Efemérides

Somos o que permitimos

A grande vantagem de ter feito terapia boa parte da minha vida adulta é ter plena consciência das responsabilidades que me cabe quanto as minhas relações, e em como como as pessoas me tratam. Dificilmente eu escapo de uma meia culpa, toda vez que fico decepcionada com alguém. Eu gostaria de bater pé e me sentir injustiçada cada vez que alguém não atende as minhas expectativas, mas a fase sem auto-crítica já passou. A parte ruim deste estado de espírito, é que aquilo que permitimos passa a ser responsabilidade somente nossa. A parte boa também. Eu explico.
Dia destes falava com uma amiga sobre como ela se relacionava sempre com o mesmo tipo de sujeito. Ciumentos e com uma boa dose de infidelidade envolvida (como costumam ser os casos de ciúmes injustificados – indícios de gente medindo os outros pela própria régua). Assim eu ouvia com atenção ela reclamando de que mais uma vez se enxergava do lado de alguém que a controlava ao mesmo passo que a traía. Na cabeça dela, tinha um quê de destino na coisa toda. Na minha não. “Como pode que eu sempre atraio esse tipo de pessoa?”, ela me perguntava. Eu, como a  auto-analista que sou, respondi da forma mais pessoal possível. “Amiga, não vou te dar a resposta sobre como tu deve ver isso em ti, mas sim como eu vejo isso em mim: nós somos exatamente aquilo que permitimos”. Claro que ela não gostou da resposta. Mas essa é a primeira fase de assumir responsabilidade: o gosto amargo da escolha.

(Olha só, vamos entender que aqui eu parto do pressuposto que estou tratando de relacionamentos cujo poder é balanceado. Não estou falando aqui de relacionamentos abusivos, e muito menos de pessoas em situação de risco ou opressão, acreditando que elas passam por isso por escolha. Não. E a estas toda a minha empatia. Eu estou falando de você e eu, que vez que outra se pega no perrengue simplesmente porque não bota limite nos outros.)

Então como eu dizia,  eu acredito que somos o que permitimos ou não permitimos ser.

Aqui também não estou dizendo que minha amiga gosta de ser enrolada pelos namorados delas. Mas que, via de regra, as mudanças só acontecem quando a gente investe nelas. Todo mundo funciona sobre de padrões. Todo mundo. Seja de comportamento, ou de perfil de relacionamento. Eu mesma não sou melhor do que a minha amiga, e por isso uso minha própria experiência para estas conclusões. Frente às minhas confusões do coração, eu por exemplo, sempre que apaixonada, tendo a fazer uma entrega completa e excessiva. Eu acabo oferecendo deliberadamente tudo que é meu ao meu escolhido, da carteira, às chaves do carro. Do apoio emocional, ao trampolim profissional. E não é nenhuma surpresa que acabo ficando putassa quando o mínimo não vem de volta.

Entretanto verdade é que,  alguém me obrigou a fazer isso? (de novo, e de novo, e de novo) Não. Eu fiz sozinha, em mais de uma ocasião, em momentos distintos da vida, com pessoas diferentes. Esse é meu padrão de entrega: eu permitindo muito mais do que o meu juízo aconselharia e me arrependendo na primeira oportunidade. Qual a única constante entre as diferentes situações: euzinha. A minha responsabilidade com as coisas que eu permito.

Assim são todas as nossas relações. A gente mantem os vínculos, as manias, as exigências do outro porque simplesmente nós permitimos. O problema é que na grande maioria das vezes nós culpamos a falta de bom senso/crítica/sifragol dos outros, e dificilmente enfrentamos a nossa permissividade de frente quanto aquilo que discordamos. Tenho uma conhecida minha que recebe visitas indesejadas toda semana. Pergunto “mas a senhora já tentou explicar que gosta de receber visitas apenas sob determinadas condições ou dias?”. “Claro que não”, ela respondeu, “isso seria rude da minha parte”. E assim como ela, a gente segue aguentando nossos desgostos com medo de ser rude/sincero, esperando o outro adivinhar as nossas expectativas e limites.  Acontece que quem aqui tem tempo pra viver sendo educada em prol da tranqüilidade alheia? Hein? Na nossa família é a mesma coisa. A gente confunde amor incondicional com ausência de limites.

Dia desses tive uma conversa muito desconfortável com meu pai a respeito dos feedbacks dele. A conversa foi horrível, porque afinal, era algo que me atrapalha há anos e eu finalmente tinha tido coragem de dizer com todas as letras o que não gostava. Hoje o vejo ponderando suas opiniões cada vez que discordamos. E isso me trás uma imensa satisfação. Não só ele me ouviu, como vem respeitando aquilo que eu não ia mais permitir. E respeitar é uma forma linda de amar, não é mesmo?

É importante também lembrar que permissão é tão importante para aquilo que a gente não gosta, como para aquilo que merece. Essa semana consegui uma família que botou o pé na estrada por 3 anos, com seus filhos pequenos simplesmente porque se permitiu. Eles voltaram da viagem com um legado lindo de histórias e relações fortalecidas. Mesmo quando todo mundo julgou a decisão como sendo uma loucura. E falando a verdade, quantas vezes não nos permitimos agarrar um sonho bobo, em detrimento de uma responsabilidade imposta pelos outros? Ou já caiu na besteira de se permitir ser feliz em desacordo com o que diz a (metida) sociedade? Sua família? Sua igreja? Já parou pra pensar o quanto a vida é curta para caminhar por ela em cima de ovos?

E foi meio exausta de pedir licença ou engolir sapos que eu comecei com essa prática sincera de definir permissões sob meus parâmetros, e de ninguém mais. Ela é bem dolorida para no início, mas eficaz no primeiro minuto. Através dela combinei uma comunicação melhor com pessoas que eu amo. Passei a dizer não e informar as pessoas o valor do meu tempo. Deixei de me influenciar por gente que “pedia ajuda” para então enfiar um pepino no meu rabo. Negociei acordos com os irmão pequenos para que seus olhinhos lindos não me fizessem de capacho. E prometi pra mim nunca mais abrir conta conjunta com ninguém.  Veja, o mundo é um maravilhoso universo de negociações e permissões, e na maioria das vezes somos respaldados de escolhas.

O problema reina em que a grande maioria de nós culpa os outros de como nos tratam, mas não se responsabiliza por exigir mudanças de atitude, ou mesmo, passar pela dura escolha de cortar vínculos. A pergunta que você deve fazer é, o quanto do que tu permite te define? Quanto mais você assume a responsabilidade de suas permissões, mais você escolhe ativamente ser feliz e respeitado. Somos o que permitimos. Agora você é quem escolhe.

Fim da sessão.
Antônia no Divã

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Antônia no Divã

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