Carimbo

Cinderela Americana – uma opereta croata

em
12 de julho de 2016

9:45 os motores da balsa ligam. Tempo estimado de chegada em Dubrovnik: 18:45. Faça as contas.

Era a minha segunda parada da Croácia, após o que foi um sonho chamado Jelsa (que merece um capitulo a parte). Frustrada com a perda do meu bilhete de railtrain que valia 550 euros e representava o meu passe-livre pela Europa, achei uma cadeira naquela balsa para dormir um pouco, e assim fingir por um minuto que não tinha perdido meu principal documento naquela viagem que estava apenas na metade. Uma menina com a pele naturalmente bronzeada e olhos de oliveiras me pergunta se pode sentar-se ao meu lado. Eu concordo, viro-me para o outro lado e desmaio em sono profundo.

O sol do meio-dia me desperta. Eu estava prestes a fechar as cortinas, mas a vista era surpreendente demais para ser ignorada.  Montanhas enormes de rochas brancas, pequenas ilhotas e as águas do mar verde-azul brilhante. Mihaela, a bela garota croata sentada ao meu lado, sorri para a minha cara de sono. “Você gosta?” – referindo-se a visão da janela  “O que não amar nesta vista?!”  respondi atônita.  Pegamos-nos a falar e assim descobri que Mihaela morava em Dubrovnik e trabalhava como fisioterapeuta em Split. Pensei comigo que se ela vivia na maravilhosa Dubrovnik, onde diabos ela devia passar as férias.

Mihaela concorda em vigiar a minha mochila enquanto eu desfrutaria de algum bronzeamento no convés superior. No convés tento adiantar o meu livro, curto um pouco o sol e logo fico entediada – como é esperado após 6h no mar. Mas não por muito tempo. De repente, eu vi esse cara que surpreendentemente preenchia todas as aspirações da minha lista de desejos: cabelos loiros que refletiam de volta para o sol, barba por fazer, queixo quadrado, sorriso largo, abdominais meticulosamente trabalhados e uma pele levemente dourada.  Eu precisava de água. Gelada.

Percebi que aquele deus saído do Olimpo estava com outros três amigos, e como eles estavam sentados ao meu lado, pude perceber que eram americanos. Como Dubrovnik era um dos poucos destinos da minha viagem que eu não tinha reservado alojamento, pensei que seria uma boa ideia verificar onde eles estavam hospedados. Descubro que o grupo era de Chicago. Depois de pegar duas indicações de alojamentos, despedi-me de forma ponderada (apesar do coração palpitando lhufas ao lado do loiro-cor-de-sol) agradecendo as indicações.

Chegando ao porto, Mihaela me mostra algumas casas interessantes pela costa, como uma casa com um elevador de vidro de frente para o mar e outra com um aquário de crocodilos (sim, porque não basta morar em Dubrovnik…) e uma pequena praia deserta onde Mihaela tinha dado seu primeiro beijo. Anotei o e-mail da bela croata no meu livro, torcendo que ela arrumasse um tempo naquele final de semana para um drink.

Despedi-me de Mihaela  e me dirigi ao ponto de ônibus. Uma longa viagem de ônibus lotado depois, chego a Cidade Velha de Dubrovnik. Bato perna por longos minutos pedindo orientações sobre alojamento e nada. Nenhuma chance de uma cama. Frustrada e cansada, me dirijo ao escritório de turismo da cidade quando dou de cara com os americanos novamente. Desculpei-me afirmando que eu não estava seguindo eles, mas que talvez seria uma boa ideia acompanhá-los para verificar a possibilidade de um quarto no hostel deles. Felizmente ao chegar ao nosso destino, o anfitrião gentil e engraçado do local arruma um quarto para mim. Iniciamos bem.

Mochila no chão, banho no corpo, e eu estava na rua para verificar a Cidade Velha. Perdi-me sem rumo nas milhares de arruelas de  Dubrovnik, até chegar a um bar chamado Buza bem em tempo de desfrutar a minha parte favorita do dia: o pôr do sol. Todas as cores lindas do céu, escondendo-se por de trás dos muros enormes de pedra e deitando-se preguiçosas sobre o mar. Percebi também que havia um lugar maravilhoso para saltar na água, e eu fiz uma nota mental para voltar no dia seguinte para um mergulho.

Presenteei-me com um delicioso macarrão para o jantar – o mar entre a Croácia e a Itália, obviamente não era suficiente para mantê-las separadas, já que a maioria dos restaurantes da cidade eram italianos. Cheguei ao alojamento a tempo de conhecer minha nova companheira de quarto. Uma gatinha, que fez questão de dormir dentro da minha mochila. Adormeci entre o ronronar da bichana e as ondas batendo nos rochedos do forte de Dubrovnik.

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No dia seguinte, começo cedo. Alugo um áudio-guia e passeio por toda a cidade, aprendendo  sobre as histórias de batalhas, inovações (primeira farmácia na Europa), ofertas de diplomacia, incêndios e os terremotos de Dubrovnik. Como é que este lugar sobrevivera a tantas lutas e tragédias e ainda assim parecia intocado?  Uma parada para um banho de mar azul anil era perfeito para tirar o cansaço da longa caminhada da manhã. No mar conheço garotas divertidas de Marrocos, que resultou na troca de contatos e um happy hour agendado para mais tarde. No porto velho, me sento em uma das peixarias tradicionais para um almoço rápido – peixes frescos fritos, com muito limão siciliano. Ahhh como eu queria ser Mihaela e morar ali pra sempre.

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Descansei minha preguiça depois do almoço ao lado do porto onde se banham os moradores da cidade. Tomei o meu tempo ao sol, enquanto apreciava o mar lambendo os dedos dos meus pés e deixei a vista massagear meus olhos com suas belezas. Percorri todo o caminho das muralhas da cidade, contando a minha sorte em cada tijolo. Antes de ir de volta para o alojamento, uma parada rápida na delegacia – sim, porque é bem coisa de Antônia precisar fazer uma B.O. da perda de passagem de trem para talvez conseguir acionar o meu seguro.  A aventura burocrática começa. Ninguém na delegacia fala inglês. Ótimo. Converso com um cara que sabia dizer algumas palavras. Papel e caneta e lá estou eu, do outro lado do mundo, escrevendo o meu próprio relatório policial em inglês. Entrego-o a um dos oficiais. 40 minutos e 20 kunas (algo como £ 3) mais tarde, eu finalmente tenho a ocorrência registrada conforme desejado. Bem, não exatamente. O relatório me é entregue em croata. O que diabos eu podia fazer com uma ocorrência policial em croata?

No alojamento, tento traduzir a ocorrência de croata para inglês na internet, quando ouço os americanos pedindo ao nosso anfitrião informações sobre o horário do ônibus para Split, lugar para onde eu voltaria. No meu caminho até a rua para fumar um cigarro, entreguei aos meninos o cronograma de horários de ônibus que tinha encontrado no meu quarto na noite anterior. Pedi o cronograma de volta quando eles terminassem de consultá-lo, para que eu organizasse a minha partida no dia seguinte, também de ônibus, já que sem o meu bilhete de railtrain, voltar de balsa seria muito caro.

De volta ao meu quarto tento contato com as meninas de Marrocos, mas sem sucesso. Quando eu estava aceitando outra noite tranquila com a Nik (a gatinha de Dubrovnik), alguém bate na minha porta. Por de trás da minha porta surgem aqueles grandes olhos azuis e o cabelo loiro-cor-do- sol. Ele me entrega o cronograma do ônibus em meio a um largo sorriso e me agradece. Antes de sair do meu quarto, me pergunta se eu tinha planos para aquela noite, e se eu gostaria de jantar com ele e seus amigos em meia hora. Agradeci-lhe educadamente, mas disse-lhe que eu já tinha comido. “Bebidas então?” – sugere. Como dizer não pra alguém que brilha como o sol? “Claro, me avisem quando saírem”.

30 minutos mais tarde, quatro rapazes estavam prontos para jantar ao lado da minha porta. Pergunto ao loiro se o convite ainda estava de pé, e ele faz uma cara de pensativo e dá uma piscadinha. Amoleço discretamente (assim espero). E foi assim então que eu conheci oficialmente Luke (também chamado mentalmente por mim de “blondie”, loirinho), Nick, Matthew e Tyler.

A partir dali foi uma noite de jazz e conversa fiada. Passeamos de bar em bar, e concordamos que Dubrovnik apesar de incrível, era uma cidade de noite pacata e destino de férias de muitos casais. Sugiro então pub irlandês ao lado do nosso alojamento. Afinal, sabia pela minha experiência com os irlandeses, que o pub não nos decepcionaria. E não decepcionou. Lá, doses cavalares de cerveja, muito bate-papo, e nossas listas de TOP-5 de pessoas com quem transaríamos – e uma pausa enorme para todos rirem da minha atração por Vin Diesel (me julguem!).  Bombas de Jägermeister  (RedBull + Jägermeister), e pronto, finalmente tínhamos uma festa.

Horas mais tarde, o pub irlandês finalmente nos expulsa e seguimos em direção ao alojamento assumindo a nossa derrota. Luke sugere mais uma cerveja que ele tem em seu quarto, mas os outros estão muito cansados e desistem. Permaneço em silêncio tentando não ser sempre a última dos moicanos da noitada. Um cigarro depois, Matthew, Nick e Taylor dizem boa noite, Luke e eu ficamos para mais um. Sentados nas escadas de pedra da Cidade Velha, conversamos sobre o gosto de Luke por drinks tipicamente femininos e seu novo apelido, “blondie”. Ele ri e diz que gosta de como eu sou direta e digo tudo o que eu penso (rio sem graça, já que aquilo nunca tinha me sido dito como um elogio).

Ele então sugere uma última cerveja,  e eu concordo. No meu quarto a cerveja dele brindou a minha pequena garrafa de absinto de Praga. Luke me contou sobre suas lutas greco-romanas, o quanto ele gostava de tocar guitarra, e sua futura carreira como um consultor. Nós mostramos nossas playslists mais tocadas, ele me apresentou sua banda favorita. Todo o tempo eu não pude deixar de sorrir olhando para a luz da lua cheia que entrava pela minha janela e refletia nos belos olhos verdes-azuis dele. Assim como o mar croata. O resto da noite… bem, isso fica entre o Luke, eu e a lua cheia.

Na manhã seguinte, levanto cedo para pegar o ônibus de volta a Split. Arrumo tudo correndo, e percebo pertences que não são meus. Um par de tênis.  “Luke”, penso imediatamente. Mochila nas costas, deixo o par de tênis no corredor em frente a sua porta, com um bilhete de despedidas.

Achei que Cinderela deixava apenas um dos sapatos. Foi um prazer, blondie. Até a próxima. Beijos, Antônia”.

Pé na estrada de novo .

Não quis me despedir pessoalmente do Luke, ainda que tenha o beijado longamente antes de ele ir para o quarto dele na noite anterior. Abri mão do “bom-dia” constrangido, daqueles de quem se divertiu na noite anterior, mas não tem intimidade suficiente para admiti-lo. Preferi guardar o Luke na minha memória, sob a luz da lua e promessas de reencontro. Talvez em outro lugar com um mar tão lindo quanto o de Dubrovnik, para combinar com os seus olhos azul-Adriático.

Peguei o caminho triste da estação de ônibus, triste como nunca em toda a minha viagem. Eu tive que deixar a Croácia, e toda a diversão e belezas  pra trás, rumo ao meu infortúnio destino de voltar para Londres, já que sem meu bilhete de trem, não poderia seguir viagem.

No porto de Split decidi que não faria mal verificar qualquer novidade no escritório que já havia me confirmado por telefone nunca ter encontrado o meu bilhete. Ainda que tivesse sido o último lugar que lembrava de ter pego o maldito bilhete de railtrain. Lá expliquei a menina a minha situação, dei-lhe meus dados e ela logo começou a procura-lo ao redor das mesas e prateleiras, sem sucesso. Batendo a cabeça na parede do escritório, eu estava prestes a dizer a menina para não perder o seu tempo, quando a sorte bateu na minha cara – literalmente. Fixado na mesma parede em que eu batia a cabeça, em frente aos meus olhos, estava o bilhete perdido. Eu não podia acreditar! Agarrei o bilhete e a menina, e rodopiei ambos no ar em euforia.

Com meu bilhete e passaporte na mão, peguei o ferry rumo à Itália. Atravessando o Mar Adriático no deck superior dei adeus à Croácia e seu pôr do sol rosado, agradecendo o país por ter sido tão generoso comigo, enquanto encarei incrédula a beleza do sol se pondo pra mim atrás de suas montanhas pela última vez.

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Bem. Pelo menos até a próxima vez. 😉 Hvala, Croácia. Hvala.


Fim da sessão

ps: A ocorrência em croata está emoldurada e pendurada no meu quarto. Um lembrança do meu talento para o drama e da minha sorte.

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1 Comentário
  1. Responder

    Gleyton Araujo. (@gleytonlondon)

    13 de julho de 2016

    PQP!! <3 DO CARALHOOO… =D

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Aline Mazzocchi
No divã e pelo mundo

De batismo, sim, Aline. Mas eu precisei do codinome Antônia - do latim "de valor inestimável" - para dividir minhas sessões públicas de escrita-terapia. O que divido aqui é o melhor e o pior de mim, tudo que aprendi no divã e botando o pé na estrada. Não para que dizer como você deve ver a vida. Mas para que essa eterna busca pelo auto-conhecimento, não seja uma jornada solitária, ainda que pessoal e intransferível. Então fique a vontade pra dividir o divã e algumas boas histórias comigo. contato@antonianodiva.com.br

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