Eu sempre me pego inquieta no dia das mulheres. Talvez pela enxurrada de hipocrisia que ronda a data. Neste dia a gente ganha desconto em produto de beleza, enquanto nos 356 dias do ano o desconto é no salário. 20,5%. Esse é percentual que o IBGE divulgou. A fatia que nos é tirada quando em comparação ao salário de homem. Até o desconto no batomzinho é menor.
É difícil pra todas nós. No mesmo dia que nos oferecem flores, nosso feed é recheado de notícias de feminicídio. Feminicídio, aquele termo que muita gente ainda tem dificuldade de entender que não é agenda política da esquerda, ou vitimismo. O ato cruel de agir contra a vida de uma mulher por entender que ela é propriedade de alguém. (E depois ser morta novamente no julgamento nas chamadas de jornal).
8 de março é um dia de luta. Eu dispenso as homenagens porque elas são uma distração para o que a data realmente significa. Não queremos ser exaltadas por nossa beleza e graça. Olha que coisa mais linda que é meu cérebro. Minhas atitudes. Eu quero respeito pela minha história. Pela história de todas nós. A da mulher que tem um terceiro turno em casa cuidando dos filhos e do marido, porque afinal “ele trabalhou o dia inteiro” (já tentou bater cartão em cima do salto e dar banho e comida em dois pimpolhos, bonitão?). A mulher que sustenta a família sozinha. Que é engenheira, baladeira, freira.
Talvez eu não seja uma boa referência no dia de hoje. Eu ainda tenho que provar minha capacidade de sol a sol pra mim mesma, e pra todo mundo-homem. E isso é deveras exaustivo. Posso dizer que a metade do meu trabalho é me convencer que eu posso. Tudo. Para depois correr quilômetros pra baixar meus triglicerídeos, exorcizar os meus demônios, mas também pra me livrar do peso que carrego na cintura, que me ensinaram a odiar. Eu amo meu corpo. Eu odeio quando usam ele contra mim. Para diminuir minha grandeza de espírito, usam minha grandeza de medidas – que artimanha enfadonha, e se eu deixar, efetiva.
Também creio que parte do meu cansaço é proveniente do esgotamento que me causa me afogar em amores sempre tão rasos, e que não resistem a leves brisas que vem do mar. Talvez seja culpa da minha resiliência feminina que me orienta a resolver problemas e não desistir nunca. Ou talvez porque acho cada dia mais difícil ver no homem falocentrado um companheiro de jornada. Há de se fazer concessões para amar, e os garotos não estão acostumados a não ter tudo, o que dificulta qualquer coisa. Como pode que nós evoluímos tanto e seguimos nos relacionando com os parentes próximos do neandertal?
E sabendo o quanto evoluímos, eu acho que é mais do justo compartilharmos de alguma gastura. A jornada pessoal de cada uma foi cansativa, e ainda bem que no coletivo a gente encontra forças. Eu sei também que as minhas mágoas de mulher não lavam os meus privilégios de mulher-branca. Gênero, cor da pele e classe social são três dos critérios que definem quem mais morre neste país. O Brasil é uma Índia disfarçada, fingindo que não tem castas. E por essas mulheres, ainda mais, meu empenho e empatia.
Sei que só vamos mudar com o poder. O poder de lutar, o poder de militar, o poder de ter poder, e fazer valer a nossa voz. Então aqui eu também exerço a minha. Me juntando a ti, irmã, pra dizer que sim, eu também estou cansada disso tudo. E eu me dou o direito de estar cansada. E está tudo bem. Porque diferentemente dos homens, nós tivemos que lutar por cada espaço conquistado até aqui. Nada nos foi entregue. Então senta, meu bem, bebe um vinho, e descanse. Recupere-se, mas não desista. Resista.
A gente tem uma jornada longa pela frente. E nenhuma menos vai ficar pelo caminho.
Avante.
Fim da sessão
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