Crônicas

Tá liberado

em
2 de abril de 2020

Tá liberado não virar fit na quarentena. Não é todo mundo que se motiva com uma live (ou 700, e todas ao mesmo tempo) no Instagram para começar a fazer yoga. Eu tentei. Passei 3 dias com dores no corpo que beiravam a loucura que tinha contraído o vírus, mas tudo era castigo. Castigo dos meus músculos que me diziam – “dá pra tu começar simplesmente se alongando, antes sair fazendo a cobra, ou o cachorro, ou qualquer outra posição animal, enquanto encomenda o tapete da prática pela Amazon?” Dá sim, Namastê. 

Tá liberado não se ocupar constantemente do quanto você está comendo a mais. Ou ter sorvete como alternativa ao ansiolítico. Tá liberado também o ansiolítico se você precisa e usa com orientação. Até porque se a maior preocupação deste momento é o tamanho do corpo, e não do buraco da alma, a gente tava merecendo mesmo um tempo para pensar. Tá liberado inclusive pensar porque come o que come. E escolher, assim, só por precaução, alternar o sorvete com práticas de nutrição saudável e funcional. Nada mal uma vitamina-C presenteada num suco de laranja, só pra dar um up na imunidade. Tá liberado virar vegano, e tá liberado também não virar. Importante mesmo é não comer todos os sentimentos, mas tá liberado adoçar alguns com o bolo de chocolate que você fez com amor e tempo, só porque quis.

* Tá liberado o vinho sempre que possível e água o tempo todo. 

(AC/DC* = regra de vida Antes do Corona/Depois do Corona).

Tá liberado ficar de pijama, enforcar o banho vez que outra. Usar o vestido de lantejoula pra fazer video-balada cazamiga. Ler e estudar, ou não fazer porra nenhuma. Meter o loco e catalogar as fotos no computador. Fazer vídeos caseiros da sua última viagem, postar TBT todo dia, até porque todo dia neste momento, parece um TBT. “Saudade da vida lá fora”, “saudades de você”, “saudades de não ir no supermercado de máscara”, de não discutir por papel higiênico, e não se higienizar constantemente. Saudades de assistir Netflix e não ficar pensando “PAREM DE SE ENCOSTAR!”. Agora assisto até os meus pornôs preferidos pensando comigo, “será que passaram álcool-gel naquele vibrador?”. Tempos simples aqueles que a gente tinha tesão com sexo, e não com a ideia de ter as maçanetas da casa todas limpas, não é mesmo?

E por falar em tesão, tá liberado transar quando quiser. Sérião. Com quem você mora, ou consigo mesma. Masturbação é uma questão de saúde púb(l)ica neste momento. Aos casais heteronormativos, apenas evitem redobrar o tamanho da população, eu lhes peço. A economia não conseguiria lidar com tanto capricorniano, e você não quer de ver sua prole conhecida como “Geração Corona”. Aos solteiros, tá liberado aproveitar os apps, que finalmente servem para conversar, e não são mais tele-entrega de encoxada. Eu mesma estou em um relacionamento sério com 5 garotos, cada um do seu bunker de isolamento. Penso que uma vez liberados pra vida real, vai ter que estar liberada também a poligamia, porque afinal, sairei desta com longos relacionamentos baseados em conexões (humanas e não wi-fi) profundas (de alma e não de orifícios). 

Tá liberado se sentir inútil por não poder ajudar. Mas lembre-se que você ajuda bastante protegendo a si e a todos, simplesmente curtindo o seu sofá. E tá liberado também ajudar como pode, checando o estado emocional das pessoas que ama, doando o que conseguir, ou jogando uma boa vibração pro mundo. Tá liberado se preocupar com dinheiro, porque afinal, é uma incerteza justa e atual. Tá liberado tomar ações de contingência, reduzir custos, prever alternativas seguras, e não ter medo de vender/adaptar o próprio peixe pra seguir sobrevivendo. 

Tá liberado apenas perseverar, e não necessariamente se superar em tempo de pandemia. Que estresse virou essa cobrança pelo auto-desenvolvimento em tempos de reclusão. Dá para encarar o auto-isolamento sem aprender francês. Sim, tá liberado. Tá liberado inclusive aprender a tocar violão, participar de corrente, abrir um negócio novo, fazer zumba na sala, e tudo que VOCÊ quiser. E se quiser ir na contramão de toda onda, também tá liberado. Afinal, tá liberado fazer o que for preciso pra cuidar da cabeça, do coração, da família. E tentar achar sentido e normalidade, numa situação que tem tudo menos isso, entendendo que momentos de parar, pensar e sentir, são mesmo muito desafiadores porque a gente vivia distraído com coisas menos importantes. Tá liberado sentir saudade do privilégio da liberdade, de olhar para os sentimentos e dúvidas, reconhecer o elefante presente no recinto e abraçá-lo com compaixão. 

Tá liberado pedir ajuda. Como na semana passada, pedi pro amigo tagarelar no telefone sobre a série chata que ele tava vendo no meio do meu ataque de pânico, somente pra simular controle até eu poder conquistá-lo. E tá tudo bem. Tá liberado. 

Tá tudo liberado. Só não tá liberado circular por aí de forma irresponsável e passar por isso sozinho. O resto, tá liberado. 

Combinado?

Fim da sessão

ps: tá liberado compartilhar ou comentar a sessão depois de lavar as mãos – esse texto foi higienizado para a sua segurança. :)) 

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1 Comentário
  1. Responder

    Dulce

    2 de abril de 2020

    Tá liberado ter medo mas, mesmo assim, pensar no que fizemos, nós, a “humanidade” com os animais, as plantas, o planeta…
    Tá liberado se perdoar por não ter feito a lição de casa e prometer que vai fazer, quando tudo isso acabar…
    Mas, principalmente, tá liberado colocar o Amor em alta e fazer dos abraços e dos sorrisos, cartão de visita…quando tudo passar!!!

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Aline Mazzocchi
No divã e pelo mundo

De batismo, sim, Aline. Mas eu precisei do codinome Antônia - do latim "de valor inestimável" - para dividir minhas sessões públicas de escrita-terapia. O que divido aqui é o melhor e o pior de mim, tudo que aprendi no divã e botando o pé na estrada. Não para que dizer como você deve ver a vida. Mas para que essa eterna busca pelo auto-conhecimento, não seja uma jornada solitária, ainda que pessoal e intransferível. Então fique a vontade pra dividir o divã e algumas boas histórias comigo. contato@antonianodiva.com.br

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