Efemérides

As palavras e eu

Desde pequena eu sempre fui encantada com as palavras. Logo que uni minhas primeiras sílabas fiquei chocada com a lógica de que, juntando um punhado de letrinhas que sozinhas não tinham o menor significado, elas formavam palavras que descreviam o meu mundo. “Bo-la” “ca-ma” “va-ca”. Eram palavras simples no início, mas eu pirava nas possibilidades. Minha mãe, como alfabetizadora colocava a maior pilha, e logo me ensinou que com as palavras eu podia contar histórias. E mais do que palavras, eu amava histórias.

Lembro até hoje da primeira história que inventei. Estava na pré-escola, e fiz com cartolina amarela e todo esmero uma galinha e dois pintinhos – eu tinha ganhado um irmãozinho havia pouco tempo então a trama era praticamente a minha primeira biografia, aos 6 anos. Não era nenhuma obra prima, mas lembro de contar a história para a minha mãe, e ela jogar todas as minhas palavras num lindo papel com linhas rosinhas. Fiquei muito entusiasmada – através das palavras eu podia registrar meus pensamentos, meus sentimentos, minhas histórias. Foi amor à primeira escrita.

Meu amor então foi crescendo. Passou pela fase das histórias em quadrinho, depois foi para os livros. Era uma voraz leitora, e muito mais, uma ágil escritora de cartas. De todo tipo – amizade, amor, de fã club do Leonardo di Caprio e dos Hanson. Tão logo veio a internet lá pra casa, a escrita significava alcançar o mundo, e logo minhas cartas viraram e-mails. Passava horas saboreando a escrita em sites de conversas do Terra, longas esperas da internet discada aos domingos para poder escrever para os meus amigos (aqueles que eu via diariamente na escola) tudo o que eu pensava no mIRC, ICQ e no mais recente falecido MSN. Aquela caixa vibrando contendo uma mensagem escrita era o mais próximo que eu chegava da excitação na adolescência.

Cresci e a escrita virou coisa séria. Contratos, orçamentos, briefings. Sofria ao ver tantas das palavras que eu gostava gastas em campanhas sem sentido, ou promessas sem verdade. Achava que trabalho muitas vezes prostituia aquilo que tanto amava em certas expressões. As redes sociais explodiram e deram voz para tanta gente boa, e tanta gente ruim também. Entre todas essas pessoas, me vi timidamente como a escritora de 6 anos de idade, lá traz, voltando a escrever mais histórias sobre a galinha e seus pintinhos. Minha voz voou longe, e quando percebi, eu criava um espaço de troca de mensagens com gente que nunca conheci, mas que como eu, amavam histórias.

Nos últimos 2 meses, buscando palavras para aquela que podia ser a minha primeira obra oficial, vi-me paralisada sobre o teclado e a tela branca (que saudade da folha de linhas rosinhas). Nervosa por acreditar que pudesse estar perdendo as palavras de dentro de mim, joguei-me em uma procissão extensa lendo um livro atrás do outro. Quando percebi somava a 6ª obra de autores diversos em menos de 30 dias. Irritei-me por parecer tão fácil. E porque quando mais precisava das palavras, as minhas palavras, mais elas pareciam fugir de mim. Esbravejei por dias usando expressões de baixo calão – vocábulos dos quais eu não gosto tanto, mas que tem um efeito incrivelmente terapêutico na hora de extravasar.

Foi quando um dia conectei o celular na internet, e o whatsapp pipocou. Pensei que era mais algumas das palavras engraçadinhas que alguém jogava num grupo, e que sinceramente, ninguém dá muita bola. Mas não. Era uma mensagem da minha mãe. Aliás, do número dela. A mensagem dizia: “MANA EU ESTOU COM MOITA SAUDADE VOLTA LOGO EU TIAMO. MURILO”.

Dei-me conta que com a mesma idade que eu, o Murilo agora já ensaiava os seus primeiros versos. E com muito pouco, decidia deliberadamente me lembrar de lá do outro lado do mundo, o poder e o sentimento que podem carregar as palavras certas. E com esse simples gesto dele, fiz as pazes com palavras. Lembrei-me que não precisava correr atrás delas, porque elas estavam guardadas dentro do meu peito. E agradeci por através delas poder dizer tudo o que realmente importa.

“Murilo, a mana volta logo e também está morrendo de saudades. Te amo.” Mana.


Fim da sessão.

Antônia no Divã

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