você, você instintivamente olha pra trás pra ter certeza que não foi pra você? Confere que não é alguém de atras porque em realidade nenhuma ele, aquele ser de beleza suprema olharia para alguém tão comum quanto você? Pois foi exatamente assim que eu conheci o Henrique. Num momento meio Anastácia encontra com o Sr. Gray. Em livro nenhum alguém como o Henrique teria interesse em alguém como Antônia. Mas as vezes contos de fada de fato acontecem, e eu tinha certeza que ele podia ser meu príncipe encantado.
Estávamos em um daqueles eventos do mercado publicitário de Porto Alegre, em que todo mundo se conhece, mas ninguém se atura. Eu matava tempo entre uma champagne e outra, torcendo para que o meu chefe me perdesse de vista para que enfim eu pudesse fugir para o conforto da minha cama e do meu vibrador. Aiai… aquele aparelho pelo qual eu criei tanto afeto que o apelidei de Ricky Martin, já que era rosa, sexy e me fazia viver la vida loca . Perdida nas vibrações dos meus pensamentos, não reparo aquela espécime sublime caminhando na minha direção. “Posso te oferecer outra champagne?” – ele pergunta, me tirando dos meus devaneios em um susto tão grande que borrifo pela boca todo último gole que havia enfiado garganta adentro no rosto dele. “pfffffffffffffffffffffft… coof coof…”.
“Você está bem?” ele pergunta gentilmente enquanto tira um lenço do bolso do terno, e delicadamente seca as borbulhas do seu perfeito rosto. “ahhh, sim, desculpa, nossa… perdão, eu fiquei vibrada, não! Não! Assustada. É, é que você me assustou. Desculpa eu”. Ele sorri um sorrido de dezoito quilates, enquanto procuro minha compostura. “Dizem que as melhores histórias começam com situações inusitadas”, e completa o seu charme secando uma gotinha do meu queixo. “Meu nome é Henrique Albuquerque, posso saber seu nome?”. “Antônia… sou Antônia”. “É um prazer conhecê-la, bela Antônia”. Coro as bochechas. Aquilo não podia estar acontecendo comigo. Eu não tinha fada madrinha.
A noite rola comigo o tempo todo tentando entender o que o Henrique podia querer comigo. O salão do evento inteiro olhava para nós dois. Quer dizer, para ele. Pudera. O Henrique era digno de realeza. Tinha os olhos de turquesa, porte de jogador de rugby e elegância de um atleta de esgrima. O terno sem gravata dava-lhe um ar descolado, sem deixar de transmitir que ele sabia muito bem o que fazer na frente do seu armário. Era um pacote harmonioso para um conteúdo perfeito. Descobri que o Henrique era advogado que representava uma rede de bancos, morava no Rio e estava ali só durante aquela noite. Era fluente em três línguas e já havia terminado duas vezes a prova IronMan no Hawaii. Eu seguia sendo só Antônia, que trabalhava numa agência de publicidade mediana, e comprava calcinhas na liquidação.
A noite vai chegando ao fim, e eu tento me despedir sem deixar avaliar a minha sorte. Por Deus, quero que ele vá pra minha casa! É só jogar toda roupa suja dentro da geladeira e tá tudo certo. Mas não. Ele me acompanha até meu taxi, entrega R$ 100,00 ao motorista e pede que ele espere a um metro de nós. Então ele olha pra mim com as bolitas de turquesa, tira o cabelo caído no meu rosto, e se aproxima devagarinho. Minha respiração começa a acelerar, ao passo que penso que se ele me beijar provavelmente vai sentir meu hálito de champagne + provolone do maldito coquetel servido na festa. Erro novamente. Ele não me beija a boca, como o cavalheiro que é. Beija-me a bochecha delicadamente, mas sem deixar de ser sexy. “Palavras não descrevem o prazer da noite de hoje, bela Antônia.” Coro as bochechas de novo. Ele toca meu braço de leve, faz sinal para o taxi que dá ré até onde estamos. Abre a porta e me dá mão para que eu entre. Fecha a porta. Eu abro o vidro, esperando que ele peça meu telefone – sim, nada destas variáveis vazias de Facebook, Whatsapp, Tinder, Snapchat. O Henrique, como o príncipe que parece, com certeza ia pedir meu telefone. Erro de novo. Ele toca de leve no meu queixo e dá uma piscadinha. O taxi arranca.
Piscadinha?! Que merda é essa?! Enfureço. Chego em casa e nem Ricky Martin me salva. Estou frustrada e desiludida. Nunca mais vou ver o Henrique. Queria descobrir se ele ronca, se tem chulé, ou um provável pinto pequeno. Eu quero muito que ele tenha defeitos. Ou pelo menos um. Mas agora eu nunca mais vou saber. Merda!
Acordo possuída de raiva (e de desejo contido), e vou trabalhar. Na recepção rosno algo que parece bom dia para a recepcionista. “Tôôôniaaa…” ela diz miando, “Luíza, já te falei que odeio este apelido, me chama pelo nome que a minha mãe me deu, por gentileza.” “Uiaaa que mau humor. Espero que melhore com a encomenda que deixei na sua mesa”. “Encomenda? Que encomenda?” – já pensando comigo que finalmente tinha chegado da China o meu redutor de celulites. “Vá lá ver, Tô-tônia!”. Rosno enquanto ela ri.
Na minha mesa, um envelope largo e uma flor. Gérbera laranja, a minha preferida. No envelope um bilhete de texto curto escrito à mão “Gostaria de agradecer a noite de ontem. Já tem planos para o final de semana? Espero que aceite minha sugestão. Beijos, H.” + número do telefone – acho lindo quando a pessoa se auto-resume numa letra! Anexo ao bilhete, e-tickets de ida e volta ao Rio para aquele final de semana. Sentei na minha cadeira evitando um possível desmaio. Racionalizo por um segundo – eu nem conheço esse cara, e se ele for um psicopata? (Silencio) Vai ser o psicopata mais lindo que eu já beijei. Saio correndo e dou uma desculpa esfarrapada que tenho que sair para o meu diretor. Era sexta-feira e eu tinha menos de 8h pra arrancar todos os pelos do meu corpo, fazer todas as unhas dos meus dedos, deixar minhas sobrancelhas iguais, perder 9kg e gastar os olhos da minha cara nas lingeries que nunca tive. Afinal ele era um príncipe, eu longe de ser princesa.
17h chego no aeroporto. O Henrique e seu sorriso de 18 quilates me recebem com um abraço e outro beijo na bochecha (será que falta muito pra ele me beijar na boca? – pensava em silencio). “Pronta para a Cidade Maravilhosa?” – “Nasci pronta”, sorrio ignorando a coceira da minha virilha recém-depilada. Chegamos no Rio, e depois de um longo engarrafamento em seu carro de adulto – daqueles sedãs espaçosos e moderninhos que eu nunca sei identificar o modelo – chegamos em seu espaçoso flat no Leblon. O local cheirava a limpeza, e era impecavelmente decorado. “Parafernálias das viagens que faço” – ele diz enquanto analiso o buda de madrepérola na mesinha do hall de entrada. “Gosta de frutos do mar?” – balanço a cabeça positivamente – “Pedi para a empregada pegar algumas coisas frescas hoje a tarde. Você vai adorar a minha ostra gratinada”. Sério? Ostra! Não podia ser um macarrão à bolonhesa, tinha que ser algo altamente elaborado para me colocar no lugar de pessoa normal de novo.
A noite segue a La Henrique – perfeitamente perfeita. A ostra combinava com o camarão que combinava com o vinho branco que ele escolheu de sua própria adega climatizada. Na sacada, a luz da lua faz brilhar ainda mais seus olhos turquesa. Ele segue servindo a minha taça enquanto conta suas aventuras pelo mundo. O Henrique faz minhas experiências na estrada se tornarem viagens de uma amadora com seus safáris africanos e escaladas nos alpes baváricos. Como pode alguém ser tão perfeito? Duvido que ele faça cocô, penso comigo. Não, isso seria humano demais para alguém como o Henrique. Seus dejetos devem sair em cápsulas higienizadas, fico imaginando. O Sr. Perfeito então nota que estou mais uma vez perdida em meus pensamentos. Vai até o som e coloca John Legend, All of Me (que não podia ser mais adequada para a ocasião) e pede para que eu dance com ele. Ele enrola-se na minha cintura, e começa a se embalar com a melodia. Deito no peito dele, desenhado por muito supino. Suspiro profundamente.
Ele então sobe as mãos até o meu rosto, sem desgrudar o corpo de mim. Passa os dedos pelos lóbulos da minha orelha, e olhando no meu olho, aproxima a boca da minha. Ouço a rouquidão da balada de Legend dizendo ao fundo “Give your all to me, I’ll give my all to you”, suspiro de novo, fecho os olhos e me entrego. O resto da noite terminou tão perfeito como começou. Descobri que o defeito que o Henrique poderia ter, não ficava dentro das cuecas Calvin Klein dele. E para terminar com qualquer dúvida que ainda tinha, ele me serviu dois orgasmos de sobremesa. Filho da puta!
O final de semana seguiu perfeito e delicioso. Nunca saíra da casa do Henrique. Se o Rio era maravilhoso, a cama do Henrique era nirvana. Na manhã de domingo acordei com barulhos vindos da cozinha. Ele entrou no quarto, como um sonho que acabei de ter. Bandeja na mão, com suco de laranja, morangos e uma torrada perfeitamente cortada em triângulos. “Dormiu bem, bela Antônia?”. Transbordo felicidade pelos olhos. “Espero que perdoe a minha indelicadeza, mas preciso revisar uns documentos no banco. Alguns acionistas não têm vida própria nem aos domingos.” Faço cara de manhosa. “Mas por favor, fique aqui e, sinta-se em casa”. Agradeço com um sorriso. “Henrique, também vou arrumar as minhas coisas e vou indo pro aeroporto, não quero me atrasar por conta do trânsito”. Ele faz cara de contrariado mas concorda. “Vou chamar um taxi pra você em 1h. Quando sair, é só bater a porta que ela tranca. Eu volto a ver você de novo, certo?”, “Com certeza” – respondo –“No meu Rio ou no seu!” – ele então beija a minha boca, pega o casaco e sai.
Ouço a porta bater. Corro para o banheiro. Faziam dois dias que as ostras gratinadas imploravam para sair de mim. Mas como eu podia? Usar o banheiro no castelo de um príncipe que ejeta cápsulas higienizadas? Eu era somente humana, e precisava desesperadamente fazer minhas necessidades fisiológicas – sim homens, entendam: mulheres fazem cocô! 2kg mais leve puxo a descarga e entro no banho. Nada. Nem um som de água. Saio do chuveiro e tento de novo. Nada. Nenhuma movimentação. Entro em desespero. Corro para a lavanderia. Tento sem sucesso inúmeros baldes d’água. Nenhuma evolução. Começo a suar pensando no relógio passando. Me visto, arrumo as minhas coisas voando. Tento mais alguns baldes. Nada. Neste momento então, tomo a única decisão que ainda me cabia, como a pseudo-dama que sou. Com uma sacola-plástica na mão, coleto o meu depósito. Fecho bem a sacola, e decido levá-lo comigo e descartá-lo numa lixeira da rua. Não ia deixá-lo naquele castelo.
O interfone toca: “Srta Antônia, o taxi que o Sr. Henrique solicitou já está aqui…” – “tô descendo!”. Junto as minhas coisas, e me encaminho para a porta, mas não antes sem deixar um bilhete sob a mesinha de entrada, ao lado do Buda. Bato a porta atrás de mim. Apenas para um segundo depois dar-me conta de que não estava com a sacola plástica na mão. Eu a havia deixado, também na mesa de entrada. Ao lado do Buda de madrepérola. Ao lado do bilhete.
Lembro-me do texto do bilhete que deixei ao lado da sacola:
“Henrique, palavras não descrevem este final de semana… A.”
Definitivamente eu era a gata borralheira. E o que eu deixara pra trás, era longe de ser cristal.
Fim da sessão
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