Crônicas

O espelho quebrado

em
24 de julho de 2018

Quem lê este divã algum tempo, entende muito bem que eu não sou psicóloga. Aliás, muito pelo contrário. Sou eu quem está no divã. “Antônia no Divã” é o nome do blog. Não é “Antônia na cadeira”. Já ficou claro que aqui se tratam de sessões de terapia públicas. Minhas sessões. Eu não digo como alguém deve viver. Falo sobre como eu vivo. Eu não distribuo verdades perpétuas. Divido as minhas verdades. Em construção, e transitórias.

Eu tenho 10 anos de terapia das costas. O que me dá cancha para desviar de algumas armadilhas do convívio social. Sempre que me pego com raiva de alguém, eu tento assentar a minha raiva antes de qualquer atitude. Eu tento entendê-la. E sempre que alguém me ofende, eu tento dar contexto a ofensa. Me pego pensando diversas vezes, qual momento a pessoa esta passando. Se a crítica é justa, ou porque aquele alguém precisou depositar em mim suas próprias frustrações. Isso me ajuda a não descartar as pessoas que discordam de mim. Ajuda-me a dialogar. Ou mesmo a escolher as minhas batalhas.

Essa semana chegou ao meu conhecimento que eu colecionava alguns pré-conceitos por parte de alguém que eu gosto. O que mais me chamou atenção na crítica, entretanto, não era do quanto eu discordava. Não. Mas era como a pessoa que me criticava, perpetuava justamente o comportamento pelo qual me condenava. Ao longo da minha terapia eu aprendi, que esse tipo de comportamento é bem comum. É um mecanismo de defesa que cultivamos sempre que não damos conta de assumir aquilo que não gostamos na gente mesmo. Ou que desejamos do outro.

Sabe aquela coisa de “não gosto da fulana, não sei por que, o nosso santo não se bate”. Às vezes “o nosso santo não se bate”, é simplesmente porque o santo é parecido. Ou porque gostaríamos que fosse. A gente tem tendência a negar o que não gosta, ou aquilo que critica, mas profundamente, que deseja. Na psicologia é o que chamam de “projeção”. Eu projeto em outros, aqueles pensamentos inaceitáveis ou indesejados que eu tenho ao meu respeito.

Então quando eu olho pra Ciclana e tenho ranço sem motivo aparente, eu tendo a buscar características similares que não gosto em mim, ou coisas que a Ciclana tem que eu gostaria. E quando alguém faz o mesmo comigo, me critica de forma que, na minha concepção, não se aplica, eu percebo que a análise tem mais a ver com a pessoa, do que comigo. E assim, fica mais fácil de escolher se entro ou não na discussão. Porque eu posso mudar um milhão de coisas ao meu respeito, mas não posso colar os cacos do espelho quebrado de ninguém.

No caso desta semana, quando eu ouvi que “eu não me banco”, mas sei que tenho os boletos todos em dia com o suor do meu esforço, eu entendo que o “se bancar” é o desejo primordial de quem me criticou. Se eu ouço que eu sou bon-vivant, que vivo batendo as asas por aí, e nisso eu tenho tranquilidade com as minhas responsabilidades, eu aprendo que quem critica, gostaria de bater as próprias asas. Isso me dá empatia, mais que asco.

E assim eu entendo que não existe problema a ser resolvido da minha parte. Nem crítica a ser tomada. Eu já olhei pro meu espelho, e vi o reflexo do que reconheço. Do que desejo. Do que eu luto. Pronto. Não preciso ir ajustar a percepção alheia de ninguém. Essa pessoa já decidiu que é mais fácil me criticar, do que mudar a própria história. E o autoconhecimento é bom por isso. Ele ajuda você definir o que pode ser aceito como uma crítica construtiva, e o que é caco do espelho quebrado do outros. Fácil é apontar o dedo. Difícil é colar o espelho.

Uma vida de azar para quem nunca o fizer.

Fim da sessão.

O que Pedro pensa de Paulo diz mais sobre Pedro do que Paulo.

Palavras-Chave

17 de julho de 2018

6 de agosto de 2018

SESSÕES RELACIONADAS
4 Comments
  1. Responder

    Graziele Paralta

    6 de agosto de 2018

    Gostaria de saber porque isso tudo faz sentido pra mim exatamente neste momento da minha vida! 2 anos de terapia e ainda tenho muito o que aprender, obrigada por compartilhar conosco, sou tua fã.
    Organiza um coffe break com todas as pessoas que te acompanham, acho que iria se impressionar com a quantidade de interessados, eu vou!!!

  2. Responder

    DULCE MARIA RODRIGUES LAGOEIRO

    25 de julho de 2018

    Gostei, gostei e gostei muito!!!! Os cacos do Espelho Quebrado são do outro e é ele quem tem que catar e jogar no lixo, porque espelho quebrado é impossível colar. Vou prestar mais atenção em minhas críticas e nas críticas que fazem de mim… tenho certeza de que caminharei reto um pouco mais. Beijos Antônia!

  3. Responder

    Ale

    24 de julho de 2018

    Aiiiiiin como eu amo te ler!!!! Muito muito muito!!! E sempre que eu me deparo com algum texto teu ele cai como uma luva na minha vida!!!

  4. Responder

    SÔNIA ROCHA BARBOSA

    24 de julho de 2018

    Antônia boa 🌃!
    Texto maravilhoso.
    😘

DEIXE UM COMENTÁRIO

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Aline Mazzocchi
No divã e pelo mundo

De batismo, sim, Aline. Mas eu precisei do codinome Antônia - do latim "de valor inestimável" - para dividir minhas sessões públicas de escrita-terapia. O que divido aqui é o melhor e o pior de mim, tudo que aprendi no divã e botando o pé na estrada. Não para que dizer como você deve ver a vida. Mas para que essa eterna busca pelo auto-conhecimento, não seja uma jornada solitária, ainda que pessoal e intransferível. Então fique a vontade pra dividir o divã e algumas boas histórias comigo. contato@antonianodiva.com.br

PESQUISE AQUI