Crônicas

Desligue o f*da-se

em
22 de maio de 2018

Eu morro de inveja de todos vocês, seres humanos, que não tem problema nenhum em ligar o foda-se. Nenhum.

Sério, e eu sou super fã de um desapego, ao passo que não tenho nenhum talento para o mesmo.  Adoro analisar pessoas que não ficam constrangidas em dar de ombros para assuntos e indivíduos. O vulgo “caguei”. Eu invejo quem caga. Sérião. Pelo simples motivo de que, se conseguisse, minha vida seria mais fácil. Ou porque eu me sentiria menos injustiçada.

Quando atendo meus clientes, fico agoniada com a agonia deles. Me ocupo dos seus problemas. Importo-me. Mas nenhum serviço que me atende parece ter a mesma preocupação. “Olá, Celesc informa que não tem previsão de quando a luz voltará ao seu bairro”. “Moça, como assim? Não é como se luz fosse opcional para a funcionalidade da minha casa ou do meu trabalho.” “No momento é a informação que temos. Solicitamos a gentileza de responder a nossa pesquisa de satisfação ao final de sua ligação”. Aí eu aperto o “1” que é o mais próximo que posso de apertar o pescoço de alguém.

E essa não é exceção. É a regra.

A geladeira aqui de casa queimou depois da queda de luz, e meu locatário disse “foda-se”. Na real ele disse algo, “faça como acha melhor”, no sentido de que de longe a geladeira dele, é de fato, problema dele. Afinal é a minha lentilha que tá azedando aqui em casa. Ele disse o mesmo sobre os ratos que moram no meu telhado. “Não são ratos, menina, são morcegos!”. “Ahhhh bom, então tá tudo certo!”, pensei eu – como se uma praga fosse melhor que a outra.

Sabe, eu sou aquela que não consegue deixar e-mail não respondido. Whatsapp não lido ou sem retorno. Eu morro de remorso se fiquei de passar um retorno para alguém, e por algum motivo, esqueci. Mas sinto esse meu comportamento muito unilateral. Ao passo que a minha advogada tem zero-problema em ficar semanas sem responder o meu e-mail. COMO? Explica-me como. E quando ela finalmente me responde, escreve “em breve te dou retorno”. Oiiii? Levou duas semanas pra me dizer que ‘em breve’ me dá retorno?

O mesmo acontece com compromissos. Eu não desmarco com ninguém com pelo menos 2h de antecedência. Mas vez que outra dou de cara com a porta de clientes que “esqueceram” que tinham outro compromisso. Fico pensando quando que ficou estabelecido, no meu atendimento, que o tempo deles é mais importante do que o meu. Isso quando não recebo os famosos pepinos fantasiados de “oportunidade”. São aquelas situações sugeridas por gente que não investe o próprio tempo e dinheiro no seu negócio, mas não vê problema em euzinha fazer isso por “amor”, “visibilidade” e “ou pra colocar no meu portfólio” – como se essas coisas pagassem a minha conta de luz, aquela que eu pago para a Celesc me dizer que eu vou ficar no escuro mesmo.

Eu queria poder dizer que eu aprendo a ter perseverança com isso. Que toda essa chuva de “foda-se” do mundo me torna mais resiliente, mais determinada. Mas não. A chuva de “foda-se” só me deixa putona mesmo. Porque eu gosto de ser uma idealista. Eu espero sempre o melhor das pessoas, porque é isso que eu costumo entregar.

Accountability;

Existe uma expressão em inglês que eu gosto muito, que é “accountability”. Essa palavra de longe pode ser traduzida ou confundida com “responsability”. Responsabilidade é aquilo que muitas vezes nos és imposto por valores externos – empresa, família, sociedade, ou seja, nem sempre tem a ver com valores próprios e internos. “Accountability”, entretanto, poderia ser definido como uma escolha pessoal em superar as circunstâncias e demonstrar a propriedade necessária para alcançar os resultados desejados. Ou seja, é a escolha de ser responsável por algo.

Eu fico pensando se operássemos todos naquela premissa de “trate aos outros como gostaria de ser tratado”, se eu estaria aqui, mendigando atenção da Celesc ou de cliente, enquanto a lentilha azeda na geladeira estragada.

Talvez seja uma utopia minha. De que responsabilidade fosse uma escolha de cada um de nós, e que todos, um dia, desligaríamos o “foda-se”. Mas eu gosto da ideia de viver em um mundo onde as pessoas se importam umas com as outras, e não se comportam como ilhas.

Toda vez que caixa d’água do meu vizinho vaza, eu ligo para o mesmo locatário, ou pessoalmente vou lá desligar o registro para que ele não tenha custos adicionais com a água, ou problema com o telhado do prédio. É uma escolha minha me preocupar, e me ocupar com os problemas dele. “Accountability”, sabe. Imagina agora se eu fosse me esconder do problema como um morcego, ou me azedar com o descaso dele como a aconteceu com a minha lentilha.

As pessoas precisam desligar o “foda-se”. Ou uma hora vão se foder. Sozinhas.


Fim da sessão

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3 Comments
  1. Responder

    CONA DE ANDORINHA

    7 de novembro de 2018

    Eu adorei este texto
    fascinei me
    fodass
    cona
    abilio
    amote

  2. Responder

    DULCE MARIA RODRIGUES LAGOEIRO

    23 de maio de 2018

    Penso da mesma forma Antônia e detesto falar com esses robôs de serviços essenciais que falam com a gente sem a menor empatia. Deveria ser prounido tratar um ser humano assim… e foda-se deve set usado em último caso porque daqui a pouco o Mundo vira uma foda só. Beijos!

  3. Responder

    Valentina

    22 de maio de 2018

    Ééééééééé. Sabe que, pensando aqui, acho que acontece uma robotização das relações profissionais/não-íntimas… Esse episódio com a luz me faz pensar que, okay, a moça do outro lado do telefone pode não ter como resolver o teu problema. Mas ela não precisa ser um robô. Ela poderia dizer, “cara cliente, lamento que você esteja passando por isso! Que bela bosta! Espero que a companhia apure o trabalho pra que a luz volte logo!”. Talvez ela não diria “que bosta”, tudo bem. Mas né?
    Daí eu penso nela, coitada, e em todos os atendentes de telemarketing, coitados, que profissão ingrata, porque não é produtiva e não traz felicidade pra ninguém. Devem acabar virando robôs, mesmo, pra suportar.
    Enfim.
    Espero que a luz já tenha voltado 😉

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Aline Mazzocchi
No divã e pelo mundo

De batismo, sim, Aline. Mas eu precisei do codinome Antônia - do latim "de valor inestimável" - para dividir minhas sessões públicas de escrita-terapia. O que divido aqui é o melhor e o pior de mim, tudo que aprendi no divã e botando o pé na estrada. Não para que dizer como você deve ver a vida. Mas para que essa eterna busca pelo auto-conhecimento, não seja uma jornada solitária, ainda que pessoal e intransferível. Então fique a vontade pra dividir o divã e algumas boas histórias comigo. contato@antonianodiva.com.br

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