ATL Girls

Adote um humano

em
12 de novembro de 2015

Sabe aquelas pessoas que tratam seus animais de estimação como se eles fossem da família? Nunca fui eu. Quer dizer, eu tenho um carinho por todos os animaizinhos, mas não vai muito além disso. Na minha família sempre tivemos animais de estimação, cachorro, gato, peixe, coelho, passarinho, tartaruga e um jovem avestruz chamado Aloncio. Pessoalmente eu sempre preferi os gatos – por serem mais independentes e terem um senso de humor sarcástico. Nunca conseguia me ver responsável por um cachorro, por exemplo, porque sei que não atenderia os níveis de fidelidade e comprometimento que eles exigem e merecem. Já o meu irmão, no entanto, sempre amou cachorros, e foi assim que o Django chegou à nossa história.

O Django foi abandonado no posto de saúde que meu irmão trabalhava, atropelado e todo desgraçado. Não devia medir mais que 15cm de pura bicheira e tinha a maior barriga de vermes que eu já tinha visto. Meu irmão, que inicialmente pegou o filhote para ajudá-lo e depois colocá-lo para adoção, apaixonou-se pelo vira-lata desnutrido. Lembro que quando nos encontramos, desaconselhei meu irmão a ficar com o Django, em virtude de seu trabalho no hospital e sua rotina de plantões. Ele não titubeou, e muito menos o Django. E assim, os dois passaram por um ano inteiro de provas finais dos últimos semestres de medicina e longos turnos de separação por conta dos plantões. O Django tolerava pacientemente as horas longe do dono ao lado da porta de entrada do apartamento do meu irmão, e celebrava cada reencontro como se fosse o último.

No início do mês passado, quando o meu irmão fez sua passagem para o plano superior, foi o Django que me avisou do acontecido. Chorava inconsolável dentro do apartamento, enquanto eu chorava do lado de fora tentando entrar. Ele não latiu como fazia sempre que percebia alguém na porta. Ele chorou pedindo ajuda quando viu que o dono passou mal. Aquele pequeno ser de quatro patas foi o último da nossa família a se despedir do meu irmão. Sim, da família. Por que tamanha devoção merecia o meu respeito.

Durante o processo de despedida, o Django seguiu confuso e atrapalhado, da mesma forma como cada um de nós. Depois do que foram os dois dias mais longos da minha vida, entre velório, enterro e longas horas de lágrimas, me joguei na cama do meu antigo quarto na casa da minha mãe e adormeci luto adentro. Acordei horas depois para encontrar o Django montando guarda no pé da minha cama, latindo para cada pessoa que se aproximava da porta que protegia o meu descanso.

Desde então o Django nunca mais largou de mim. E eu sei que esse comportamento não tem nada a ver com nossa afinidade – quer dizer, eu gostava do cachorro, o achava bonitinho, mas nunca fiz nada para merecer sua devoção –  não fosse a minha própria devoção pelo dono dele. Era como se meu irmão tivesse me deixado um anjo da guarda de rabo, pulgas e olho piratinha.

Durante o período que passei na casa da minha mãe aquele cachorro nunca me deixou sozinha. Vigiava meu sono chorado, assistia minhas refeições e deitava ao lado do box a cada banho. Eu nunca mais fiz um xixi sozinha desde que o Django me adotou.  Quando me encolhia na sacada para chorar vendo as estrelas, ele sentava sobre os meus pés e olhava o céu comigo, o tempo que fosse. Não foi uma, mas várias vezes que acordei na madrugada com ele lambendo minhas lágrimas, quando tinha o sono agitado pela dor. Era como se ele soubesse melhor do que eu como eu precisava de ajuda. Como se entendesse a falta que fazia o meu melhor amigo – melhor amigo dele também.

O Django passou a morar com a minha mãe em definitivo, numa casa grande onde ele corre faceiro e meus irmãos mais novos o enchem de amor. Volta e meia pego minha mãe abraçando o peludo com lágrimas nos olhos, ou meu pai deixando o cachorro lamber toda a cara dele. Sempre que visito o Django, é fácil lembrar da alegria que meu irmão me trazia. E nos dias em que a tristeza é mais forte, eu corro pra dormir na casa da minha mãe, onde o Django toma seu lugar de prontidão ao lado da minha cama. Ele larga o conforto da caminha dele para garantir meu sono tranquilo. Cheio de sonhos de saudade, mas sob a vigília dele, mais tranquilos.

Eu entendi que preciso do Django para superar a maior perda da minha vida. E de fato, confesso que de toda ajuda que eu recebi nos últimos dias, foi com ele que me senti mais próxima do meu irmão. Com seus olhinhos tristonhos, mas cheios de carinho como quem diz “fica tranquila, huMANA, eu vou cuidar de você”. E ele tem cuidado, da mesma forma como fez com meu irmão, e meu irmão com ele. Então hoje se todos os cachorros do mundo pudessem me entender da forma como sei o Django me entende, diria: “adote um humano! A gente precisa muito de vocês.”

Fim da sessão.

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5 Comments
  1. Responder

    Claudinei Girardi

    2 de setembro de 2019

    Wow! Que história! Obrigado por compartilhar. Um Abraço!

  2. Responder

    SISI

    2 de fevereiro de 2016

    Me interessei pelo seu blog qd assisti a homenagem ao seu irmao no dia da formatura…coincidência ou não…neste ultimo ano passei muito tempo frequentando o HSL devido a um câncer diagnosticado em set/14 aos 35 anos…quando soube que o ocorrido era um aluno de medicina da Puc; procurei saber quem era…pois devido as minhas visitas constantes ao HSL e por ser um hospital universitario muitas vezes fui atentida por estudantes e residentes..e como sou uma pessoa digamos que curiosa e com otima memoria lembrei que vi seu irmao algumas vezes por lá…seguidamente com aquele aparelhinho de medir batimentos cardiacos e recordo que tive que fazer algumas transfusoes de sangue e tb o tenha visto…mas voltando adote um humano a 6 meses perdi aquela que durante um ano me cuidou; esteve perto de mim pra cima e para baixo nos piores momentos durante meu tratamento…efeitos colaterais da quimioterapia, dores no corpo e ela sempre ao meu lado…ja com 13 anos cega e com diabete me seguia pela casa e onde eu estivesse…ia me dar bom dia pela manha me lambendo e parecia que sentia minhas dores do tratamento…e as vezes que fiquei internada no hospital devido a complicacoes da quimio e ela me procurava pela casa…hoje depois de ler seu blog sobre Django percebo que nao a adotei e sim ela que me adotou…esteve comigo durante treze anos e no ultimo ano com a saude debilitada aguentou comigo quase todo meu tratamento e qd finalmente eu estava me recuperando…faltando pouco para o término do meu tratamento ela se foi..achava que o cancer tivesse sido a pior coisa a acontecer nesse ultimo ano comigo; mas nao…..a perda da minha cachorrinha foi bem pior…..era para ser apenas um pequeno comentario….e se tornou quase livro rsrsrs….♡☆

  3. Responder

    Morna Nunes

    15 de novembro de 2015

    Ah Antonia, chorei quando li esse post, porque tinha um bichinho que me adotou por 14 anos e agora me sinto a mais sozinha das criaturas, porque ele se foi ! Ele era meu filho e eu era sua filha….não me largava um minuto e seus olhos repletos de amor viviam me seguindo, por onde eu fosse, e me olhavam constantemente…..Sempre que chego em casa choro porque não encontro mais meu amigo e companheiro que tanto amor me doou e que tantas alegrias me deu ! Como é difícil aceitar uma separação ! Bjos no seu coração .

  4. Responder

    vornei

    14 de novembro de 2015

    obrigado!!!
    voce abriu varias janelas pra mim….
    leio seu blog faz tempo..
    meu total respeito e admiracao.
    compaixao e solidariedade sao a chave de tudo!
    abraco vornei

  5. Responder

    Kamilla

    12 de novembro de 2015

    O seu blog é simplesmente um daqueles “achados” que a gente faz pela internet. Sabe, aqueles que vale a pena ler, reler, indicar para os amigos, e o melhor, se encontrar muitas das vezes.
    Acho que um “parabéns” aqui será substituído por um, continue escrevendo…
    ??

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Aline Mazzocchi
No divã e pelo mundo

De batismo, sim, Aline. Mas eu precisei do codinome Antônia - do latim "de valor inestimável" - para dividir minhas sessões públicas de escrita-terapia. O que divido aqui é o melhor e o pior de mim, tudo que aprendi no divã e botando o pé na estrada. Não para que dizer como você deve ver a vida. Mas para que essa eterna busca pelo auto-conhecimento, não seja uma jornada solitária, ainda que pessoal e intransferível. Então fique a vontade pra dividir o divã e algumas boas histórias comigo. contato@antonianodiva.com.br

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