luto

Há vida após a morte


É engraçado pensar que a gente se ocupa tanto em entender “o outro lado”, que esquece de se preparar para aquilo que acontece do lado de cá, quando alguém vai embora. Hoje fazem 4 anos que o luto me ensina a olhar a vida depois que a vida se vai, e eu confesso, eu aprendi tanto que sou grata na mesma proporção que furiosa com a educação que recebi com as entranhas viradas do avesso e enorme nó na garganta. 

Eu preciso dividir com vocês que há vida depois da morte. Não no céu, ou no inferno, mas aqui. Onde ambos se encontram. No céu de pensar que eu fui sortuda de ter um amigo pra chamar de irmão, uma família que me deu apoio a cada minuto que eu tive medo na ausência dele. No inferno porque saudade é um buraco que queima como azia, e porque só de pensar no que meus pais sentem em um dia como hoje, eu me sinto a mais inútil das criaturas que habita esse planeta.

Algo dentro de mim me diz que meu irmão teria sido muito melhor na luta do luto do que eu. Eu me tornei aquelas pessoas cuja vida foi marcada por um aprendizado dolorido, e que por isso pontua seus insights sobre despedida nas conversas mais aleatórias. Acho que saber que a vida é um sopro me ensinou a botar tudo em perspectiva, e nada ao mesmo tempo, porque quando acho que entendi as coisas, o tempo passa, o sentimento muda, e de novo eu vejo que voltei a estaca zero naquilo que jurava entender com maestria. 

Sim, hoje eu dou flores aos vivos, mas tem pensamentos que eu só divido com quem já não pode mais me escutar. Eu planejo viagens que nunca vão acontecer, que beiram o faz-de-conta infantil que marcou a nossa infância. E também pratico a maturidade de perceber, a dura perdas, que a gente nasce sozinho, morre sozinho e isso é assustador na mesma medida que nos dá asas libertadoras. Eu cheguei às profundezas de uma tristeza que me esvaziou por meses, para anos depois entender que eu podia ser feliz mesmo depois de tudo. Esse sendo o maior aprendizado de todos. Eu podia ser feliz mesmo depois de tudo. 

A verdade ecoou como um tiro.

Eu senti culpa na primeira vez que sorri depois que ele se foi. Me senti traindo sua memória quando passei o primeiro dia sem lembrar do que tinha acontecido. O tempo funcionou diferente em cada um destes últimos 4 anos. E hoje me dói, ao mesmo tempo que me alivia, saber que a vida seguiu, que eu sigo amando ele como nunca amei ninguém, mas que ao contrário de tudo que pensei quando o mundo ruiu, eu aprendi sim a ser feliz sem meu irmão. Não é a melhor das felicidades, é uma felicidade diferente, incompleta, mais egoísta do que altruísta. Uma versão que me apropriei para sobreviver a dor, pra fazer justiça com a minha história, praticar a auto-cura, e que foi se transformando e deve seguir em mutação.

Já pedi desculpas inapropriadas milhões de vezes por sentir que minha alegria era tão imoral, e sem querer parecer louca, tenho certeza que ouvi meu irmão me mandar tomar no cu em resposta, de lá do céu, todas vezes que isso aconteceu. Porque talvez ele seja a pessoa que mais torceu por este meu aprendizado. E que sempre desejou, de onde quer que esteja, que houvesse vida depois da morte. Não qualquer vida, mas uma vida feliz. Não todos os dias, claro que não, hoje mesmo não tem como ser. Hoje eu sou só saudade. Mas amanhã eu vou ser feliz de novo. Até o dia em que daqui da Terra eu já não peça mais desculpas por isso, e nem ele, de cima de uma nuvem, me mande tomar no cu. 

“Vai tu, guri. Te amo!”


Fim da sessão

Antônia no Divã

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Antônia no Divã

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