Efemérides

O que a gente ganha, quando a gente perde

em
27 de março de 2018

Ontem à noite eu trabalhei até tarde, e decidi não dormi na cama com meu namorado. Ele tem o sono leve, acorda às 6h da manhã, e fazer minha rotina pré-cama poderia acordá-lo. Na última vez que fiz isso ele perdeu o sono, e não foi legal. Então às 3h da madrugada quando terminei minhas tarefas, eu preferi dormir no quarto de hospedes. Às 5h da manhã ele acordou gritando assustado. Não sabia onde eu estava e antes de investigar no quarto ao lado (ou no post-it que deixei na porta), preocupou-se com a minha ausência na madrugada. Veja que no meio da noite nos pegamos discutindo se era pior eu ter ido pra cama e o perturbado, ou ter lhe dado o susto de acordar com meu travesseiro vazio.

Essa história é tão corriqueira que quase perde a mensagem na sua simplicidade. Depois deste pequeno ajustes de conta entre um casal, entendi que, para o cara que me ama, pior do que ser incomodado, é ter uma vaga ideia do que é perder quem, por vezes, incomoda.

Essa conclusão não me caiu do céu por conta da minha estranha rotina noturna. Claro que não. Ora, veja que estamos chegando à conclusão de mais campanha de doação de sangue, e as histórias, embora diferentes a cada edição, sempre me fazem pensar a mesma coisa. É impossível entregar um pouco de si, sem receber um tanto de volta.

Quanto mais a gente se envolve com essa coisa tão humana, mas tão rara, de ajudar alguém sem olhar a quem, mais a gente aprende. Sobre ganhar, e sobre perder. Durante esse processo de comoção massiva, conheci histórias muito tristes.  Histórias de perda, que me ajudaram, a todos os momentos, a colocar em perspectiva a minha própria dor. Histórias de luta. Que me fizeram repensar minha trajetória, meus projetos. Meus sonhos. Coisa louca né? Essa de se permitir sonhar em ser feliz depois de nossas pequenas e gigantescas tragédias.

Mas afinal, o que a gente ganha, quando perde alguém?

Eu confesso que revisei os ensinamentos divinos logo que perdi meu irmão. Eu busquei ajuda em casa espírita. Eu conversei com gente inteligente. Busquei livros. Pensei em escrevê-los. É perturbadora essa busca por respostas. A gente ouve durante o luto inteiro que “tem que aprender alguma coisa com aquela perda”. Mas pouca gente mostra onde fica essa escola de aprender lições tão duras. Onde tá o material didático pra transformar dor em amor, elevação espiritual ou outro equivalente positivo. É um processo completamente autodidata, e eu que fui boa aluna a vida toda, me vi repetindo as mesmas provas várias e várias vezes nesta matéria.

Até que a decisão de sobreviver, persevera. Perder e transformar a perda em algo positivo, não é coisa de gente especial, lhes garanto. É coisa de sobrevivente.  Eu inventei a doação de sangue porque eu precisava de um projeto para canalizar a minha energia (positiva e negativa). Pura e simplesmente.

E como sobreviver talvez seja um reflexo, mais do que uma escolha, eu me vi botando o nariz pra fora d’água cuidando da dor do outro. Eu voltei a me sentir forte, porque precisava ser forte pela minha família ou pela dor de estranhos. Eu passei a curar minhas lagrimas, quando conheci gente com lágrimas mais urgentes. Eu reforcei presenças, quando senti o peso de outras ausências. Dessas que podem durar um minuto, ou o resto da vida.

Eu aprendi que a gente ganha muito quando perde. A gente ganha propósito, quando perder a razão de viver assusta. Ganha uma urgência de dizer eu te amo para as pessoas que importam. A gente também perde muito. Perde o medo de sentir dor. Perde a vergonha de lutar, quando ganha motivos para acreditar. Ganha vida, frente à morte. Não que não houvesse vida antes, mas nada como a ótica do fim eterno, pra acender em você uma vontade de viver melhor. Mais feliz. De forma mais significativa.

É aquela coisa, se a minha vida acabasse hoje, como seria a minha história? Daria um bom filme? Teria perdido mais do ganhado? Faria diferença? E essas questões são tão existenciais quanto exigentes.

Querendo ou não, tudo isso eu aprendi perdendo o meu irmão. Aprendi que tem gente com abismos muito maiores que os meus, e que, precisam muito de um ombro. Que precisam de uma fagulha de esperança. Eu entendi que todo mundo tem ou terá que aprender a perder, e resignificar o que é ganhar.

E fazer isso ao lado de outras pessoas, conforta o coração. Porque a gente entende que não está sozinho neste eterno jogo de perder e ganhar.

Quando o meu namorado me perdeu (por míseros 30 segundos e dentro de casa), involuntariamente passou pela cabeça dele me perder pra sempre. Então quando me encontrou, eu ganhei um abraço forte. Perder e ganhar. A gente ainda vai aprender muito com isso.

Mas afinal, essa não é mesmo a parte mais importante do jogo?


Fim da sessão

 

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1 Comentário
  1. Responder

    Dulce

    28 de março de 2018

    Perder… ganhar… escolhas… na Vida ao fazermos escolhas ganhamos algo e perdemos algo… no luto, quando “perdemos” alguém que amamos, ficamos em transe e só saímos dele quando resolvemos nos doar a quem precisa tanto quanto nós. Aí a dor acalma e se torna uma escolha. Feliz Páscoa Antônia e que o Amor ressurja sempre em seu coração! É o que importa!

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Aline Mazzocchi
No divã e pelo mundo

De batismo, sim, Aline. Mas eu precisei do codinome Antônia - do latim "de valor inestimável" - para dividir minhas sessões públicas de escrita-terapia. O que divido aqui é o melhor e o pior de mim, tudo que aprendi no divã e botando o pé na estrada. Não para que dizer como você deve ver a vida. Mas para que essa eterna busca pelo auto-conhecimento, não seja uma jornada solitária, ainda que pessoal e intransferível. Então fique a vontade pra dividir o divã e algumas boas histórias comigo. contato@antonianodiva.com.br

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