Crônicas

Respeita meus cabelos brancos

Eu fui tomada por um desconforto nos últimos dias, que não me é natural. Normalmente eu sou bem assumida com as mudanças do tempo no meu corpo e na cabeça, ainda que fingindo. Mas com a chegada dos meus (muitos) fios de cabelo branco, uma nova leva de momentos constrangedores passaram a acontecer. É importante pontuar nesse assunto que eu não sou cega, ainda que míope. Ou seja, de pertinho, esses fios que saltam da minha cabeça, são observados com atenção faz tempo. Eu também não sou daltônica, porque ainda que fosse, isso não impediria de ver a diferença gritante entre o preto e o branco, além de que, meus cabelos brancos não apenas existem como se jogam pra fora da cabeça, porque né, não basta ser branco, tem que ser arrepiado. 

Tudo isso pra dizer que não precisa me avisar, tá? Eu sei que eles estão ali. Então dizer “Nossa, tu viu que tu tá cheia de cabelo branco?” ou o simples encarar as laterais da minha cabeça durante longos 2 minutos é desnecessário. Tenho comigo que não há uma ditadura da tintura pra qualquer pessoa achar que porque eu não pinto o cabelo, é porque eu não sei que ele tá branco. Eu sei. Eu escolhi pintar uma vez, e agora eu tô escolhendo não pintar pra ver como eu me sinto. EU me sinto. Não vocês. E por conta disso, eu tão pouco estou interessada se existe uma “revolução grisalha” atualmente ou que seu tio tem uma mexa muito charmosa. Primeiro que a sociedade encara o grisalho diferente para homens, que passam a ser vistos como maduros e interessantes (inveja dessa moda do patriarcado) enquanto nós mulheres somos vistas como desleixadas (ou desavisada, no meu caso). Segundo que penso que escolher não pintar não seja uma revolução. É uma escolha, e não a invasão de um país ou a derrubada de um governo. 

Sabe o que eu tenho vontade de fazer quando alguém encara as laterais da minha cabeça? Eu tenho vontade de encarar a pessoa de volta, devolvendo a indiscrição. Vou passar a fuzilar com os olhos o zíper da calça dos caras que sei que tem o pinto pequeno, e perguntar “tu viu que nem vestido dá volume? Tu percebeu?”. Ou apontar para as entradas da calvice e indagar, “E agora hein? Que tu decidiu? Chapéu, implante ou peruca?”. Ou ainda perguntar se a pessoa sabe que tem espinha / nariz grande/ marcas de expressão/ uma pinta na testa/ um bigode na cara, e como ela pretende resolver aquela expressão da própria natureza. “Tu viu? Tu viu que tu engordou/emagreceu/ficou mais velha/que teu peito caiu?” É claro que a pessoa viu! E tu percebeu que a gente ensina as crianças a não apontar, e quando é adulto acha que pode dar a própria opinião o tempo todo? Ora, que saco. 

Então olha só, já que é uma enorme novidade para alguns, eu tenho notícias: o tempo passou. É verdade. Minha cabeleira segue linda, farta, e agora, com um viés metálico que tem vida própria. Um sintoma de que eu cresci, amadureci, tipo fruta trocando de cor, indicando que tá na melhor fase pra ser consumida. É meu cérebro dizendo que o HD tá cada dia mais cheio, tal como o meu saco para opinião alheia. Eu vejo constantemente gente reclamando que tudo é resistência, e que as pessoas tão chatas fazendo um auê quando uma modelo decide não raspar os pelos da axila, ou uma Kardashian escolher maquiar toda a psoríase do corpo. Mas a culpa é da inquisição do padrãozinho. Deixem as pessoas. Escolhas não precisariam ser revoluções ou resistência se existir um mínimo de respeito por toda e qualquer decisão, seja ela de vida ou de cabelo. 

Até porque cabelo, se fosse tão importante não nascia lá né. E naquele lugar sim, eu não sei se tenho cabelo grisalho. Por sinal, talvez seja esta a proposta que eu deva fazer da próxima vez que alguém me perguntar se eu enxerguei os meus brancos na cabeça. “Na cabeça, sim. Quer me ajudar com os outros?” 

Respeita meus cabelos brancos. 

Fim da sessão. 

Antônia no Divã

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Antônia no Divã

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