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Retorno

Foi um daqueles encontros que acontecem quando menos se espera, mas na hora certa. Voltava de um almoço preguiçoso na minha praia preferida quando dei de cara com o Cássio. O Cássio foi colega do meu irmão, que na época de escola era dono de uma cachopinha loira e crespa que eu sabia que ia crescer majestosamente. E eu não havia me enganado. Ele parecia que tinha saído de um anúncio da Quicksilver.

Formalidades de reencontros superadas, pergunto sobre o trabalho dele, esperando que ele tivesse virando um daqueles mauricinhos que só se preocupa com surf e pegação. Foi ali que eu entendi que a embalagem era puro reflexo do seu conteúdo. O Cássio, juntamente com os sócios, havia criado o Return Project, uma empresa de soluções inteligentes de marketing 3.0, cujo objetivo principal era promover ações que tivessem RETORNO para a sociedade.  Fiquei inspirada com paixão dele. “Você se transformou no garoto que quer mudar o mundo!” – disse, enquanto ele sorria timidamente – “Só estou tentando fazer a minha parte”, respondeu enquanto me dava um abraço de despedida – “Quero ser como você quando crescer!” falei toda orgulhosa depois de bagunçar aquela cachopa loira, agora toda crescida e cheia de propósito.

Quando o Cássio me ligou dias depois, fiquei impressionada com a seriedade da missão dele. “E aí, não era você que queria ajudar a mudar o mundo? Chegou a hora!”. Marcamos um encontro e de lá parti para conhecer a AAAPIP (Associação dos Artesões Amigos e Pescadores da Ilha da Pintada), uma escola que sobrevive de poucas doações para atender suas 140 crianças em uma região de risco às margens do Rio Guaíba.

A parte que mais toca nestes lugares é a capacidade altruísta do ser humano, mesmo quando ele não tem nada a oferecer. Ali naquele lugar vi crianças dividindo as poucas canetinhas para finalizar um projeto escolar com material reciclado.  Na hora do lanche, uma menina entregava a outra, que tinha mais fome, metade da banana que recém tinha ganhado. Quando o Cássio perguntou as crianças o que eles gostariam de reformar na sua escola, outra grande surpresa: “Quem sabe não fazemos casas para os pobres!? Eu tenho uns tijolos lá em casa! – disse um pequeno humanitário de oito anos de idade. Ele não devia ter muito mais que uns tijolos em casa, presumo eu, mas estava disposto a doá-los à gente com menos condições que ele. Isso por si só, foi um soco na minha cara. Eu estava tendo lições de filantropia de alguém com menos de uma década de vida, enquanto eu com três, não estava fazendo nada.

No cantinho da sala, entre uma brincadeira e outra, me pego a conversar com o Luizinho – bem, na verdade me disseram que o nome dele era esse, já que o Luizinho não falava muito. Tento uma aproximação, intrigada com o único da sala que não estava disposto a conversar com os visitantes – eu que sou uma tagarela, não concebia o conceito de uma criança se abster. Fiquei sabendo que o Luizinho tinha sete anos, o que me impressionou dada sua baixa estatura e seu corpo magro, que parecia de uma criança de uns cinco anos. Peço ao Luizinho para me mostrar as placas de rua que os alunos estavam customizando como parte no projeto “Mãos a Obra”, e com essa conexão, o Luizinho pega na minha mão pela primeira vez.

No espaço onde estão as placas, crianças brincam e se alimentam com os poucos recursos disponíveis. Durante esse tempo todo, Luizinho embala uma boneca nos braços com zelo e carinho de quem entende que aquilo é assunto sério – nanar uma criança. Pergunto se a boneca é a irmãzinha dele, e ele diz que não. Pergunto se ele estava imitando o pai dele, e o Luizinho me conta que não tem pai, só mãe.  Ali na minha frente estava uma criança que não tinha pai, brincando de ser pai. Tento trocar de assunto, perguntando o que o Luizinho quer ser quando crescer: – “Professor”, diz ele sorrindo, um sorriso que esperei a tarde toda.

A história do Luizinho tocou-me porque ele é um menino que apesar da falta de referência paterna e de frequentar uma escolinha sucateada, ele entende a importância da educação – em casa e fora dela. Talvez ao embalar aquela boneca, ele só quisesse ser embalado pelo pai dele, e mesmo sem o pai, ali estava ele, disposto a dar esse carinho para alguém. Talvez quando ele diz que quer ser professor, o Luizinho quisesse que outras crianças tivessem mais recursos que ele. Então veja, mesmo com o pouco que ele tem, ele estava disposto a dar tudo que é dele em RETORNO. Depois da nossa conversa, engoli minhas lágrimas e segurei o estomago revirado dentro da barriga. O Luizinho queria me arrumar e eu não podia decepcioná-lo. Sentei na sua pequena cadeira, enquanto ele escovava meu cabelo e passava neles o pouquíssimo gel que tinha. Colocou-me os óculos de sol que encontrou entre os brinquedos, ajustou o meu lenço do pescoço e disse: “Pronto, tá linda!”. Não, Luizinho. Você é lindo. E eu quero ser igual a você quando crescer.

Na saída da escola, ganhei um abraço do Luizinho, abraço esse que dei toda engasgada. Agradeci a oportunidade ao Cássio e aceitei fazer parte do desafio Mãos à Obra, antes de rapidamente me esconder no meu carro para chorar o choro que segurei a tarde toda. Virei madrinha do Luizinho no projeto de reforma da escolinha. E vou recolher os reais necessários pra garantir que ele vai ter escola, vai ser professor e vai ser um pai muito melhor que o dele. Ele, em retorno vai fazer de mim uma pessoa que não apenas senta e assiste, mas que vai lá e faz. Alguém que não espera os governantes, ocupados demais com a corrupção, mas que arregaçou as mangas e se tornou parte da mudança. Até porque o Luizinho não vai esperar para crescer apenas quando o país decidir se vai ou não cuidar dele. O Luizinho me prometeu que em retorno vai continuar a ser um bom menino e que vai sorrir mais.

E quem de nós consegue ficar alheio à oportunidade de fazer uma criança sorrir? E sorrir em retorno?


Fim da sessão.

Quer ajudar o Luizinho e seus colegas? Mãos à Obra!

www.catarse.me/maosaobra

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Antônia no Divã

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