Ser solteira neste país me parece ter se tornado um desafios sem precedentes. Ser mulher por si só é, obviamente, mas ser solteira é ainda mais desafiador. Sim, porque você quer encontrar um prospecto que tenha o mínimo de humanidade dentro do peito, todos os dentes dentro da boca e algum alinhamento ideológico. Só quem já passou pela situação de curtir muito um papo com alguém, e ter o pânico de perguntar em quem a pessoa votou na eleição passada sabe do que estou falando. #medo. Mas ok, dá pra dizer que ter todos os dentes na boca e não acreditar em fábulas é um luxo que podemos nos dar, perto de ter que desviar dos marginais cuja a vida da mulher vira descarte em um piscar de olhos.
“Mulher é espancada por 4 horas por homem que conheceu nas redes”, estampava a matéria. ‘Jesus, como ela pode?’ li no feed de alguém, ‘ela quem, cara pálida?’, pergunto a quem compartilhou a matéria. ‘Como ela pode sair com um cara que conhecia há apenas 8 meses?’. Enfureci-me. ‘Meu bem, eu já sai com um cara depois de 3 aperols spritz e duas citações de livros em comum, você tome tento!’. Fato é que, para os outros, a culpa é sempre nossa. Até quando do outro lado tem um filha da puta que, do nada, resolveu explodir a tua cara de porrada. A sociedade está bem alerta na hora de chamar-nos de vitimistas e mimizentas, ao passo que não paga imposto pra nos responsabilizar pela nossa própria segurança. Não importa se a gente conheceu o cara no Tinder, na igreja ou nos voluntários da Cruz Vermelha. Se era namorado, uma ficada casual, o mozão do casamento de 15 anos.
Você mulher, que vive neste mundo-homem, já reparou como sempre somos, em algum nível, julgadas responsáveis pelas violências sofridas?
E não deveríamos ser. Nunca. Mas acontece todo dia. Ou pelo que a mulher vestiu, ou pelo que fez, ou pelo que não fez, ou por onde estava, ou por não estava. Penso comigo que se a massa-de-apontar-dedos estivesse tão preocupada com a nossa segurança, quanto estão em fazer juízo de valor com mulheres violentadas, talvez esse problema nem existisse. Mas não. O importante é vestir rosa. Ser bela, recado e do lar. A verdade é que a sociedade adora queimar uma bruxa, uma mulher livre, desde o tempo da inquisição. O mundo odeia mulheres livres. Por isso o caso do comentado espancamento vinha para alguns como um castigo merecido. “Como ousas, mulher livre, querer ser dona de ti e então se divertir? TRAGAM AS TOCHAS!”
A situação me lembrou da minha primeira tentativa de conhecer alguém pelo Happn. Sai com o garoto em lugar publico e de fácil saída pela esquerda, com aquele medo eterno de se dar mal que opera em todas as mulheres. O encontro foi fácil, a conversa estava ótima e os dois tinham interesse em estender a noite. A caminho da casa do garoto, ligo para uma amiga com instruções bem simples: estou indo na casa do fulano, assim que chegar te mando a localização e te ligo quando eu acordar. Ou seja ela sabia onde eu estava, com quem, e até que horas deveria esperar noticias. O motorista do Uber não conseguia acreditar na minha atitude. Disse que se fosse com ele, me deixava ali na beira da estrada mesmo. Perguntei se tinha filhas. Tinha. Mas que a filha dele não ia sair com qualquer um que conheceu em um aplicativo.
Tem disso né… as bruxas livres são sempre as filhas dos outros. Por isso sempre é bem fácil julgar. E aqui, no caso do motorista, também imperava outra verdade suprema: a ousadia de ofender a honra masculina porque afinal… ~nem todo homem é ~. E que isso é sempre o mais importante que a tua segurança… não implicar que homens podem ser estupradores (quando muitas vezes são).
Mas então todo homem é um possível predador? Um filho da puta? Claro que não. O carinha do Happn, por exemplo, mandou o motorista se preocupar com a estrada, já que com a minha vida eu estava bem ocupada, e preocupada, e que apoiava e reforçava a necessidade do meu zelo. Na semana em que o espancamento da mulher aconteceu, postei algo sobre como somos sucessíveis a sorte. Que eu mesma poderia ser vítima do espancador do Rio de Janeiro. Cara bonito, gentil por 8 meses de conversa. Como vamos saber? E aí que reina a minha crítica. Nem todo homem é um possível estuprador e pessoa violenta. Mas todas as mulheres que sofreram com isso, sofreram na mão de um homem. Não é mesmo?
Então quando eu coloco generalizações como estas, “o perigo é homem”, eu o faço de propósito. Quero poder conversar com essas pessoas e entender porque nós estamos mais preocupados com o uso da generalização da honra masculina, do que com o feminicídio generalizado e os casos de estupro que acontecem no Brasil a cada 11 minutos. E se você, homem, não é parte do problema, ótimo. Você não faz mais do que a obrigação (amém e muito obrigada, parabéns, uhu, selo de não-estuprador/espancador validado). Entretanto gostaria de informar que você deveria também ser parte da solução. Todo mundo pode ser um guardião, e não apenas da própria honra, mas da alheia – na balada, no trabalho, no carnaval. É só largas os tochas da inquisição e promover o respeito.
Não era pra ser tão difícil, não acha?
Afinal, não dá pra gente encarar o desafio de encontrar alguém pra amar (nem que seja por 1 minuto) na simples esperança de que ele tenha todos os dentes, e no caminho perder os nossos. Ou a própria vida. Ninguém aqui tá pedindo um príncipe encantado, mas lobo mau… pow, lobo mau que vá pro lugar da onde nunca deveria ter saído: pra casa do caralho!
Fim da sessão
Ps: carnaval tá aí, ohhh bonitão que adora brandar que ~nem todo homem~ mas que puxa o bracinho da Chapeuzinho Vermelho no bloquinho. Te liga. E se não for por bom senso, lembra que neste ano, pela primeira vez (e com longo atraso), assédio sexual/importunação sexual é crime.
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