Efemérides

O que aprendi com a maternidade, mesmo sem ser mãe

em
3 de maio de 2016

É impossível adentrar o mês de maio sem pensar nelas. Maternidade, entretanto, é um tema recorrente aqui no divã, uma vez que falo com frequência sobre a minha relação com a minha mãe e suas contribuições na edificação da minha personalidade. O meu pai sempre colaborou muito, é claro – mas a minha mãe é quem me ensina hoje, e todos os dias, um dos importantes papéis que uma mulher pode ter (se assim escolher), que é o de ser mãe. E é sobre aprender a ser mãe que eu quero falar.

E quando eu digo “ser mãe”, não me julguem pela falta de frutos próprios. Uma das principais lições que aprendi nessa montanha russa da maternidade é que mãe é quem cria, quem pega junto ou em conjunto, e muitas vezes isso pode acontecer através de avós, tias, primas, madrinhas ou até mesmo uma irmã. Um fato é inquestionável: fazer parte deste universo desafiador de criar pequenos seres humanos implica em lidar com aprendizados tão profundos quanto complexos. E aqui estão alguns que colecionei:

1) Ser mãe é assustador.

Uma das primeiras lições aprendidas na pele é que ser mãe é assustador. E fico pensando se existe um acordo velado entre as mães de não testemunhar sobre isto. Verdade é que poucas mães admitem que esta tarefa é pesada, exaustiva, estressante e por vezes até triste. Não estou dizendo aqui que ser mãe não é compensador, calma. Mas nunca ninguém me avisou que quando criança se ataca, a tendência da mãe (ou da irmã) é de se atacar também – seja por sono, febre ou simplesmente birra. Ou que um puxão de orelha ou uma palmada, dói mais em quem deu, do que em quem recebeu o corretivo. Nenhuma sobrevivente da maternidade me avisou que um dia eu choraria, ao ouvir meu irmãozinho dizer que não gosta muito de mim, como toda criança faz quando se sente contrariada. Ou de como é ruim levantar a voz.

Ninguém me avisou que eu ia mentalmente planejar rotas emergenciais para o hospital mais próximo, sempre que estivesse com as crianças. Que teria medo do mar ou de agrotóxicos. Vi mãe alguma alegar sobre a assustadora fúria que se cria contra o coleguinha que faz bullying na escola, e seus desejos irracionais (e totalmente imaginários) de um plano de vingança. Ninguém avisa que mães não sabem de tudo, ao contrário, que são vítimas da dúvida o tempo inteiro. Ser mãe assusta porque é como ter o coração batendo fora do peito, principalmente porque mãe sabe que filho (ou irmão) se cria para o mundo.

2) Crianças são pequenos-grandes manipuladores.

A manipulação de pessoas é uma habilidade que aprendemos do berço: o bebê chora, alguém aparece para atendê-lo – e este aprendizado é tão empoderador quanto sedutor. Crianças pequenas, todavia, parecem ter aperfeiçoado a arte persuasão. Na minha humilde opinião tem algo a ver com a fase em que elas descobrem que são fofinhas. Tipo “Olha como eu sou bonitinho, agora me dá o que eu quero”. Sabe? Os meus irmãos são um ótimo exemplo – eles têm artimanhas infalíveis. Quando em uma missão, aplicam seus chamegos arquitetados, gentilezas planejadas e olhares cativantes. Nestas investidas deles, eu costumo me esquecer do horário em que eles deveriam ter ido para a cama, faço concessões em relação à dieta deles e fico constantemente sem bateria no celular por conta de seus jogos ou Snapchat.

Eles têm vocabulários próprios para a prática da manipulação: “mas você prometeu”, ou “eu me comportei, isso não conta?” ou ainda “pooooor favooooor maniiiinha?”. Eles mexem com nossas vulnerabilidades, nosso amor e às vezes até a nossa culpa. São enredos elaborados, tricotados como uma teia de recursos entre beijinhos, pequenos faniquitos, beiços, caretas e colos, direcionando a manipulada como uma mosquinha para o centro da teia e de repente: NHAC! Você não tem escapatória. Eu, que sempre me achei malandra, me vejo como uma mosca-morta frente à esperteza deles.

3) Crianças são esponjinhas e aprendem pelo exemplo

Não tem nada mais ineficaz na maternidade do que o velho “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Ou mesmo o “faça porque eu estou mandando e pronto!”. Não adianta, isso podia funcionar com a infância há 20/30 anos atrás, mas certamente não pega preço com as crianças de hoje. Que coisa mais difícil virou a arte de educar jovens mentes! Talvez porque os pequenos de hoje não são facilmente convencíveis como éramos. Eles já possuem habilidade argumentativa, pensamento crítico e como falei ali em cima, uma gigantesca capacidade de persuasão. Não sei, mas por vezes, sinto que estou numa reunião de negócios com pequenos adultos tentando vender os brócolis do prato. “É gostoso!” (primeiro atributo do produto); “Faz tão bem!” (atrativo adicional do produto); “Você vai ficar forte” (força, como subproduto dos brócolis); “Ok, depois você pode comer um pirulito” (suborno para incentivo do investimento). Negócio fechado!  “Vendido o brócolis para o jovem da camiseta do Homem de Ferro!!” Ufa.

As crianças de hoje querem entender o porquê das regras – e algumas destas regras a gente nem entende, porque quando aprendeu, aprendeu que era “porque sim!”. Nestas horas, hoje sei, não há nada melhor do que o exemplo. Seja comendo alguns legumes que nem você gosta, seja reciclando o lixo, seja na gentileza no trânsito, seja na gentileza com o mundo. A prova maior disso é ver meus irmãos doando brinquedos, para finalmente entenderem a sorte de tê-los. Ou dizer acidentalmente um palavrão na frente deles, para ver o “nome feio” sendo repetido freneticamente até a pré-adolescência.  Isto é, sendo o exemplo bom, ou nem tanto, crianças são esponjinhas, e devemos ter cuidado com o que elas absorvem.

O que aprendi com a maternidade, mesmo sem ser mãe, é que não existe esforço que eu respeite mais do que o desafio diário daquelas que lutam para criar bons filhos. Aprendi que toda mãe solteira  (as 20 milhões delas, segundo o IBGE) merece muito respeito, apoio e solidariedade. Que mãe de gêmeos/trigêmeos/etc são polvos com poderes de super-heróis. Eu aprendi que nem tudo é bonito e mágico, que também é difícil e impossível de não errar. Aprendi a respeitar ainda mais o cansaço e coragem da minha mãe e todas as mães do mundo.  E aprendi, entre fraldas e bonecos Transformers, que tudo vale a pena. E que se a gente ouvir os nossos filhos com atenção, a gente ainda vai aprender muito. E de quebra, leva o amor incondicional deles – aquele suborno para incentivo do investimento (exatamente como o pirulito).


Fim da sessão.

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3 Comments
  1. Responder

    Flavia Bandeira

    6 de maio de 2016

    Nossa Cada dia tenho mais medo disso!!!! Acho que vou ficar com a velha desculpa que to velha mesmo e seguir sem filhos… acho que não tenho paciencia nem sonhos lúdicos…tampouco o dom da negociação dentro de casa….haja visto o que ja tenho que passar na rua!rsrsrsrsrsrsrs

  2. Responder

    Gabi

    4 de maio de 2016

    Linda! Que meu filho tbm enxergue isso um dia…

  3. Responder

    Ana Teté

    3 de maio de 2016

    Realmente incrível, cada palavra, parece que viajei no tempo e vi meu “irmãozinho” ser o artilheiro do campeonato no auge dos seus 8 anos e dedicar para meus pais, meu irmão mais velho e…: – ai pai me ajuda, como chama ela? Hmmm… Ah eu sei, eu sei (com muitos pulinhos e polegares pra cima piscando pra mim): para a minha táta-mãe! E eu? Quase morri… ?
    Obrigada por esse passeio maravilhoso! ?

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Aline Mazzocchi
No divã e pelo mundo

De batismo, sim, Aline. Mas eu precisei do codinome Antônia - do latim "de valor inestimável" - para dividir minhas sessões públicas de escrita-terapia. O que divido aqui é o melhor e o pior de mim, tudo que aprendi no divã e botando o pé na estrada. Não para que dizer como você deve ver a vida. Mas para que essa eterna busca pelo auto-conhecimento, não seja uma jornada solitária, ainda que pessoal e intransferível. Então fique a vontade pra dividir o divã e algumas boas histórias comigo. contato@antonianodiva.com.br

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