Crônicas

Meta a colher SIM

em
6 de agosto de 2018

Ontem uma das mulheres mais fodas que conheço me escreveu uma mensagem perguntando: “tu não vai te posicionar sobre o caso da advogada que foi espancada e jogada do 4º andar pelo marido?”. Eu entendi de imediato a solicitação. Eu virei uma voz ativa no feminismo. E não foi porque eu quis. Eu não tenho a pretensão de representar ninguém, muito menos um movimento tão importante. Mas porque eu passei a contestar tanta opressão, me vi nesse lugar.

Quando essas pautas acontecem, e elas acontecem com frequência imensamente maior do que imaginamos e gostaríamos, às vezes eu não fico revoltada. Eu só consigo ficar triste. Muito triste. E com a tristeza vem a exaustão. Tem dias que não tenho forças para lidar com essa cultura nojenta de “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Eu queria poder dar uma colherada na orelha de cada cidadão de bem que já proferiu este posicionamento desumano.

Em março deste ano, a Magazine Luíza lançou uma campanha que lutava contra a violência doméstica depois que a funcionária de uma de suas lojas foi assassinada pelo marido. Ninguém sabia sobre as agressões que ela estava sofrendo. Por conta disso, a empresa criou um ramal que oferece apoio às vítimas, e vendeu colheres que revertiam em verbas para ONGs de acolhimento a mulheres.

Mas quem é mulher sabe, isso não acontece somente com carinhas estranhas. Acontece com todas nós. Anos atrás, um amigo meu me viu sendo arrastada pelo meu ex-namorado em um estacionamento de uma festa. Arrastada. Ele não fez nada além de me mandar uma mensagem no dia seguinte dizendo que eu tinha que rever minhas escolhas. EU REVER MINHAS ESCOLHAS. Eu não havia arrastado ninguém. Mas eu tinha que rever meu comportamento. Entende como a coisa é torta?

Ontem quando finalmente me posicionei sobre o assunto na minha redes pessoal, recebi uma enxurrada de comentários e inbox com os famigerados “não são todos os homens” e “não generalize”. De fato, eu concordo que não são todos os homens que espancam e matam suas esposas. No Brasil isso acontece “apenas” de 12 em 12h. Então veja. “Não são todos”. São muitos. O que me perturba é que frente a uma violência de gênero diária e declarada, a preocupação de alguns ainda segue sendo a sensível reputação do homem de bem. Não seria uma notável atitude que esses homens que clamam por sua própria justiça, juntassem forças ao nosso discurso, ao invés de meter o louco?

E por falar em louco, teve a parte da minha timeline ontem que se ocupou em avaliar o assassino como “monstro” ou “psicopata”. Perceba que para alguns é difícil se reconhecer no assassino. Homem branco, cis, eleitor do Bolsonaro, ou seja, com valores conservadores, marido, atleta e boa pinta. Transformar o assassino em “monstro”, mande avisar, não faz dele menos machista e misógino. É apenas uma manobra que alguns homens precisam pra poder dizer “nem todos”. Encarar a perversão humana como “surto psicótico” é mais fácil do que admitir que o assassino é um homem, que se achou dono da vida e da morte da mulher. E esse homens existem aos montes por aí, as estatísticas comprovam. Talvez seu amigo, seu chefe, seu vizinho. O “monstro” mora no duplex com sacada do lado do seu.

E aqui não estou dizendo que todo homem é um assassino em potencial. Não. Mas eu estou dizendo que todo homem é sim, um machista em potencial. E o machismo é a base do feminicídio.

Feminicídio é o homicídio doloso praticado contra a mulher por “razões da condição de sexo feminino”, ou seja, desprezando, menosprezando, desconsiderando a dignidade da vítima enquanto mulher, como se as pessoas do sexo feminino tivessem menos direitos do que as do sexo masculino.

Então, caros homens, lembrem-se que enquanto vocês ficam esperneado que “não são todos homens”, alegando que feminismo é vitimismo, nós somos a metade deste país, morrendo como Tatiana Spitzer, porque homens acham que lhes pertencemos. Que podem nos jogar pela sacada porque discordamos. Que somos estupradas pelo que vestimos. Vocês, que passam a olhar mulheres como seres humanos apenas e tão somente quando botam filhas no mundo. Lembrem disso.

Porque eu sou lembrada todo dia desta bandeira. E fato é que eu não queria estar falando de feminicídio, ou tão pouco ser vista como uma voz feminista. Eu queria ser só mulher. Mas ser só mulher já não basta, em um mundo onde ser homem é mais seguro.

E sabe qual a única fórmula de sucesso que eu acredito para um futuro melhor? As mulheres. Novamente depende de nós. Depende de nós criarmos homens melhores. Porque os que tão por aí, cara, que coisa horrível que vocês tem se tornado. Cada vez mais. Salvo raríssimas exceções. Eu tô longe de ser vítima. Longe de ser santa. Mas antes de tudo, graças a Deusa que eu sou mulher. Eu jamais toleraria a vergonha de ser homem neste mundo.

Acima de tudo: META A COLHER SIM!
#metaacolherSIM

Fim da sessão.


METE A COLHER – Não seja conivente com a violência doméstica. Denuncie. Disque 180 – Central de Atendimento à Mulher

Garota: Tá numa situação de instabilidade? Não está se sentindo segura? Precisa de orientação? Mande e-mail para contato@antonianodiva.com.br que eu colocarei a minha rede de contatos a disposição para todo apoio necessário.

À família de Tatiana Spitzer, todo o meu respeito pela sua dor. Que vocês encontrem coragem e justiça.

 

 

Palavras-Chave

11 de agosto de 2018

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3 Comments
  1. Responder

    Juliana

    7 de agosto de 2018

    Sou cristã, mãe de um menino e uma menina, e me entristeci profundamentecom o caso da Tatiane, sinto a dor de cada uma dessas mulheres agredidas física e psicológicamente e ceifadas da Terra como se fossemos ratos, educo meu filho pra que ame e proteja sua esposa, sinceramente clamo ao Senhor Jesus que nos ilumine, pra termos voz e sermos respeitadas e honradas e que essas leis mudem pra que o agressor independentemente se for psiquiátrico ou não, respondam e colham o ódio que plantaram atrás das grades!!!

  2. Responder

    Shirlei dos Santos

    7 de agosto de 2018

    Eu vivi até os meus 14 anos mais ou menos vendo meu pai bater na minha mãe, nossa vida era um inferno, um dia ele tentou me bater e nessa época estava sendo lançado o Eca e eu reagi tanto fisicamente quanto dizendo que eu o denunciaria, começamos a dizer a ele que ele não era uma pessoa normal e que ele precisava de tratamento e então ele buscou tratamento e melhorou sua postura, os últimos 6 anos mais ou menos da vida dele ele foi outra pessoa, mas até aí minha mãe já tinha passado mais de 15 anos de violência. Nada apaga aquelas lembranças e as marcas que ficaram em nós, em mim filha e mulher, quando achei que meu casamento me diminuía como pessoa eu me divorciei, mas descobri um mundo muito feio do lado de fora do meu mundo de casada, e por tudo o que eu tenho visto nas mídias sobre violência contra a mulher, eu tenho medo de me relacionar novamente. Até quando vamos viver com medo.

  3. Responder

    Dulce

    7 de agosto de 2018

    Se as Mulheres de todas as raças, credo, religiões, criarem seus filhos respeitando todas as mulheres, nos minimos detalhes, essa coisa nogenta de machismo acaba! Não tem sentido essa violência cobtra a Mulher!

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Aline Mazzocchi
No divã e pelo mundo

De batismo, sim, Aline. Mas eu precisei do codinome Antônia - do latim "de valor inestimável" - para dividir minhas sessões públicas de escrita-terapia. O que divido aqui é o melhor e o pior de mim, tudo que aprendi no divã e botando o pé na estrada. Não para que dizer como você deve ver a vida. Mas para que essa eterna busca pelo auto-conhecimento, não seja uma jornada solitária, ainda que pessoal e intransferível. Então fique a vontade pra dividir o divã e algumas boas histórias comigo. contato@antonianodiva.com.br

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