Efemérides

Ninguém é de ninguém

em
28 de julho de 2015

“Eu não tenho mais nenhum sonho em cima de você”

Essa frase foi proferida pelo meu pai, quando discordávamos de alguns planos de futuro. Eu, a pseudo-herdeira, sabia que ele só estava brabo comigo e tentando com aquilo nos manter juntos através da amarra da decepção dele. Óbvio que ouvir isso de alguém, alguém que você ama muito, é tão sutil quanto um tiro no peito. Ainda que sentisse a dor, eu só sobrevivi porque estava fardada de um colete a prova de balas chamado individualidade. E aqui não confunda individualidade com egoísmo, egocentrismo e outros “ismos” negativos. Mas puramente a capacidade de se enxergar como um indivíduo. De exercer sua autonomia. Afinal, ninguém pertence a ninguém. Ou não deveria.

Calma, eu não nasci de um ovo. Eu tenho família que me ama muito, que me apoiou e irá me apoiar em todas as fases da vida. Ainda que discordando muitas vezes, e sofrendo tantas outras – os melhores pais criam os filhos pro mundo. Não dá pra voar alto sem sair debaixo da asa deles. O que também não quer dizer que o processo é tarefa fácil. Família tem que lidar intensamente com a tal da projeção, seja nos sonhos de seus pais em você se tornar uma bailarina ou um astronauta. Seja porque você nunca vai querer decepcionar as pessoas que te botaram no mundo. O que acontece dentro de casa (e depois na vida), é que aprendemos a projetar grandes expectativas em cima pessoas, e quando frustrados apontamos que as pessoas é que eram pequenas. Não eram. Eram apenas pessoas. Com dramas e peculiaridades singulares e imprevisíveis. Então vem a maturidade, e temos que aprender aos trancos e barrancos a ter sonhos pessoais em cima de expectativas próprias. E agora como é que faz?

Eu tive que deitar muito tempo em um divã pra entender que o que é do outro, é do outro. E queria jogar minha terapeuta pela janela cada vez que ela me dizia isso. Com o tempo, consegui enxergar que minhas expectativas em cima de outras pessoas eram projeções únicas e exclusivamente minhas, e que ninguém era culpado em não atendê-las. Fato é que não sabemos nos bastar. Aliás, não queremos nos bastar. Entendemos que uma vez nos bastando, seremos reclusos em nossa individualidade, quando o que acontece é justamente o contrário.

Quando a gente se basta, a gente não PRECISA de mais ninguém, e passa a ESCOLHER estar com alguém. Seja família, amigos ou um amor. A companhia desta gente toda é muito mais gostosa quando eles não carregam a responsabilidade de ser um pedaço nosso, do qual a ausência não nos permite sermos inteiros, completos. Desta forma, faz muito mais sentido entender e trabalhar para que nossos entes queridos tornem-se uma extensão de nós, ou seja, uma parte extra que nos faz ainda melhores. É batata frita do nosso Mc, não o hambúrguer.

A verdade mais perturbadora que já escrevi em todo o conteúdo do blog foi dizer em voz alta que ninguém precisa de ninguém pra seguir vivendo, e que isso é chocante e libertador (evite aqui jogar suas pedras dizendo que estou alegando que uma pessoa largue os filhos pequenos para se mudar para Bora Bora, não é isso!).  Estou falando de pessoas adultas presas as correntes da expectativa alheia. E eu entendo que pra muita gente seguir as próprias vontades seja feio, dolorido ou até desonroso. A pergunta é: não segui-las, faz bem pra quem? Você casaria porque é o que esperam de você, “até que a morte os separe”? Assumiria um legado inteiro de alguém, porque lhe foi apontado? Conseguiria aproveitar o caminho, quando lhe foi imposto o destino?

Não nos permitimos ir embora das outras pessoas ou deixá-las ir embora porque aceitamos as amarras impostas, ou criamos as nossas próprias. Não arriscamos ousar sozinhos, porque se falharmos, falharemos sozinhos e não haverá ninguém em quem colocar a culpa. Lembrando sempre que “culpa” é mais da metade da “desCULPA“. Jogamos no outro a responsabilidade de nossas próprias decisões, apenas para cultivar o que? O ressentimento? Agora imagina ser para o resto de sua vida responsável pela alegria, tristeza, amor, compreensão, felicidade de outro alguém? Onde arrumaríamos tempo e energia para a nossa própria felicidade e aceitação? O que é do outro é do outro. Ninguém é de ninguém.  Nós podemos colaborar com a felicidade alheia, jamais ser os donos dela. Nós podemos compartilhar da nossa felicidade, jamais entregá-la nas mãos de outra pessoa.

O que precisamos entender é que somente através do conhecimento e amor próprio, que conseguiremos genuinamente entregar o melhor de nós ao outro, sem torná-lo prisioneiro. “Cultive o jardim”, lembre-se daquela velha frase. “As borboletas virão sozinhas”. Entendemos que não dá é pra ser uma junção de pedaços dos outros, ao invés de ser um inteiro de si próprio. Quando meu pai alegou que não tinha mais nenhum sonho em cima de mim, expliquei que ele nunca deveria ter tido. E que ele me amando muito – do jeito que sei que ele me ama – vai entender que não posso ser a menina dos sonhos dele, porque estou lutando bravamente pra ser a mulher dos meus.


Fim da sessão.

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25 Comments
  1. Responder

    Thaís

    25 de agosto de 2015

    Descobri seu blog semana passada e só posso dizer que pena que não descobri antes… seus textos são tão bons e tão inspiradores que se eu não fosse casada e hetero, eu me casaria com você! (rs) Bjo!

    • Responder

      Antônia no Divã

      26 de agosto de 2015

      Oh que pena! Achei que ia ser agora que eu ia “desencalhar”. hahaha. Ok, sejamos amigas então! beijocas

  2. Responder

    Carina Araújo

    31 de julho de 2015

    Ai Antônia.. você me mata de amor <3

    • Responder

      Antônia no Divã

      4 de agosto de 2015

      Ui que alegria! <3

  3. Responder

    H. Ribeiro

    31 de julho de 2015

    Nossa! Não sei como expressar o quanto fiquei leve ao ler isto. Visitei seu site para ler um texto e acabei passando a manhã toda aqui. Gostaria tanto de me agarrar a esses pensamentos todos e viver uma vida leve. A gente peca muito por não raciocinar sobre coisas óbvias da vida e quando percebe já estamos envolvidos em algo que não deveríamos. Mas acredito que isso é natural do ser humano e que todos nós podemos trabalhar e melhores esses erros. Ainda temos tempo. Obrigada por compartilhar seus pensamentos e experiências. Voltarei sempre. Agora me vejo apaixonada por Antônia.

    • Responder

      Antônia no Divã

      4 de agosto de 2015

      Obrigada, H. Fico feliz que ache em um tanto de mim, um tanto de si. O divã também é teu! beijocas

  4. Responder

    Raquel C.

    30 de julho de 2015

    Olá Antônia, sempre leio os seus textos e a cada um, me surpreendo. Beijos.

    • Responder

      Antônia no Divã

      4 de agosto de 2015

      Oi Raquel! Então volta sempre, vou me esforçar pra te surpreender toda vez! beijocas

  5. Responder

    Ana Teté

    29 de julho de 2015

    E meu coração vai a deliiiirio com mais esse texto e principalmente por um trecho em particular: “E queria jogar minha terapeuta pela janela cada vez que ela me dizia isso.” rsrs. Amo a forma como traduz aquilo que é fato, de forma tão carinhosa e leve. Aceitar que primeiro somos um e que a vida funciona melhor quando somamos ao invés de dividir, faz toda a diferença. Beijos gigante.

    • Responder

      Antônia no Divã

      4 de agosto de 2015

      Oi minha joia! Quando falei em jogá-la pela janela, era a minha tá? Não todas! hahahahah beijocas querida! E meu carinho de sempre, esse sim somado, dividido, multiplicado… <3

  6. Responder

    Graziella Macêdo

    29 de julho de 2015

    Parabéns pelo texto maravilhoso! Você escreve divinamente, e expôs a temática de forma sublime e verdadeira. E é isso mesmo, sem expectativas, sem decepções. Obrigada por compartilhar. ^^

    • Responder

      Antônia no Divã

      4 de agosto de 2015

      Oi Grazi! Obrigada pelo recadinho. Volta sempre, tá? beijocas

  7. Responder

    Regina Basso Bertuol

    29 de julho de 2015

    Antônia,o último parágrafo é perfeito, como todo texto, amei, parabéns, tu é diva e divina! Beijão!

    • Responder

      Antônia no Divã

      4 de agosto de 2015

      Oi Regina! Obrigada por tua contribuição. Volta sempre que o divã também é teu! beijocas

  8. Responder

    Laís Lima

    29 de julho de 2015

    Lindo texto! Esses são os paradigmas da nossa sociedade… Ser feliz para os outros e não para nós mesmos… Admiro cada pessoa que consegue trilhar sua caminhada sem o peso dos pensamentos da sociedade em geral! Sem o peso do (O que vão pensar de mim). Parabéns… Muito lindo mesmo!

    • Responder

      Antônia no Divã

      4 de agosto de 2015

      E haja coragem pra largar este peso, Laís. Mas só se voa assim, não é? beijocas

  9. Responder

    DevaneiosBrasilianos (@DevaneiosBrasil)

    29 de julho de 2015

    PelamordeDeus, Antônia… aí vc acaba com a gente! Caraca, viu? Ó, sem falar que você escreve muuuito bem (mas falando, hehe), que sessão perfeita. Também tive meus momentos no divã, aí no Brasil e aqui no UK também (se bem que aqui se chama “aconselhamento” e passei as sessões sentada numa cadeira mesmo), e esse lance de projetar expectativas nas outras pessoas, só pra depois se sentir “miserable” porque essas expectativas não foram atingidas. Tenho “dado trabalho” pra minha família aí, coitados, com a minha necessidade (?) de atenção quando eles se juntam e, claro, por estar aqui, eu não estou aí com eles. Até escrevi no meu blog sobre essa necessidade , essa carência e como me sinto “dodói ” quando eles não me incluem nos encontros. Mas daí, logo depois, reclamo que estão me mandando mensagens no grupo que não tem nada a ver comigo… Será que vem por aí mais “Dani no divã? Haha. Amei seu texto, só pra variar um pouquinho. (E L James quem? ). Agora, dá licença, porque vou correndo lá compartilhar com meu pai e minhas irmãs, e com um pedido de desculpas por ser uma chata de galocha… Vou também tratar de “cuidar do meu jardim” e continuar lutando bravamente pra cuidar dos meus sonhos. Vou treinar a “abastança própria”.

    Abraco grande, até terça que vem.
    Dani
    http://www.devaneiosbrasilianos.com.br

    • Responder

      Antônia no Divã

      4 de agosto de 2015

      Dani, querido. A gente nem se conhece, mas eu já te adoro! Volta sempre. Beijocas

  10. Responder

    Evandro

    28 de julho de 2015

    Linda.

    • Responder

      Antônia no Divã

      4 de agosto de 2015

      <3

  11. Responder

    Bárbara

    28 de julho de 2015

    Amei, sinceramente parece que eescreveste pra mim Antônia! Obrigada

  12. Responder

    Camila Aguuar

    28 de julho de 2015

    Acertou em cheio,sem precisar mirar.Minhas terças não são as mesmas com seus maravilhosos textos.

    • Responder

      Antônia no Divã

      4 de agosto de 2015

      As tuas e as minhas! Até porque depois de cada segunda, é sempre bom vir uma terça! hahaha. beijocas

  13. Responder

    Mirna Nunes

    28 de julho de 2015

    É muito comum, principalmente os pais, quererem realizar seus sonhos, não alcancados, em seus filhos ! Eu tenho uma amiga que estudou piano e se formou, mas o sonho era da sua mãe ! No dia da entrega de diploma, ela o recebeu e deu de presente para sua mãe, e nunca mais tocou seu piano ! Muitas vezes deixamos nos levar pelo sonho alheio, mas devemos ter discernimento para separarmos esse sonho, do nosso sonho verdadeiro !

    • Responder

      Antônia no Divã

      4 de agosto de 2015

      A minha mãe sempre quis que eu fosse uma mocinha… criou uma moleca! Muito melhor! hahahah, beijos, Mirna. bom te ter aqui!

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Aline Mazzocchi
No divã e pelo mundo

De batismo, sim, Aline. Mas eu precisei do codinome Antônia - do latim "de valor inestimável" - para dividir minhas sessões públicas de escrita-terapia. O que divido aqui é o melhor e o pior de mim, tudo que aprendi no divã e botando o pé na estrada. Não para que dizer como você deve ver a vida. Mas para que essa eterna busca pelo auto-conhecimento, não seja uma jornada solitária, ainda que pessoal e intransferível. Então fique a vontade pra dividir o divã e algumas boas histórias comigo. contato@antonianodiva.com.br

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