Categorias: Crônicas

Inspiração contagiosa

Uma das grandes maravilhas do ser humano é a sua capacidade de reciclar a fé na vida. A esperança parece uma daquelas mudinhas que nasce em meio a uma rachadura no concreto ou no asfalto, sabe? Sob as condições mais improváveis de sobrevivência, vinda lá debaixo da dureza do curso da vida, ela insiste, empurra, renasce. Ela força a saída para a luz, alimentando-se da sede de prevalecer. Ela não se deixa amassar pela pedra, ela não se acomoda com a escuridão. Perseverar é um ato heroico por parte da mudinha. E exatamente como ela, é cada um de nós. Somos movidos a perseverança, resiliência. Instigados a acreditar.

Esse processo de luta pelo canudo do meu irmão provou que a inexistência da afetividade significa quase nada enquanto houver empatia. “Empatia é quase amor”, neste caso. Gente que não conhecia a nossa família, pessoas que nunca ouviram falar do meu irmão, indivíduos que jamais tinham falado comigo antes do meu pedido público. Um mar de rostos desconhecidos (além dos conhecidos), soltando seu latim na internet e chamando a atenção da mídia em prol de um bem que sequer lhes traria algum benefício. O benefício estava em ajudar, ser parte de algo que faria bem a outra família. Um canudo, um abraço, o reconhecimento. O que fosse. A minha família virou a família de tanta gente, e o nosso pedido virou o pedido de muitos. A empatia sabe ser a coisa mais linda deste mundo, não sabe?

E aqui aconteceu um processo interessante de inspiração retroalimentada. A nossa luta foi admirada e com o encorajamento da torcida, a nossa esperança – como a mudinha – prevaleceu. E o contrário também foi verdadeiro. Em resposta ao nosso pequeno ato heroico, daquele que força a passagem pelo concreto (leis, protocolos, tudo muito concreto), outras pessoas tomaram atitudes lindas. Recebemos ofertas de inúmeros advogados querendo operar pro bono na nossa causa, mesmo sabendo que já estávamos legalmente amparados. Pessoas linkaram seus contatos da mídia conosco na tentativa de fortalecer uma opinião publica favorável. Emails e mensagens de apoio foram enviados de todo o Brasil e de fora dele. Pacientes do meu irmão nos procuraram para contar de suas experiências, no intuito de reforçar a nossa (já gigantesca) admiração pelo Leonardo. Amigos voltaram a se falar, pois colocaram a nossa despedida em perspectiva. Pais que perderam seus filhos se fortaleceram com a nossa história, nos agradeceram e abraçaram. Sem qualquer pretensão de inspirar – talvez apenas ao Murilo e ao Mateus no que diz respeito ao amor fraternal  – ainda assim, sem objetivamente querer transformar nossa história, em um ato de inspiração, inspiramos.

“O mundo ainda tem jeito” – uns disseram. “Que coragem é essa?” – perguntavam outros. “Esta família é prova de amor, força e lealdade” – admiraram-se os demais. Veja que isso nunca foi o nosso plano. Disseram-me que eu era uma irmã de ouro, contudo o meu reconhecimento pessoal nunca esteve no meu pleito. Ou no de qualquer integrante da minha família. Queríamos tão somente manter intacta a consistente fonte de apoio que sempre fomos para o Leonardo.

Acontece que quando o coração da gente está no lugar certo, coisas admiráveis acertam. E inspiram outras pessoas. E cá pra nós, o mundo está mesmo precisando de histórias de gente que não desiste. Gente que se doa. Que pede ajuda de coração aberto. Jamais teríamos conseguido o reconhecimento da faculdade se tivéssemos nos resumido exclusivamente aos nossos recursos. A esperança requer humildade. É a extensão do próprio coração, pegando emprestado o amor que há no outro. Não surpreendentemente, a parte mais bonita da inspiração, é que ela é contagiosa. Atos de bondade inspiram outros atos de bondade. A coragem do outro, engrandece a nossa. A perseverança alheia encoraja a nossa própria tenacidade. A inspiração contagia.

E estes exemplos não precisam ser majestosos atos públicos ou demonstrações imponentes de nossos mais estimados predicados. Não mesmo. Pequenos atos de amor e bondade mudam o mundo. E eles inspiram tantos outros. Nós não precisamos ser gigantescos nas nossas ações, apenas regar a esperança com extraordinárias doses de perseverança e lealdade – como a mudinha, nascendo em meio ao concreto. A mudinha que em si, é pequena. Mas que é oxigênio para a nossa caminhada,  por caminhos muito mais floridos e verdejantes.


Fim da sessão

Antônia no Divã

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Antônia no Divã

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