Efemérides

O porquê das histórias…

Sempre que eu penso como comecei a contar histórias, eu lembro da minha mãe. Talvez porque desde sempre ela me mostrou que, contando histórias, a gente era capaz de viajar, aprender e compartilhar com o mundo aquilo que era nos era importante. Se eu fechar os olhos hoje, volto 30 anos atrás, no chão no meu quarto, recortando de uma cartolina amarela uma galinha e seus dois pintinhos. A minha mãe então me ajudou a escrever a história daquela família, registrando o que hoje eu lembro como o meu primeiro best-seller. Uma classe inteira de crianças adorou a criatividade do meu conto, e pronto, eu estava fisgada! E assim também, estava fadada a querer contar histórias para o resto da minha vida. 

Eu escrevi cartas a vida toda. Escrevia-as primeiramente para uma amiga que havia se mudado para o Canadá, levando com ela parte do meu coração e uma enorme saudade. Eu tinha 7 anos, e nas cartas contava sobre a simplicidade do meu dia-a-dia na segunda série e a complexidade dos meus sentimentos. Eu nunca antes tinha sofrido uma separação significativa, então através da minha escrita torta, eu tentava explicar a amiga o vazio do meu peito infantil, entendendo pela primeira vez que minhas palavras tinham o poder de ir para longe abraçar alguém. Anos depois passei a escrever cartas para amigos mais próximos, porque afinal, na época ferramentas como e-mail, chats online e Whatsapp não existiam. Ainda assim, eu precisava registrar as minhas palavras, e por isso enfiava a escrita como forma de representação do que eu pensava a qualquer oportunidade. 

Com 25 anos, eu tive uma epifania. Comemorava meu aniversário em Amsterdã regado a pouco juízo, álcool e um bolo de ingredientes suspeitos, quando eu me dei conta do risco de perder aquele momento na minha memória afetada por alucinógenos. Foi neste dia, que há 10 anos, me comprometi a registrar as minhas vivências de uma forma ou outra. E tudo começou pelo medo que eu tinha (e tenho!) de que em algum momento na minha velhice, eu viesse a esquecer as memórias afetivas que acumulava – e eu acumulo muitas! Eu queria poder me lembrar da sapequice do meu coração viajante, queria ter certeza que me recordaria de pessoas que conheci, das experiências que tive. E acima de tudo, queria congelar o tempo, nem que fosse uma pequena amostra dele, de algo ou alguém que me fez sentir viva. Feliz, triste, surpresa, apaixonada.

Com frio na barriga, ou o coração na boca. Ou seja, intensamente viva.

Quando os meus irmãos gêmeos nasceram, eu passei a registrar as histórias deles. As descobertas e pontos de vista tão peculiares que ganhei com esses dois sopros de alegria e genialidade deles. Quando o Leonardo faleceu, eu me dei conta de que tudo que havia ficado dele eram as nossas histórias. Nossa aliança de anos de parceira. E mais uma vez, a escrita foi fundamental para eu registrar sentimentos tão importantes e curar, nem que fosse um pouquinho, a saudade visceral que ele deixou. Me agarrar essas histórias foi a forma que que encontrei de sentir ele perto, mesmo que distante. Presente, mesmo na ausência. 

São as histórias que me motivaram a tomar as iniciativas que mais me deram orgulho, e foi através das histórias que eu consegui engajar muita gente nos meus inúmeros planos de mudar o mundo. Para cada estranho na rua, eu imagino histórias. É através delas que eu me conecto com quem quer que seja. Em cada mesa de bar onde conto e coleciono narrativas. Vendendo, ensinando, persuadindo, procrastinando – lá estão elas, as histórias, pensadas para cada audiência e cada propósito. Do meu Querido Diário, a tese de dissertação, ao Antônia no Divã, o poder inquestionável de uma boa história se renova pra mim a cada parágrafo. Porque no final de tudo, quando o resto de mim virar pó, lá estarão elas, de novo, me fazendo justiça. “Lembra daquela vez que a maluca da Antônia fez isso?” “E aquele texto dela que viajou o mundo, como era mesmo o nome dele?”.

É assim que eu quero ser lembrada. Esse é o meu legado. Hoje falando com um amigo/mentor/parceiro de crime sobre o Clube de Escrita que quero criar, eu chorei explicando a importância do tema pra mim. E me dei conta que chorava porque o meu objetivo de vida é provar o valor que cada história tem. A minha, a sua. Seja registrando um momento marcante, seja aprendendo com uma dor indiscritível, ou escrevendo uma carta difícil para alguém que ama. Isso porque eu acredito que tudo nessa vida é passageiro. As histórias não, as histórias são eternas. 

Fim da sessão

Antônia no Divã

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Antônia no Divã

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