Efemérides

É preciso ir embora – a verdade

em
23 de agosto de 2016

Há exatos 18 meses eu escrevi um texto que mudou a minha vida. Mal sabia eu, que o texto “É preciso ir embora” ia chacoalhar tanta gente, com aquilo que era apenas um desabafo. O texto viralizou de uma maneira que eu nunca esperava. Deu a volta ao mundo, e botou o meu pequeno divã, tão singelo e tímido, na boca do povo, nas páginas de jornais, nas ondas do rádio, e no coração de tanta gente que passei a conhecer. Desde então, não tem um dia sequer em que eu não receba histórias de outros inquietos, que encorajados pelo texto (e suas próprias vontades), saíram da sala, do emprego, da casa, do país. Todo dia recebo fotos, cartões postais, emails de novas aventuras, novas jornadas, novas histórias, tudo isso, segundo os meus queridos leitores, motivados pela minha coragem, de dizer em alto e bom tom, que a estrada, seja ela qual for, pode ser uma grande amiga no processo da mudança.

Aquele texto, o preferido de tanta gente, foi vomitado numa página branca de Word, em apenas 30 minutos. Não teve grandes planejamentos, ou revisões. Ele foi o texto mais visceral que já escrevi, porque nele cabiam as poucas verdades que eu conhecia da vida. A mais urgente delas, de que a vida segue, além das nossas decisões. As pessoas seguem vivendo além das despedidas, por mais doloridas que elas sejam. O mundo não pára porque você ousou mudar de rumo, partir, ou simplesmente botou um fim, para que houvesse um novo início. Essa é a dor e a delícia das histórias… elas precisam de fim, para que outros inícios tomem cena.  E eu aprendi isso viajando – entretanto, essa lição não me salvou de ter dúvidas.

Pouca gente sabe a verdade por detrás do “É preciso ir embora”. Eu usava como metáfora a partida de uma amiga para Londres, quando na verdade eu sofria de minha própria vontade/medo de ir embora. Após um longo período tentando acertar os ponteiros com o meu pai dentro da empresa que foi por muitas vezes dita como minha, eu finalmente chegava à conclusão de que aquele não era o meu lugar. E como todas as pessoas corajosas, eu estava ponderando os meus passos na tentativa da superação do meu medo de mudar. Medo da instabilidade do mercado. Medo de fracassar sob minhas próprias pernas/termos/objetivos. Medo da cortina de fumaça que cobre o desconhecido. E acima de todos os meus medos, tão meus, eu estava apavorada com a ideia de magoar o meu pai. Não o meu diretor-pai. O meu pai, o cara que havia depositado em mim tantos sonhos.

O post “É preciso ir embora” era a minha carta de alforria. Era eu assustada, dizendo para o mundo (e tentando me convencer) de que ia ficar tudo bem. Que eu era importante, mas não tanto a ponto de paralisar as pessoas a minha volta. Eu não estava dando argumentos para engrandecer a coragem da minha amiga que ia viajar para Londres, eu estava tentando juntar forças para o meu próprio ato de coragem. Afinal, eu não iria apenas pedir demissão de um emprego, eu precisava encerrar um vínculo, pagar uma dívida velada com alguém que eu amo muito, e entregar de volta as chaves daquele que me convenceram que era o meu “império”. Como uma herdeira pede as contas? Como uma filha diz “não” para um pai, sem carregar junto a culpa da ingratidão? Essas eram algumas das dúvidas que pesavam a mochila da minha partida – nada diferente das muitas dúvidas enviadas pelos leitores do blog.

“Caso ou compro uma bicicleta?” “Fico com a família, vou embora com o namorado?” “Promoção de gerente ou barista na Austrália?” “Saio ou fico em casa?” Foram tantos os pontos de interrogação jogados neste divã por conta deste texto, que por muitas vezes me arrependi de ter soado tão confiante. Não porque eu não gostava de dividir as angústias destas pessoas, mas porque elas acreditavam que eu poderia saber melhor do que elas. Eu não sabia melhor do que ninguém. Eu só podia ceder meus ouvidos a cada dilema que me foi consultado, e torcer por cada plano que foi comigo dividido.

Na mesma data que celebro 1 ano e meio do capítulo que iniciei dizendo que ir embora era importante, eu inicio a última semana da minha jornada na empresa familiar. Então veja que enfiar o pé na porta não foi um movimento rápido de uma coragem súbita. Eu tive que dividir com o mundo as minhas certezas, para com ele revisar todas as minhas inseguranças.

O que eu nunca discuti no famoso texto, era a importância e complexidade do timing de ir embora. Hoje eu sei, não existe calendário fixo para debandar. Desde o meu grito de liberdade lá em fevereiro de 2015, a programação da minha partida teve incontáveis revisões, e eu respeitei todas elas. A minha família mudou. Meus planos mudaram. As prioridades foram invertidas, revisadas, trocadas. Frida Kahlo ensina que “onde não puderes amar, não te demores”, mas hoje sei que sua frase é incompleta. Na minha humilde interpretação da vida, uma melhor versão da mesma seria “onde não puderes amar, não te demores, mas também não te apresses”,  porque ir embora, não é, nem nunca foi fácil.

Na semana passada eu caí febril na cama por dois dias. O corpo tremia no calor de 25°C, e eu suava a ponto de molhar os lençóis. Não era doença alguma o que me abatia, dias depois eu concluí. Era medo. Medo de ter escolhido um caminho errado. Era medo de ir embora. Ao me dar conta da razão do meu estado debilitado, sacolejei a febre, e me pus de pé para encarar o meu futuro. Blindada de planejamento, benzida pela fé e com doses extras de coragem na mala para a nova jornada. Jornada esta não inclui cruzar oceanos, mas todas as fronteiras da minha própria convicção e autonomia.

Em uma conversa planejando o encerramento das minhas atividades na empresa de meu pai, ele questionou os meus olhos mareados e o meu semblante preocupado.

– Estás preocupada que teus novos planos não deem certo?

– Sim. – assumi sem meias-palavras. 

– Então por que tu precisa ir embora?

– Porque só tem uma coisa que me assusta mais que a mudança. É ser paralisada pelo medo e não tentar.

E todo sonho e toda conquista começam com a decisão de tentar.


“As desculpas e preocupações sempre vão existir. Basta você decidir encarar as mesmas como elas realmente são – do tamanho de formigas.”

Fim da sessão

Palavras-Chave
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14 Comments
  1. Responder

    João Salles

    7 de setembro de 2016

    Seu texto é mega encorajador,eu e minha mulher,somos formados e ambos trabalhávamos no brasil,em abril fizemos nossa despedida! estamos morando atualmente no eua,e lembro me que ano passado ou começo desse ano conheci seu texto,realmente é inspirador! adoramos seus textos,parabéns!!

  2. Responder

    Gleyton Araujo. (@gleytonlondon)

    24 de agosto de 2016

    Vai e arrasa! ??? Fiz o mesmo, pois é preciso ir embora.

  3. Responder

    Amanda

    24 de agosto de 2016

    Que maravilhoso!! Me emocionei mais uma vez. Não precisamos ficar e nem correr. Ter a sensibilidade e a calma para não perder o timing é desafiador. O seu texto de 18 meses atrás caiu como uma luva pra mim que tinha decidido ir embora e esse não fica atrás, fico feliz de ter acertado o meu timing.

    Muito sucesso para você nessa nova etapa. Esses dois textos estarão sempre na memória de quem tiver o privilégio de ler. Obrigada por dividir conosco.

  4. Responder

    Dulce

    24 de agosto de 2016

    Sucesso. Mudar nem sempre é fácil, mas
    sempre é necessário quando sentimos na Alma a vontade de sonhar!

  5. Responder

    cassandra czerwinski dos santos

    24 de agosto de 2016

    Depois de lançada uma nova ideia, nada mais é igual!!! Então VAI com tudo!!! <3

  6. Responder

    valentinamc

    24 de agosto de 2016

    Ai guria!!! Nossa. Tô vivendo uma situação tão parecida. Brigada por dividir e me fazer ver que somos normais.

  7. Responder

    raquelsoldera

    24 de agosto de 2016

    Há um ano e meio eu acompanho o seu divã. E esta sessão, como tantas outras, me faz refletir sobre os meus medos e anseios… Mas se não alçarmos voo – enfrentando o medo da altura – nunca conheceremos novos lugares, novos ares, novas pessoas, e nós mesmos. Porque através de despedidas e recomeços, tentativas e erros, é que vamos nos tornando quem somos. Sucesso e felicidades neste novo ciclo!

  8. Responder

    Jaquelaineoliveira Oliveira

    24 de agosto de 2016

    Obrigada por escrever tão belas palavras e além de belas,tem um profundo teor de decisão, de coragem de mudar tudo.Que sejas muito feliz nesse novo caminho. Bjs!!!

  9. Responder

    raquelsoldera

    24 de agosto de 2016

    Há um ano e meio acompanho suas sessões no divã, e esta é mais uma que eu fico aqui refletindo sobre minha própria vida, o medo de mudar, mas a vida é feita disso: tentativas. Se não alçarmos voo, perdemos o melhor da vida. Felicidades e sucesso nessa nova fase!

  10. Responder

    Paula Armada

    24 de agosto de 2016

    Te desejo todo o sucesso e felicidade do mundo! Por vezes me sinto tão atada ao meu destino, sei que estarei “presa” pelos próximos cinco anos de faculdade, mas é como uma “prisão por amor”, sei que não seria feliz fazendo algo diferente e sei também que esses anos me darão asas para voar pelo resto da vida. Esse texto mudou minha vida, porque foi o reflexo das mudanças que ocorreram comigo e até hoje eu questionava. Sair de casa cedo, mudar de estado, viver há milhares de quilômetros de distância. Foi bom me enxergar nele, e ainda vejo um futuro de muitas partidas! Obrigada!!!

  11. Responder

    Flávia

    24 de agosto de 2016

    Obrigadaaaaa sua linda …pela transparência que deixa a gente te conhecer …estou vivendo o meu é preciso ir embora …continue contribuindo com a gente …felicidade pra nós!!!

  12. Responder

    Evandro

    24 de agosto de 2016

    Então. Vai tomar um rumo diferente em sua vida. Como te falei, tomei o meu. Agora é mãos a obra. Seja para onde for, o que tem em sua experiência hoje, te levará para lugares cada vez melhores, pois tem uma bagagem bem mais interessante do que os mais de 18 meses anteriores. Também fiquei feliz por tomar sua decisão de ir em frente, amando a todos os seus. Beijos
    Embarcando, dê notícias, será um prazer te receber.

  13. Responder

    Ana Teté

    24 de agosto de 2016

    Aí perai, to me recuperando… Ufff… ?
    Passou um filme na minha cabeça, tantas escolhas, tantas mudanças que eu fiz… te digo que timing é tudo, você o respeitou acima de qualquer decisão e isso já é boa parte do novo caminho andado! Boa sorte na nova empreitada, vai ser de sucesso, isso eu já sei.
    Olhaaaa 1 ano e meio de “convivência” ahahahah…
    Mil bjooos pra ti, arrasa! Lov U. ❤️

  14. Responder

    Vera Schafer

    24 de agosto de 2016

    Você acaba de me lembrar que há 18 meses estou curtindo a mulher que nunca vi, mas que sempre leio, porque mesmo sem me conhecer, volta e meia ela escreve algo que tem muito a ver com a minha própria biografia. Sou sua fã, Antonia.

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Aline Mazzocchi
No divã e pelo mundo

De batismo, sim, Aline. Mas eu precisei do codinome Antônia - do latim "de valor inestimável" - para dividir minhas sessões públicas de escrita-terapia. O que divido aqui é o melhor e o pior de mim, tudo que aprendi no divã e botando o pé na estrada. Não para que dizer como você deve ver a vida. Mas para que essa eterna busca pelo auto-conhecimento, não seja uma jornada solitária, ainda que pessoal e intransferível. Então fique a vontade pra dividir o divã e algumas boas histórias comigo. contato@antonianodiva.com.br

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