Suspiros

Preciso de um amor pra velhice

em
7 de junho de 2017

Preciso de um amor pra velhice

Eu nunca me vi tendo a necessidade de um relacionamento. Sabe, eu gosto de enrolar meus pés em alguém querido embaixo das cobertas. Amo beijos estalados. E adoro sexo com sentimento. Mas eu nunca pensei comigo “meu Deus, preciso de um relacionamento”. Eu preciso de dinheiro na minha conta. Preciso baixar meus triglicerídeos. Preciso trocar o óleo do meu carro. Ou seja, eu não preciiiiiso de amor. Amor me parece muito mais uma escolha do que uma necessidade, concordam?

OK, talvez eu esteja sendo um pouquinho infame quanto a “não precisar” de um amor porque a minha idade ainda me permite algum desdém (ou certa infantilidade). Veja, eu ainda olho pra minha bunda no espelho e consigo me achar um tesão. Cuido da maioria dos meus perrengues com um pé nas costas. Adoro a minha companhia, e dificilmente me sinto sozinha. Minha família me quer (na maioria das vezes) por perto. E eu tenho uma pá de amigos que largariam tudo para tomar uma gelada comigo. E isso é muito legal, mas é também uma condição associada à juventude. Foi aí que pensei que amor e necessidade poderiam sim, estar relacionados, quando colocarmos o fator idade na equação.

Hoje me peguei catando conchinhas na beira da praia. Fui de manhã cedo quando o sol não estava tão forte. E porque segundo um amigo-aspirante-a-companheiro me disse, eu tinha que “movimentar a minha carcaça preguiçosa” para viver mais anos. E ele não podia estar mais certo. Enquanto eu escolhia as conchas de cores lindas com cautela, o rapaz de corpo atlético e olhos da cor do mar, caminhava alguns passos a frente, dando soquinhos no ar, simulando uma luta – como os garotos fazem, sabe? Ele aguardou com paciência eu pegar uma a uma das conchas que queria. E quando finalmente o alcancei no fim da praia, beijou a ponta do meu nariz e disse como eu ficava linda sob a luz do sol.

Foi ali que eu me dei conta de que em algum momento, eu vou sim precisar do amor de alguém. E não estou dizendo aqui que todo mundo precise. Mas eu vou precisar. Quando a minha bunda não for mais motivo de orgulho, eu quero que alguém ainda olhe pra ela com interesse – me convencendo de que a beleza da minha retaguarda, será por onde ela já sentou para olhar o nascer ou pousar do sol. Quero que alguém beije as minhas marcas de sorriso – aquelas injustamente chamadas de “pés de galinha” – e as aprecie por serem marcas da alegria de uma vida inteira. Quero alguém preocupado com meus triglicerídeos e com o óleo do meu carro, quando a minha memória tirar o melhor de mim.

Alguém que faça questão da minha companhia, quanto eu já não for mais tão independe, e meus filhos já não tiverem mais paciência para a minha rabugentice. Ou quando a maioria dos meus amigos já tiver partido para festa no andar de cima. Alguém que me ajude a achar meus óculos, quando os mesmos estiverem na cabeça.

Preciso de um amor pra velhice porque em algum momento da vida a gente precisa ser lembrada que valor não tem validade, que a beleza está além do colágeno e também porque já não serei tão jovem a ponto de achar que sei de tudo. Preciso de um amor pra velhice, pra fazer dela a melhor idade. Aliás, preciso e quero um amor pra velhice.

Nem que seja pra ver aquele belo sorriso e a aquela careca refletindo o sol, aguardando pacientemente, enquanto eu pego conchinhas na beira da praia.

Fim da sessão.

Palavras-Chave
SESSÕES RELACIONADAS
Status social: cansada

28 de julho de 2019

A vida moderna da mulher solteira

30 de junho de 2019

O pé na bunda

21 de março de 2019

3 Comments
  1. Responder

    Fabiano

    14 de junho de 2017

    Seu divã foi a melhor descoberta! Feliz por você ser tão generosa!um beijo

  2. Responder

    Gleyton Araújo

    12 de junho de 2017

    Hoo, precisamos de fato! Mas enquanto a possível idade para reflexão assim não chega, deixo o amor pra outra pessoa. ???

  3. Responder

    Fátima Cunha

    8 de junho de 2017

    Fiz do seu (nosso) divã meu lar… <3… Gratidão!!!

DEIXE UM COMENTÁRIO

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Aline Mazzocchi
No divã e pelo mundo

De batismo, sim, Aline. Mas eu precisei do codinome Antônia - do latim "de valor inestimável" - para dividir minhas sessões públicas de escrita-terapia. O que divido aqui é o melhor e o pior de mim, tudo que aprendi no divã e botando o pé na estrada. Não para que dizer como você deve ver a vida. Mas para que essa eterna busca pelo auto-conhecimento, não seja uma jornada solitária, ainda que pessoal e intransferível. Então fique a vontade pra dividir o divã e algumas boas histórias comigo. contato@antonianodiva.com.br

PESQUISE AQUI